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Amazonas

Prefeito defende suspeitos de estupro no interior do Amazonas e revolta povo Kokama, informa UOL

Prefeito disse que houve “muita irresponsabilidade” na denúncia contra os policiais, que agora estão “tendo problemas em casa” por conta da repercussão do caso.

Um áudio gravado pelo prefeito de Santo Antônio de Içá (AM), Cecéu (MDB), defendendo os policiais militares presos suspeitos de estupro da indígena em delegacia do município revoltou o povo Kokama, que cobra uma imediata retratação e apuração dos órgãos de controle. No áudio enviado em um grupo de WhatsApp, o prefeito disse que está “revoltado” com a denúncia feita pela indígena, que ficou detida por nove meses na delegacia da cidade junto com homens. Os policiais tiveram ordem de prisão no sábado. As informações são do UOL.

“Eu tô muito revoltado com essa situação porque tem policiais que a gente conhece, que estão aqui na cidade há bastante tempo, que têm mulheres, que têm família, que têm filhos; e os caras estão passando por uma situação dessas. Se a gente se colocar num lugar de um cara desse… O julgamento desses caras foi feito

Para ele, houve “muita irresponsabilidade” na denúncia contra os policiais, que agora estão “tendo problemas em casa” por conta da repercussão do caso. “Eu mesmo tive a oportunidade de conversar com duas esposas de policiais, mas graças a Deus parece que elas não acreditam também nisso, como eu, como muita gente, como a maioria de quem conhece a situação”, cita.

juiz-concede-semiliberdade-a-iO prefeito ainda questiona no áudio se realmente foi feito exame de corpo de delito: “Dizem que fizeram, não sei se fizeram”. Em seguida, reclama: “como que a Justiça aceita um negócio desse?”

O UOL informa que teve acesso ao resultado do exame, feito em agosto de 2023, que confirmou a conjunção carnal, que é a prática sexo, além de hematomas na vítima.

“Como que eu vou acreditar que esses policiais vão ter relação sexual com uma mulher que é doente, usuária de drogas; ela parece que tem um problema, que tinha um mandado de uma condenada. Como é que esses policiais, a maioria são pais de família, pessoas que a gente conhece vão ter relação sexual com uma mulher dessa durante tanto tempo? Eu, sinceramente, não acredito”, disse Cecéu.

A fala do prefeito revoltou o líder do povo Kokama, que em nota cobrou “retratação pública imediata”, “abertura de investigação pelos ministérios públicos Estadual e Federal” e “responsabilização civil e criminal pelas declarações ofensivas”.

“As falas do referido gestor municipal, além de desrespeitosas e ofensivas, atentam contra a dignidade do povo indígena Kokama, ferindo princípios constitucionais e legais que garantem o respeito à diversidade étnica, à honra e à imagem dos povos originários”, diz o texto, assinado por Edney da Cunha Samias, patriarca e cacique geral do povo Kokama.

Em conversa com o UOL, o cacique ainda afirmou que a entidade está acompanhando o processo da indígena de perto. “Nós, indígenas do Brasil e do estado do Amazonas, estamos muito tristes com esses fatos ocorridos no meu
município”, disse Edney.

Prefeito ataca Justiça e advogado

O prefeito de Santo Antônio do Içá ainda atacou o advogado da vítima. “O que eu acredito que tenha acontecido é que esse cara fez a denúncia na intenção de conseguir um dinheiro, uma indenização do estado”.

Procurado, o advogado Dacimar de Souza Carneiro, que entrou com a ação de danos morais e materiais, diz que já informou sobre o áudio à Comissão de Prerrogativas da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Amazonas.

“A conduta infame do prefeito ao proferir acusações caluniosas e ofensivas contra minha atuação profissional representa uma inaceitável e frontal violação das prerrogativas da advocacia, garantias essenciais asseguradas pela OAB para o exercício livre e independente da defesa”, disse.

“Ao tentar me imputar falsamente denúncias contra forças de segurança e descredibilizar meu trabalho, o gestor não apenas me atacou pessoalmente, mas atentou contra a própria função do advogado no Estado democrático de Direito. Mais grave ainda, ele utilizou sua posição para violar a dignidade e a privacidade de uma mulher indígena, expondo indevidamente seu estado de saúde e tentando desqualificá-la por sua etnia, a Kokama, e por sua condição feminina”, disse Dacimar.

O advogado ainda afirmou que vai tomar “medidas legais cabíveis” para “a rigorosa responsabilização criminal e cível do gestor.”

Também procurada, a OAB do Amazonas não respondeu até o momento da publicação sobre as ações que deve tomar após a denúncia. O espaço segue aberto.

A reportagem do UOL informou que tentou contato ontem com o prefeito e com a Prefeitura Santo Antônio do Içá por meio das contas no Instagram —já que não havia número de telefone —, mas não obteve retorno. A matéria será atualizada em caso de manifestação.

Entenda o caso

A indígena de 29 anos da etnia Kokama está processando o estado do Amazonas por ficar nove meses e 17 dias na delegacia de Santo Antônio do Içá. Ela estava detida junto a homens e relatou ter sofrido agressões físicas, morais e estupros, praticados por policiais militares e por um guarda municipal. Eles foram presos. Exames apontaram marcas no corpo compatíveis com a denúncia.

A mulher foi presa em novembro de 2022, quando seu filho tinha apenas 21 dias de vida. Mesmo amamentando, ela conta que foi estuprada na cela até a sua transferência para o Centro de Detenção Provisória Feminino de Manaus, ocorrida apenas em agosto de 2023, onde cumpria pena até o início desta semana, quando teve direito a semiliberdade —vai ficar em um abrigo.

Os abusos, diz, começaram logo após chegar ao local. No depoimento, ela relata que, além das violências sexuais, os policiais a obrigavam a consumir bebidas alcoólicas com eles e mandavam que ficasse em silêncio por estar “nas mãos deles”.

A mulher afirma em depoimento que foi vítima de “agressões físicas, abusos morais e, inclusive, abuso sexual e estupro coletivo perpetrados por um grupo de cinco agentes, composto por quatro policiais militares e um guarda civil”. Na época, a guarnição da PM ficava dentro da delegacia.

Já em Manaus, um dia após chegar à nova prisão, ela passou por exame de corpo de delito. No laudo, o perito confirmou a prática de sexo e citou marcas de violência na mama direita, abdome e coluna.

Por conta da violência, ela pede agora uma indenização de R$ 500 mil por danos materiais e morais. O estado reconhece a legitimidade do pedido, mas quer pagar apenas R$ 50 mil — o que a defesa da vítima não aceita.

A Polícia Militar do Amazonas informou que os policiais acusados de praticar abusos sexuais contra a indígena serão indiciados pelo crime de estupro. Eles são alvo de investigação em um IPM (Inquérito Policial Militar), que já está “em fase de finalização”. Os nomes dos suspeitos não foram informados.

A advogada Viviane Batalha Cacau disse ao UOL que os policiais e o guarda relataram que nunca houve relação sexual com a detenta, nem mesmo de forma consensual, e que a foto dela com homens em uma cela foi forjada.

Sobre o exame que confirmou a conjunção carnal, ela diz que a indígena teria sido flagrada pelos policiais e pelo guarda “usando entorpecentes com o mesmo companheiro que cometia contra ela violência doméstica durante o puerpério [período pós-parto]”.

Veja Nota Oficial do povo Kokama sobre o caso de acusação de estupro


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