Amazonas
Projeto de R$ 260 milhões com torres gigantes próximas a Manaus estuda como floresta reage à mudança climática
Pesquisadores vão reunir dados e amostras por dez anos para confirmar se projeções sobre colapso amazônico são reais.
 
																								
												
												
											No projeto AmazonFACE, a cerca de 80 quilômetros ao norte de Manaus, cientistas construíram uma “máquina do tempo” que bombeia dióxido de carbono no dossel da floresta para simular as condições atmosféricas previstas para o futuro, com o objetivo de avaliar como o bioma se adapta às mudanças climáticas — uma questão em aberto a ser discutida na cúpula climática da ONU COP30, em Belém (PA), no próximo mês.
No projeto, estimado em R$ 260 milhões, seis anéis se erguem acima do dossel da floresta com o apoio de torres de aço, cada um cercando grupos de 50 a 70 árvores maduras. Todos os seis arranjos são iguais, mas só três farão a injeção de CO2, ficando os outros como áreas de controle onde só entrará ar ambiente. Ou seja, serão intervenções idênticas na mata exceto pelo CO2, variável de interesse isolada, como manda a metodologia experimental.
A ideia é criar a atmosfera do futuro, disse Carlos Quesada, coordenador no Brasil é o engenheiro florestal especialista em solos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Manaus, “A gente tem hoje uma oportunidade única, que possivelmente só o AmazonFace hoje consegue, pensando em florestas tropicais no mundo, de olhar num mesmo lugar todos esses processos ao mesmo tempo”, afirma. “O maior desafio é olhar para isso de forma integrada e obter uma visão sistêmica, holística, em que todos esses processos estão interagindo.”
O FACE, abreviação de Free-Air CO2 Enrichment (enriquecimento de CO2 ao ar livre), permitirá que Quesada e sua equipe de cientistas estudem os efeitos dos níveis elevados de dióxido de carbono sobre as árvores gigantes da floresta tropical e a vida vegetal circundante.
Embora os experimentos do FACE tenham sido realizados em todo o mundo — inclusive nos Estados Unidos, onde o Departamento de Energia testou biomas temperados — o AmazonFACE representa uma nova fronteira, disse o engenheiro florestal Gustavo Carvalho.
Com os testes de base em andamento, os sensores registram a resposta da floresta às mudanças nas condições a cada 10 minutos, mostrando como a folhagem das árvores absorve dióxido de carbono e libera oxigênio e vapor de água em resposta à chuva, tempestades e Sol, disse Carvalho.
O projeto passou a ser discutido no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação há 15 anos, quando o climatologista Carlos Nobre era secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCTI, e desembolsos decisivos vieram ainda no governo Bolsonaro, apesar do negacionismo climático.
O custo do megaexperimento vem sendo repartido entre os governos brasileiro e britânico, neste caso o serviço meteorológico MetOffice. São os principais financiadores, após um aporte do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que apoiou o desenvolvimento do projeto inicial.
“O Face é hoje talvez o maior experimento a céu aberto de mudanças climáticas do mundo”, diz o ecólogo e meteorologista da Unicamp David Lapola, um dos coordenadores científicos. “Ele busca entender, reduzir incertezas de uma das maiores fontes de incerteza para o futuro da amazônia, o papel que o aumento de gás carbônico teria sobre a floresta, principalmente o efeito fisiológico direto.”
O outro coordenador no Brasil é o engenheiro florestal Carlos Alberto (Beto) Quesada, um especialista em solos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Manaus. Ele chama a atenção para a quantidade de medições que serão feitas nos dez anos previstos do Face, parte delas já iniciadas uma década atrás.
São mais de cem pesquisadores e técnicos envolvidos nas observações. Para tomar medidas, a equipe conta com torres centrais de 37 metros, em dois dos círculos, e quatro gruas de construção civil com 45 metros de altura dispostas entre eles.
Cada “braço” dos guindastes tem 50 metros de comprimento que pode girar 360 graus. Após atuar na construção, a grua serve agora para suspender cientistas em gôndolas até a copa das 423 espécies de árvores presentes ali.
Câmeras no alto das torres, voando em drones ou operadas do chão registram variações no dossel da floresta. Da temperatura à quantidade de flores ou frutos e área de folhas disponíveis para fotossíntese, processo chave que permite à vegetação crescer, tudo é monitorado.
