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Brasil

Nenhum país tem potencial para se beneficiar tanto com a restauração de florestas quanto o Brasil, diz cientista

Veja a entrevista que o cientista brasileiro Bernardo Strassburg deu ao jornal O Globo.

Extinção é para sempre, mas é possível conter a destruição de áreas naturais e restaurá-las em tempo recorde, numa década. A mensagem está no editorial da prestigiosa revista Science desta semana, dedicado à XV Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade. Assinado pelo cientista brasileiro Bernardo Strassburg, o editorial traz uma mensagem de esperança e um alerta em meio ao agravamento das crises de biodiversidade e do clima em plena pandemia de Covid-19.

Strassburg destaca que é precisohaver avanços na política dos governos, mas vê avanços positivos
no setor privado. Devido à pandemia de Covid-19, a COP-15 foi dividida em duas partes. A primeira, virtual, de 11 a 15 de outubro; e a segunda, com a presença dos chefes de governo, de 25 de abril a 8 de maio, em Kunming, na China.

Professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio e diretor-executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade, Strassburg ressalta que o Brasil estará no centro das discussões porque é onde as crises da biodiversidade e do clima se encontram com maior nitidez. É o país mais rico do mundo em espécies, mas ao mesmo tempo alimenta o caldeirão da mudança climática global com a destruição da Amazônia. Veja a entrevista que ele deu ao jornal O Globo.

Estamos numa crise de extinção de espécies e sofremos com o agravamento das mudanças climáticas, ambas tragédias causadas pela ação humana. Há motivos para otimismo?

Esses têm sido tempos extremamente difíceis. Há um vácuo de políticas públicas. Mas sinais de otimismo vêm do setor privado, que começa a apresentar ações significativas. O Fórum Econômico Mundial colocou a mudanças climáticas e a extinção de espécies entre as quatro maiores ameaças à economia global, ao lado das crises de saúde e social. Há uma tentativa de se distanciar do chamado greenwashing (maquiagem verde, ações sem impacto real) e adotar decisões baseadas em ciência, com métricas mensuráveis e comparáveis.

E no Brasil?

O Brasil está no centro das atenções. Tem a maior riqueza de espécies, mas ao mesmo tempo aumentou a destruição da Amazônia, com consequências para as mudanças climáticas e a biodiversidade. Com isso, vemos um movimento de investidores, de grandes bancos de exigirem do Brasil compromissos concretos e verificáveis.

Seca no Pantanal:Animais correm para matar sede após água chegar em caminhões-pipa; como esses compromissos podem ser aferidos?

Com métricas internacionais fáceis de entender e de comparar. Elas fazem toda a diferença e devem ser o painel de controle para a tomada de decisões. Foi mais simples desenvolver métricas para o clima. A biodiversidade é mais complexa, mas avançamos muito e hoje temos métricas maduras o suficiente para sustentar políticas públicas e privadas.

Por que a biodiversidade é tão complexa?

Porque esse termo é um guarda-chuva para uma série de questões. Na verdade, biodiversidade é a própria natureza e sua ligação conosco. Ela envolve serviços ambientais, como produção de água, regulação do clima, prevenção de erosão de solo e de deslizamentos, polinização, controle de doenças, lazer dentre outros. Mas também inclui extinção de espécies, queda nas populações. Os últimos 40 anos viram a população de animais cair à metade no mundo.

Pode dar exemplos de boas métricas internacionais?

As que avaliam o risco de extinção. Você pode avaliar, por exemplo, a perda populacional de uma espécie. Medir se uma determinada medida aumenta ou reduz a população de uma espécie num determinado local num dado período. E também o tamanho da população para a viabilidade de uma espécie.

Esta foi declarada pela ONU a Década de Restauração de Ecossistemas (2021-2030), o que podemos esperar de concreto?

A conferência global da semana que vem almeja alcançar um compromisso para deter o declínio das áreas naturais do planeta e restaurar aquelas degradadas. A meta é reverter numa década pelo menos 15% do que se perdeu em um milênio de ação humana ou 1 bilhão de hectares. É um desafio enorme, uma área equivalente à dos Estados Unidos, mas também uma oportunidade sem precedentes.

O que se espera com isso?

Poderíamos alcançar um terço da mitigação necessária para fazer frente às mudanças climáticas até 2030 e evitar dois terços das extinções. É uma coisa colossal, significa limpar da atmosfera 30% de todo o CO2 emitido desde a Revolução Industrial. E há ainda significativos ganhos econômicos.

Quais?

A restauração é um ótimo negócio, cada dólar investido em restauração de ecossistemas gera US$ 30 em benefícios econômicos.

Como?

Parte deles são serviços ecossistêmicos. E dentre eles a remoção de carbono. Vale destacar que o carbono ligado à biodiversidade vale mais, é um ativo. Além disso, há a manutenção da segurança hídrica e energética, economia no uso de fertilizantes e agrotóxicos. A restauração emprega muita gente, direta e indiretamente. Desde o pessoal que coleta sementes e plantas à empregados da indústria que produz máquinas e insumos. Há também possibilidades como exploração de madeira sustentável e de outros produtos da floresta.

Qual deve ser o foco do Brasil?

O Brasil precisa parar com a destruição da Amazônia e do Cerrado e restaurar fundamentalmente a Mata Atlântica. Mas há áreas para restauração críticas também na Amazônia, como o Sul do Pará e Rondônia. O Brasil é o país do mundo com mais áreas para restaurar. São cerca de 50 milhões de hectares com altíssima prioridade. Se o Brasil restaurar 15% das áreas degradadas, se beneficiará muito.

Por que?

Nenhum país tem potencial para se beneficiar tanto com a restauração quanto o Brasil. Primeiro porque vai restaurar serviços ambientais necessários à regulação do clima e o brasileiro já sofre hoje com os efeitos da crise climática, como crise hídrica, enchentes, deslizamentos e queda da produção agrícola. Além disso, restaurar floresta para vender carbono é um ótimo negócio.

Existe tecnologia para viabilizar metas tão ambiciosas?

Sim. E o Brasil tem conhecimento científico suficiente para recuperar áreas hoje perdidas. Restaurar é viável sem comprometer a agropecuária. Há uma falsa dicotomia entre a restauração e a contenção de conversão de áreas naturais e a atividade agropecuária. Pode e deve haver sinergia.

Restauração então é uma atividade produtiva?

Sim, totalmente. Nossos estudos mostram que a restauração pode movimentar uma atividade produtiva semelhante à indústria do café, inclusive na geração de empregos. Hoje 75% das áreas convertidas no Brasil são pastagens, metade delas com baixíssima produtividade. Está na hora de transformar essa terra degradada e improdutiva num novo café. O país tem muito a lucrar e vai gerar empregos para as pessoas mais pobres e vulneráveis.

Em seu editorial o senhor menciona a Floresta da Tijuca como um exemplo de sucesso e de esperança. Vislumbra outros?

O estado do Rio de Janeiro inteiro, por exemplo. A Tijuca foi restaurada no século XIX, hoje dispomos de conhecimento para recuperar área maiores em menos tempo. O estado do Rio tem a pior relação área agrícola/PIB do Brasil, mas pode se tornar um centro mundial de restauração usando essas mesmas áreas degradadas para semear florestas. O estado todo é prioridade, pois conta com altíssima biodiversidade, espécies endêmicas e beleza cênica. Além disso, tem especialistas capacitados e ainda pode criar empregos para gente que vive na pobreza no campo.


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