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Cientista brasileiro com pesquisas na Amazônia, Carlos Nobre, é nomeado membro da Royal Society

Royal Society, com sede em Londres, é a academia de ciência mais antiga (desde 1660) ainda em atividade no mundo. Antes de Carlos Nobre, somente D. Pedro 2º (1825-1891) teve acesso ao grupo.

Climatologista Carlos Nobre. (Foto:Letícia Valverdes)

O climatologista brasileiro Carlos Nobre foi eleito nesta semana como membro estrangeiro da Royal Society, a academia de ciência mais antiga (desde 1660) ainda em atividade no mundo. Após D. Pedro 2º (1825-1891), ele é o único brasileiro a ser aceito na entidade com sede em Londres.

Membros dessa sociedade devem ter feito contribuições substanciais ao conhecimento de áreas do saber. Na turma de 2022 da Royal Society, Nobre tem a companhia de Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), agraciado como “fellow” horonário. A informação é da Folha de São Paulo.

O pesquisador associado do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo) trabalha há décadas com pesquisas focadas em clima e Amazônia.

Em 1990, Nobre já apontava em estudos o risco de, com o avanço do desmatamento, o bioma —essencial para a chuva no continente— chegar a um ponto de não retorno (chamado, em inglês, de “tipping ​point”) e passar por um processo de savanização, secando e perdendo sua grande biodiversidade.

Ao problema trazido pelo desmate, soma-se a crise do clima, que nos empurra mais rápido para esse desfecho. “Isso nos coloca na beira do precipício do ponto de não retorno”, afirma Nobre à Folha.

Segundo o pesquisador, sua escolha como membro da Royal Society se deve à preocupação mundial em salvar a Amazônia da savanização, que, inclusive, já se mostra presente em trechos destruídos da floresta.

Nobre ressalta que, caso o ponto de não retorno seja atingido, dificilmente metas climáticas globais postas pelo Acordo de Paris serão cumpridas, mais um ponto que atrai a atenção internacional.

“Se a Amazônia passar por savanização, ela joga mais de 300 bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera. Isso tornaria impossível atingir as peças do Acordo de Paris. Se isso acontecer, a gente teria que esperar, com sorte, ficar em 2°C de aumento”, afirma o cientista.

O pesquisador se refere ao nosso “orçamento de carbono”. Para o aumento da média da temperatura global ficar abaixo de 1,5°C —algo que, ainda assim, leva a inúmeros desastres climáticos—, o mundo pode emitir mais 400 bilhões de toneladas de CO2, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima).

“O último relatório de IPCC só faltou bater na cara da sociedade, dos políticos com o risco que nós estamos vivendo no planeta. E partimos imediatamente para diminuir as emissões? Não. As emissões continuam a aumentar e, por causa da guerra na Ucrânia, estão aumentando mais ainda.”

Apesar de parecermos caminhar para um ecocídio devido a modelos econômicos que prezam pela queima de combustível fóssil e derrubada de florestas, um moderado otimismo em relação às novas gerações, personificadas na ativista sueca Greta Thunberg, 19, mora em Nobre.

Leia a entrevista:

A sua indicação e aceitação na Royal Society têm a ver com o agravamento da crise do clima e a importância da Amazônia nesse contexto?

Não há dúvida, eu acho que esse é o fator principal. Salvar a Amazônia do ponto de não retorno se tornou uma preocupação mundial. Eu acho que a academia eleger um cientista brasileiro que há décadas trabalha com esses assuntos é um reconhecimento do risco que a Amazônia corre. É quase um chamamento de atenção.

O senhor fala desde os anos 1990 sobre o possível ponto de não retorno na Amazônia. O que mudou no conhecimento sobre o assunto desde aquela época e quão próximo estamos desse momento?

Em 1990/1991, nós publicamos os dois primeiros artigos científicos, um modelo matemático do clima, um primeiro teste para, se houvesse grande desmatamento na Amazônia, o que poderia acontecer.

Os desmatamentos explodiram nos últimos anos, com degradação, fogo. A floresta era muito resiliente ao fogo, agora ela está muito menos úmida, o fogo está comendo o chão da floresta.

Isso tudo, infelizmente, fez a floresta estar muito próxima do ponto de não retorno. E não estou falando mais com projeções matemáticas. Estamos observando isso, não é só uma projeção do que pode acontecer no futuro. Estamos vendo todo aquele sul da Amazônia… O clima lá está mudando totalmente. Está muito mais seco, a estação seca está mais longa e muito quente, até 3°C mais quente.

A mortalidade de árvores está aumentando e boa parte da floresta ali no sul [da Amazônia] já virou uma fonte de carbono, ela não retira mais carbono da atmosfera. Estamos vendo que o sul da Amazônia está muito próximo desse ponto não retorno. É uma combinação sinergística muito maléfica das mudanças climáticas globais com o desmatamento.