Só as câmeras fenológicas instaladas nas duas torres centrais captam 360 instantâneos da folhagem, cada uma, por dia. Tudo para acompanhar o comportamento das plantas no período de luz, das 6h às 18h.
A gôndola suspensa pela grua carrega até os galhos mais altos operadores de um aparelho capaz de medir a fotossíntese em ação numa folha individual. O dispositivo é clipado na superfície foliar para registrar, em dez árvores por círculo, os gases que a planta troca com a atmosfera por meio dos estômatos, poros por onde entra CO2 e sai vapor d’água (evapotranspiração).
No solo, técnicos coletam tudo que cai nas armadilhas de serrapilheira. São 30 cestas de tela verde armadas (cinco por círculo) para reter material -folhas, flores, frutos, sementes, gravetos, insetos, fezes de animais– que será levado a Manaus para separação, classificação e escaneamento de cada folha morta, de modo a estimar a área foliar perdida.
O crescimento das árvores se mede pelo método DAP (diâmetro à altura do peito). Soa prosaico, ainda que a mensuração se faça com cintas metálicas ao redor da árvore que, conforme o tronco engrossa, alarga uma abertura indentada a ser medida com um paquímetro digital.
No tronco das árvores há instrumentos fixados para analisar substâncias em circulação na planta. Um sensor penetra até o xilema, camada de tecido vascular da árvore, para mensurar o fluxo de seiva em dez indivíduos por parcela, 60 no total.
A cada 15 dias um especialista conecta o aparelho a um laptop para baixar a massa de dados registrados de 30 em 30 minutos. Estima-se que cada árvore transporte 10 a 230 litros por dia do solo até a copa.
Tubos transparentes com 2 metros de comprimento fincados em diagonal no chão permitem a entrada de escaneadores minirhizotron. Servem para monitorar o crescimento de raízes diminutas lançadas pelos vegetais para extrair o máximo de nutrientes no terreno pobre da amazônia.
A fim de desvendar o que se passa no submundo das microrraízes, algumas acabam levadas ao Inpa para análises enzimáticas. São quatro campanhas anuais de coleta, 720 amostras de cada vez, somando 2.880 por ano –fora as amostras de solo analisadas no mesmo laboratório.
O carbono estocado no terreno é monitorado com dispositivos de laboratório que identificam 315 moléculas orgânicas. A cada duas semanas são coletadas amostras para essa análise e medidas de CO2 e água no solo, a quatro profundidades (10 cm, 20 cm, 30 cm e 90 cm), no ponto de coleta mantido em cada um dos seis círculos, totalizando 24 registros.
“A experiência, a ideia, foi concebida por cientistas brasileiros”, ressalta Richard Betts, especialista em modelos computacionais para simular e prever o comportamento do clima na Terra. Ele coordena o Face pelo MetOffice e atua como professor na Universidade de Exeter.
“Ficamos entusiasmados com a oportunidade de testar no mundo real algumas das coisas que os modelos vinham sugerindo”, diz o britânico. “Sabíamos que uma das incertezas chave [na predição] de um colapso amazônico, na projeção de um ponto de não retorno [“tipping point”], era a resposta da floresta ao CO2 elevado.”
Betts se refere ao cenário em que o bioma amazônia deixa de ser um sumidouro para se tornar emissor de gases do efeito estufa e, assim, vir a agravar o aquecimento global em vez de contribuir para arrefecê-lo. A previsão indica a floresta úmida se transformando numa formação mais seca, talvez um cerrado (daí o nome “savanização” dado ao colapso, de início), com perda de carbono para a atmosfera.
De 280 partes por milhão (ppm) antes da revolução industrial, no século 18, a concentração de gás carbônico no ar subiu para 420 ppm com a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e a produção de fertilizantes e cimento. Como consequência, a temperatura média no planeta subiu cerca de 1,3°C desde então.
O AmazonFace se propõe a solucionar vários enigmas da flores. Conforme surgirem respostas sistêmicas robustas às perguntas, o que pode levar até cinco anos, os resultados permitirão refinar modelos de computador que buscam reproduzir e predizer o comportamento do clima planetário.
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