Conecte-se conosco

Amazonas

Morre aos 78 anos Chico Caju, saxofonista ícone da música de beiradão do Amazonas

Cajú, nasceu no dia 3 de outubro de 1943 em uma localidade rural na beira do Lago do Ajará, no município de Manaquiri (AM).

Morreu nesta sexta-feira (21/01) o saxofonista Chico Caju, ícone da música de beiradão do Amazonas. Francisco Ferreira do Nascimento, mais conhecido pelo apelido e nome artístico Chico Caju, ou somente Cajú, nasceu no dia 3 de outubro de 1943 em uma localidade rural na beira do Lago do Ajará, no município de Manaquiri (AM), a cerca de 80 quilômetros ao Sul de Manaus.

“Eu trabalhei no interior com juta, com malva, com roça e… aí aprendi a tocar. Foi o tempo que eu entrei na música, larguei roça, larguei tudo, peguei a mulher e vim embora para Manaus”, disse ele a Rafael Norberto, na pesquisa ‘Espaços, Trânsito e Sociabilidades em performance na Música do Beiradão: uma Etnografia entre Músicos Amazonenses’, dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música, área de concentração Etnomusicologia/Musicologia, de 2016.

No trabalho, Chico Caju informou: “meus irmãos, um tocava banjo, o outro tocava pandeiro, o outro tocava bateria. A nossa bandinha era só irmão. Ali a gente já era chamado para todo lado. Eu comecei a tocar eu tinha 12, 13 anos. Tocava pandeiro, bateria, banjo, aí… passei para o sax. Era um sax daquele do Saraiva, comprido sabe? Eu deveria ter guardado aquele sax, mas depois eu passei na frente. Sax, desses de primeiro, chamava saxofone cachimbo. Só desses aí eu possuí uns 10. Cada disco desse foi um sax. E foi o tempo com 19 anos eu me casei, ainda estava no interior, vivi 12 anos com a mulher, foi cinco filhos”.

Ele também contou que gravou “umas 100 músicas”, a maioria composições próprias. “Eu toquei em Porto Velho, Tabatinga, tudo por aí eu toquei, Manicoré, Tefé, Alvarães, rodei por esse Amazonas quase todo. Antigamente, naquele tempo, a gente entrava para tocar nos festejos às oito horas e só parava às sete horas da manhã do outro dia, hoje a gente só toca duas, três horas”, disse.

Chico Caju levou o que havia de melhor em contexto musical nortista, com suas melodias que remetem ao choro, ao baião nordestino, ao xote e ao carimbó. Uma das músicas que mais marcaram foi a que contava um pouco de sua história: “Eu sou do Amazonas, filho de Manaquirí, pertinho do Guajará, terra do Bacurí. Tem um italiano, da terra do cupuaçu. Forró é animado com o sax do Caju”!

Veja trechos de diálogos que Rafael Norberto manteve com Chico Caju, em 2015

O senhor ajudava seu pai e sua mãe na roça…

Ajudava papai na roça. Mas o seu pai já tocava também né? Violino. Tocava bem meu pai. Às vezes quando ele estava lombrado [nervoso] ele quebrava duas cordas, ficava duas só, e tocava naquelas duas cordas. Eu sei que… e fazia festa, eu tinha um… meu tio tocava clarinete, outro tocava violão. Naquele tempo eles tocavam festa de graça. Bastava avisar, tem festa em tal canto, era músico de todo lado, cada qual fazia a sua parte, só na cachaça [vários risos de ambas as partes].

E quando o senhor passou a tocar sax?

Meu pai me deu um saxofone alto com 20 anos. Eu já tocava o soprano, mas foi com o alto que eu comecei a animar os festejos e fiquei conhecido por todo esse Amazonas.

E como o senhor aprendeu a tocar?

Era tudo de ouvido mesmo , eu tirava duas três músicas de um, duas três músicas de outro, e assim tinha repertório para varar a noite toda. Músicas de vários artistas, Pantoja do Pará, Manezinho, o Paulinho, Elson Brenha, tudo era sax, o… aquele… Ivanildo, tudo isso aí, tudo eu toco música deles.

Cajú, e lá no interior, tinha escola? Como é que era esse lado assim, do estudo?

É… primeiro, primeiro ano, eu fiz até… o sexto ano parece. O estudo do interior valia por um segundo ano aqui em Manaus. O estudo do interior era muito… você aprendia mesmo sabe. Aqui em Manaus você vê um aluno desse, ele não leva uma cartilha de ABC, uma tabuada, não, eles aprendem é só na lousa mesmo, e o professor passa isso aí e eles aprendem. E lá não, o cara tinha que estudar a carta ABC todinha, depois ia passar para uma cartilha, da cartilha passava para o… aquele primeiro… Primeiro Nosso Brasil, segundo também, terceiro… Eu sei que todos esses livros aí eu estudei tudinho. Era muito bom o estudo. Eu tinha uma professora.