Nós temos que fazer um enorme esforço de zerar o desmatamento, a degradação e o fogo, e passar por uma grande restauração florestal para recuperar 1 milhão de km2 ali de todo sul da Amazônia que está desmatado e degradado. Isso é um enorme desafio.

Por que, na sua visão, parte das esferas políticas e da sociedade tem dificuldade de perceber as consequências da derrubada da floresta?

Eu vou fazer uma analogia com a leniência da sociedade, do mundo político e do empresarial com a questão do aquecimento global. O último relatório de IPCC só faltou bater na cara da sociedade, dos políticos com o risco que nós estamos vivendo no planeta. E partimos imediatamente para diminuir as emissões? Não. As emissões continuam a aumentar e, por causa da guerra na Ucrânia, estão aumentando mais ainda.

A sociedade civil, por mais que ela perceba, que a ciência esteja indicando isso com clareza… Com que velocidade estamos caminhando para um mundo sustentável? Muito lentamente. É a mesma coisa com a Amazônia. A ciência mostra todos os riscos, à beira do precipício… Quanto de mudança de modelo econômico na Amazônia nós estamos implementando? Muito pouco.

Se a Amazônia passar por savanização, ela joga mais de 300 bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera. Isso tornaria impossível atingir as peças do Acordo de Paris. Se isso acontecer, a gente teria que esperar, com sorte, ficar em 2°C de aumento.

A ciência tem colocado tudo isso com bastante rigor e clareza, mas o modelo econômico na Amazônia continua a ser um modelo que não enxerga valor da floresta. É a mesma coisa na questão das mudanças climáticas. É o maior desafio que a humanidade já enfrentou e as emissões continuam a crescer.

O seu contato com a Amazônia é antigo. Hoje temos falas claras de governantes e de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que apontam para um desenvolvimentismo baseado em derrubada de floresta. O senhor imaginaria que falas como essas ainda seriam realidade em 2022?

Não. Jamais isso passou pela minha cabeça. Dez anos atrás lideramos mundialmente a redução do desmatamento de florestas tropicais e aquilo tornou o Brasil um protagonista ambiental no planeta, de proteção da biodiversidade e de redução das emissões.

Julgávamos estar numa trajetória certa e que nós conseguiríamos zerar em poucos anos o desmatamento e a degradação na Amazônia e ter uma agricultura produtiva em todo o Brasil. Mas, infelizmente, houve essa inversão. O desmatamento disparou, não só no Brasil, na maioria dos países amazônicos.

Se o Brasil realmente for praticar uma agricultura moderna, do século 21, ele pode usar uma área menor do que a metade do que ele usa hoje.

A gente não precisa ter um planeta com crescente emissões de gás de efeito estufa e a gente não precisa ter um planeta com crescente desmatamento e degradação da Amazônia. Mas o setor que persegue esse modelo econômico há séculos é o setor econômico e político que domina o planeta. É um enorme desafio.

O que o senhor imagina que possa ser um ponto de virada para essa mentalidade?

Eu vejo um sinal positivo, que muitos estudos têm mostrado, na nova geração, simbolicamente representado pela Greta [Thunberg]. A nova geração começa a ter uma visão de um futuro mais sustentável, porque eles não querem prosseguir com o mundo que nós estamos colocando para eles.

Nós estamos colocando um mundo quase impensável. Um bebê que nasça neste ano vai enfrentar mais de oito vezes o número de ondas de calor do que um bebê que nasceu em 1960. Estamos deixando para essas futuras gerações um planeta quase inabitável.

Temos que torcer muito para que essa nova geração consiga, no momento que eles se tornarem participantes ativos da economia, do mundo político, das empresas, ter muita criatividade de inverterem essa trajetória, zerar as emissões, os desmatamentos de todas as florestas do planeta. Eu tenho um moderado otimismo.

A gente está se aproximando de uma eleição, período sempre delicado para desmatamento pelo país. Caso a política ambiental atual seja mantida, em uma possível vitória de Bolsonaro, o que se espera para a realidade da floresta? E, em caso de mudança de governo, é possível esperar uma melhora aguda nos níveis de desmate e de proteção à floresta?

Essa é uma pergunta-chave. Eu acho que a resposta mais genérica é que, principalmente a nova geração, não apoie uma tendência global que tem sido vista nos últimos 20 anos que é a eleição de autocratas.

Essa é a grande dúvida que nós temos para o futuro sustentável do planeta. Se nós continuarmos a eleger autocratas, globalmente e falando no Brasil também, eu acho que o risco de nós caminharmos para o ecocídio, para o suicídio coletivo do planeta, é muito alto. Temos que fazer com que as democracias se instalem de uma forma muito mais permanente.

RAIO-X
Carlos Nobre, 71

Graduado em 1974 em engenharia eletrônica pelo ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e com doutorado em meteorologia, em 1983, pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos EUA. Foi pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), diretor do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas. Atua como “senior fellow” do WRI (World Resources Institute) e como pesquisador colaborador do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP.


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