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Mensagens de senador revelam operação golpista de Bolsonaro contra Moraes, informa Veja

Reportagem da revista diz que o ex-presidente fez um pedido a Marcos do Val: gravar o ministro do STF. O objetivo era anular as eleições, impedir a posse de Lula e se manter no Planalto.

Reportagem da revista Veja, nesta quarta-feira, diz que o ex-presidente de República Jair Bolsonaro fez um pedido ao então senador Marcos do Val: gravar o ministro do STF. O objetivo era anular as eleições, impedir a posse de Lula e se manter no Planalto.

A reportagem diz que as indicações de que o ex-presidente da República se envolveu numa tentativa de conspirata estão num conjunto de mensagens a que revista teve acesso.

Faltavam 21 dias para terminar o governo e Bolsonaro ainda não havia reconhecido o resultado da eleição. Deprimido, repetia a todo instante que o processo havia sido fraudado e que era preciso mostrar isso de maneira clara ao país. Com o apoio de um grupo muito restrito, foi elaborado então o seguinte plano: alguém de confiança do presidente se aproximaria do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, devidamente equipado para gravar as conversas do magistrado com o intuito de captar algo comprometedor que servisse como argumento para prendê-lo.

Esse seria o estopim que desencadearia uma série de medidas que provavelmente atirariam o país numa confusão institucional sem precedentes desde a redemocratização. Na reunião do Alvorada, Bolsonaro descreveu os detalhes dessa operação. Estavam presentes, além dele, dois parlamentares aliados: o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) e o senador Marcos do Val (Podemos-ES).

Uma das mensagens obtidas por VEJA foi enviada por Marcos do Val a Alexandre de Moraes no dia 12 de dezembro, às 20h56, três dias depois da reunião no Palácio da Alvorada. Nela, o congressista pede para falar pessoalmente com o magistrado, diante da gravidade do que havia tomado conhecimento.

“Dia emblemático”, escreveu o parlamentar, remetendo aos acontecimentos registrados em Brasília naquelas últimas horas. Pela manhã, Lula havia sido diplomado pelo TSE. À tarde, manifestantes bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal para resgatar um preso, seguido de um confronto com a polícia e atos de vandalismo que deixaram um rastro de destruição pela cidade.

Depois da ressalva inicial, do Val justificou a urgência em encontrar o ministro: “Precisava falar como foi o encontro com o PR e o DS”. PR era o presidente da República. DS era o deputado Daniel Silveira. O senador relatou que os dois haviam lhe convidado para participar do que ele de!niu como “uma ação esdrúxula, imoral e até criminal”. O ministro agendou o encontro pessoal para dali a dois dias.

Moraes já estava informado de que algo estranho estava sendo tramado. Um primeiro alerta havia sido feito pelo próprio Marcos do Val. Dois dias antes da reunião no Alvorada, o senador foi procurado por Daniel Silveira durante uma sessão do Congresso. O deputado disse que Bolsonaro tinha um assunto importante e urgente para falar com ele.

Na sequência, ligou para o presidente e passou o telefone ao senador. Foi uma conversa rápida, na qual o mandatário comentou apenas que tinha uma questão que precisava ser resolvida de imediato e perguntou se o senador não podia “dar um pulinho” no palácio. O encontro foi combinado para dois dias depois.

Daniel Silveira é investigado num inquérito sigiloso conduzido por Alexandre de Moraes, já foi condenado e preso por ameaça ao estado democrático de direito. Do Val sabia disso e, preocupado em se envolver em algo que pudesse prejudicá-lo, achou por bem comunicar o ministro sobre a reunião com o presidente da República e o deputado.

A preparação para a reunião foi cercada de cuidados absolutamente incomuns. Por sugestão de Daniel Silveira, ficou combinado que ele e o senador se refeririam ao encontro apenas por códigos.

No dia marcado, o deputado passou uma mensagem de áudio a Marcos do Val para instruí-lo sobre como chegar ao destino, de maneira discreta, sem serem vistos: “Vou te mandar a minha localização, mas tu não entra não, no Alvorada. E nem chega perto da entrada. Tu não vai aparecer. Tu vai parar o carro no estacionamento que eu vou te mandar a localização. Eu vou estar ali. O carro vai vir buscar a gente”.

E assim foi. Por volta das 17h30 do dia 9, Marcos do Val seguiu com seu motorista até a localização enviada pelo deputado por GPS – um via que dá acesso ao Palácio do Alvorada, próxima ao Palácio do Jaburu, a residência o!cial do vice-presidente. Lá, distante de olhos curiosos, os dois embarcaram num carro da segurança do presidente da República até o Alvorada, que fica a alguns metros à frente, onde entraram sem deixar qualquer registro na portaria.

A reunião com o presidente durou cerca de 40 minutos. Era uma sexta-feira. Bolsonaro recebeu os visitantes vestido de bermuda, camisa de mangas curtas e chinelo. Os três falaram sobre vários temas, do acampamento de manifestantes em frente aos quartéis até às supostas fraudes no processo eleitoral. Neste instante, Daniel Silveira interveio, disse que o senador era uma pessoa de sua con!ança e pediu ao presidente que apresentasse a ideia que “salvaria o Brasil”.