E lá no interior, o senhor morou no Lago do Ajará, e depois, morou em outro lugar antes de vir para Manaus ou veio direto para cá?

Morei, ainda passei um tempo lá na Costa do Tanaboca, ali no Solimões. Depois vim direto para cá. Era comunidade também? Era, era comunidade. E com que idade o senhor foi para lá? Rapaz, eu tinha uns 28 anos. Eu vim com 22 anos para Manaus, mas depois eu voltei lá para o interior [Lago do Ajará], de lá fui para o Tanaboca, aí de lá tornei a vir para cá de novo. Veio para cá já com 30, de vez? Já vim com a família [segundo casamento], com uns 30 anos. Eu tinha um restaurante lá no Educandos. O senhor morou no Educandos primeiro? Morei cinco anos no Educandos, do Educandos eu fui para o Morro. Quando eu cheguei em Manaus eu fui morar na Vista Alegre, depois eu fui para o Educandos, depois para o Beco São Francisco, depois eu fui morar no Morro da Liberdade.

E como o senhor veio para Manaus?

Meu pai foi me incentivando, foi o tempo que eu me casei, aí o meu sogro também falou: “Cajú, vai para Manaus que lá você vai se desenvolver mais, lá tem muita gente, vai para o quartel, para a banda de música, aí já vem com outra qualidade”. Fiquei pensando, sabe que é verdade mesmo, aí vim com a idade de 22 anos. Em Manaus, eu fui pegando prática com esse pessoal da polícia militar, passei seis meses pegando aula com o pessoal da polícia.

E como que o sax chegou no interior?

De primeiro não tinha sax mesmo não. Só sei que quando eu me entendi, já tinha sax, porque iam essas bandas daqui de Manaus, iam tocar para lá, meu irmão…, e eu ficava lá no cantinho assim, ficava olhando, digo porra. Então, os PM daqui de Manaus que iam e levavam o sax? Era. Paulo Moisés, o senhor conheceu? Paulo Moisés eu não conheci não. Eu conheci só o Jabiraca, o Jonas, o Rafí, o Pedro, esse pessoal assim.

E esse contato com as gravadoras, como é que foi? Esse contato com as gravadoras…

no festejo de São Pedro em Manaquiri, eu estava tocando na sede, rapaz, quando foi uma hora lá o dono da aparelhagem que eu estava tocando veio, vinha um cara com ele, era o Zé Milton. Aí disse: “Cajú, apresento aqui o Zé Milton, ele quer te conhecer”. Peguei na mão dele e tal… ele disse: “Cajú, tu tens alguma música tua mesmo”? Eu digo: tenho. Aí ele disse: “Então tu gravas três, duas músicas numa fita, que eu vou para Fortaleza, vou passar em Belém, aí eu entrego para o Carlos Santo, que é meu amigo. Quem sabe tu não vais gravar um disco!”. Cheguei aqui e gravei cinco músicas. Mandei! Dei para o Zé Milton, o Zé Milton levou para lá. Quando ele chegou, disse: “Cajú, eu acho que a sua fita foi aprovada”. Como é que é? [voz de espanto]. Disse: “foi”. “Espera que vão te chamar para você ir e tal…” Quando foi com uns 15 dias eles estavam me chamando na rádio. Aqui na Difusora?37 Era, que era para mim viajar, para gravar o disco. Porra, eu, naquele tempo, eu não tinha nem eira e nem beira. Digo, rapaz, e a passagem de avião? “A gente dá um jeito”. Sei que se viraram, arrumaram passagem de avião, o hotel era por conta da gravadora. Peguei o avião e me mandei. Eu pensava que lá na gravadora tinha tudo, instrumento, tudo tudo que o cara quisesse. Cheguei lá, só levei a boquilha do sax, não tinha sax. Aí, o Pinduca disse: “Rapaz, e agora, como é que tu vais gravar se não traz teu sax”? [Risos]. E o senhor conheceu o Pinduca lá? Foi. Eu digo: E agora sim, eu não sabia se era preciso. Ele foi lá no quartel, trouxe esse sax, me aparece aí, o bicho era todo pirento [desregulado], todo cheio de teia de aranha. Taquei ele na água, lavei ele bem lavado com sabão e… [Cajú fazia os gestos como se estivesse lavando o sax], escovei bem, coloquei a minha boquilha, aí disse: é esse mesmo. Rapaz, foi o melhor disco que saiu.

Cajú, tu gravaste quantas músicas mesmo?

Rapaz, eu… 36… 50… Eu já gravei umas 100 músicas, a maioria minha. E os festejos, onde tu já tocaste? Eu toquei em Porto Velho, Tabatinga, tudo por aí eu toquei, Manicoré, Tefé, Alvarães, rodei por esse Amazonas quase todo. Antigamente, naquele tempo, a gente entrava para tocar nos festejos às oito horas e só parava às sete horas da manhã do outro dia, hoje a gente só toca duas, três horas.”

 

Clique para comentar

Faça um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

9 − um =