Bolsonaro e seus auxiliares atribuem a derrota do presidente à interferências do ministro Alexandre de Moraes durante a campanha eleitoral. Acreditavam que conseguiram provar isso caso conseguissem se aproximar do magistrado e gravar suas conversas. Captar um diálogo que sugerisse algo nessa direção pavimentaria o caminho para o que se pretendia na sequência: prender o ministro, impedir a posse de Lula, anular as eleições… “Você será um herói nacional”, exaltou o deputado.

Do Val quis saber como isso seria feito. Bolsonaro disse que já tinha acertado com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela segurança do presidente e que tem a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sob seu organograma, que daria o suporte técnico à operação, fornecendo os equipamentos de espionagem necessários. Apenas cinco pessoas teriam conhecimento do plano. Três estavam na reunião: Jair Bolsonaro, Daniel Silveira e Marcos Do Val, a quem caberia a tarefa de gravar Alexandre Moraes, caso aceitasse a missão.

O senador foi escolhido porque conhecia o ministro há mais de uma década. Era, portanto, o personagem certo para se aproximar do magistrado sem levantar suspeitas e montar a armadilha que, nas palavras de Bolsonaro, “iria salvar o Brasil”. Do Val pediu um tempo para pensar na proposta.

No dia seguinte à reunião, Silveira enviou uma série de mensagens ao senador cobrando uma resposta. Na primeira delas, rea!rmou que do Val poderia ficar tranquilo, que a missão era segura. Repetiu que apenas três pessoas sabiam do plano, e outras duas tomariam conhecimento apenas após a conclusão da primeira etapa da operação — “cinco estrelas”, destacou, fazendo supor que os dois personagens ocultos seriam militares.

O deputado reforçou que a coisa toda era tão sigilosa que “nem o Flávio saberá”, se referindo ao !lho do presidente, Flávio Bolsonaro. “Estarei em QAP até o comando do 01 para irmos até lá”, acrescentou. No jargão policial, QAP signi!ca “na escuta”, de “prontidão”. Por último, Silveira lembrou que “o conteúdo” captado seria utilizado exclusivamente para pautar a “ação” que já estaria “desenhada e pronta para ser implementar”. O senador não respondeu.

Percebendo a hesitação do colega e preocupado com o tempo, Silveira continuou insistindo. “Não há riscos”. “Caso não extraia nada, é descartado o conteúdo e ninguém saberá”. E voltou a destacar a importância da missão: “Não sei se você compreendeu a magnitude desta ação. Ela de!ne, literalmente, o futuro de toda a nação”. O deputado pede ao senador que ele não comente nada com absolutamente ninguém. Do Val continuou sem responder.

Numa terceira mensagem, Silveira lembrou que as “escutas usadas em operações especiais” já estavam à disposição. E reforçou mais uma vez o apelo: “Se aceitar a missão, parafraseando o 01, salvamos o Brasil”. Zero Um é o presidente da República. Por !m, numa quarta e última mensagem, o deputado lembra que “pessoas muito importantes e relevantes” estão envolvidas na operação e que todos depositavam nele “uma esperança sem precedentes”. Nada de resposta.

No dia 14 de dezembro, na data agendada pelo ministro para o encontro com o senador, o Supremo Tribunal Federal julgava a legalidade do chamado orçamento secreto. No intervalo da sessão, Alexandre Moraes deixou o plenário e, de toga, foi até o salão branco do prédio, onde Marcos do Val já o aguardava, conforme o combinado. A conversa foi rápida, durou apenas alguns minutos. O parlamentar narrou detalhes do encontro que teve com o presidente, da proposta indecorosa que recebeu e os objetivos abjetos do plano.

Acostumado nos últimos tempos a lidar com as mais mirabolantes teorias da conspiração, Moraes fez um único comentário: “Não acredito”, disse em tom de espanto. À noite, depois de relatar o caso ao ministro e convicto de que estava se envolvendo em algo perigoso, do Val !nalmente respondeu as mensagens de Daniel Silveira. “Irmão, vou declinar da missão”, escreveu, sem dar maiores explicações. O deputado assentiu: “Entendo, obrigado”.

Todos os citados no caso foram procurados por VEJA. O agora ex-deputado (o mandato dele terminou na última terça-feira) informou, por intermédio de seus advogados, que está impedido pela justiça de falar com jornalistas.

Alexandre Moraes, também através de sua assessoria, disse que não iria comentar o caso.

Jair Bolsonaro viajou para os Estados Unidos , alguns dias depois da reunião no Palácio da Alvorada e não foi encontrado pela reportagem.

Já o senador Marcos do Val confirmou ter participado da reunião com o então presidente, admitiu ter ouvido os detalhes do plano e, se dizendo assombrado, decidiu relatar a Alexandre de Moraes aquela que teria sido a derradeira tentação do ex-presidente. Nesta quinta-feira, ele anunciou que pretende renunciar ao cargo e contou numa live a entrevista dada a VEJA.


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