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Investigação das Nações Unidas aponta que há racismo sistêmico nas ações policiais do Brasil

O documento é resultado de uma investigação aprovada pela ONU após o assassinato de George Floyd, americano negro asfixiado até a morte por um policial branco, nos Estados Unidos, em maio de 2020.

O resultado da pesquisa foi apresentado em Genebra pela alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. Foto: Fabrice Coffrini/ STF)

Um informe divulgado nesta segunda-feira, 28/06, no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas denuncia o Brasil como um dos países em que há racismo sistêmico nas ações policiais. O documento apresentado em Genebra pela alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, é resultado de uma investigação aprovada pelo órgão após o assassinato de George Floyd, americano negro asfixiado até a morte por um policial branco, em Minneapolis, nos Estados Unidos, em maio de 2020. A informação foi divulgada pelo Extra.

Em sua fala, Bachelet disse que é necessário que os Estados tomem “medidas imediatas” contra o racismo sistêmico, afirmando que o atual status quo é “insustentável”. Segundo ela, é necessária uma “resposta sistêmica” e de abordagem ampla que englobe as múltiplas raízes do problema:

— Faço um apelo para que todos os Estados parem de negar e comecem a desmantelar o racismo, ponham um fim à impunidade e construam confiança, escutem as vozes das pessoas de ascendência africana, confrontem legados passados e promovam reparações — afirmou a ex-presidente chilena.

Referindo-se ao Brasil, o documento cita os casos de Luana Barbosa dos Reis, João Pedro Matos Pinto e da vereadora Marielle Franco (PSOL). O informe lembra também que, no ano de 2019, a mortalidade da população negra durante operações policiais foi 183,2% superior à da população branca, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Barbosa dos Reis, uma mulher negra e lésbica, foi abordada pela polícia em 8 de abril 2016, em Ribeirão Preto (SP), quando levava seu filho de moto para um curso. De acordo com sua família, ela foi parada pela polícia e não teria permitido que a revistassem, exigindo a presença de uma policial mulher. Ela foi agredida e, em um vídeo gravado logo após o incidente, disse ter sido ameaçada de morte pelos policiais. Ela morreu cinco dias depois, devido a uma isquemia cerebral e traumatismo craniano, ambos consequências do espancamento.

Já Matos Pinto tinha 14 anos quando foi morto por um tiro de fuzil durante uma operação conjunta das polícias federal e civil no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, em 18 de maio de 2020. A casa onde o menino foi baleado enquanto brincava com primos e amigos tem as marcas de mais de 70 disparos. Até hoje o crime não foi solucionado.

Marielle, por sua vez, é citada como um exemplo de defensora dos direitos humanos e crítica da violência policial contra a população negra que foi assassinada — um dos 70 casos do tipo identificados pelo relatório na América Latina. A vereadora foi morta em 14 de março de 2018, quando seu carro foi alvejado por 13 tiros, que mataram também seu motorista, Anderson Pedro Gomes. O GLOBO entrou em contato com o Itamaraty sobre o informe apresentado por Bachelet, mas ainda não obteve resposta.

A morte de Floyd despertou uma onda global de protestos antirracismo e contra a violência policial, que levou o braço de direitos humanos da ONU a aprovar a investigação sobre violência policial e racismo no mundo, conduzida por uma comissão de especialistas. No último dia 22, Derek Chauvin, o policial que o assassinou, foi sentenciado a 22 anos e meio de prisão.

Quando a resolução foi debatida no ano passado, o Brasil foi um dos poucos países a apresentarem objeções à medida, defendendo que a investigação não fosse focada nos EUA, como antes se previa, e sugerindo que fosse destacado o “papel indispensável da polícia para garantir o direito à segurança pública”. O posicionamento não apenas buscava defender o então presidente americano, Donald Trump, mas também antecipava que o Brasil pudesse ser posto no foco da investigação.

O relatório apresentado por Bachelet foi realizado pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos a partir de consultas on-line com mais de 340 pessoas, em sua maioria negras, consultas com especialistas, parentes de vítimas, acadêmicos, organizações da sociedade civil, análise de materiais já divulgados, além de mais de 110 contribuições escritas dos Estados e outras organizações — rol do qual o Brasil não fez parte. O documento cita a “significativa desigualdade e marginalização política” da população negra, e traça alguns padrões que são vistos em 190 mortes analisadas provocadas pela polícia.

Em 85% dos casos, diz o relatório, as mortes ocorreram nas seguintes circunstâncias: durante respostas a pequenas ofensas, abordagens no trânsito ou buscas, como nos casos de Floyd e de Barbosa dos Reis; durante intervenções policiais durante crises de saúde mental; ou durante operações policiais, como no caso do menino João Pedro.

Os motivos para a impunidade, diz o documento, passam por razões como a falta de investigações, a ausência de mecanismos de fiscalização e a “presunção de culpa”. Além de Floyd e dos brasileiros, também foram analisados com mais afinco os casos de Breonna Taylor nos EUA; Kevin Clarke, no Reino Unido; Janner García Palomino, na Colômbia; e Adama Traoré, na França.

Em suas recomendações, Bachelet pede que o Conselho crie um mecanismo específico e com prazo para aplicação, ou fortaleça os instrumentos já existentes, para promover a justiça racial e a igualdade no âmbito das operações das forças de segurança. Também pede que os Estados confrontem os legados do racismo, do tráfico de pessoas escravizadas e do colonialismo, afirmando que nenhum pais “reconheceu amplamente o impacto passado ou presente do racismo sistêmico”.

— Os Estados devem mostrar forte vontade política para acelerar a ação no âmbito da justiça racial, da reparação e da igualdade por meio de compromissos específicos e com prazos para conquistar resultados. Isso envolve repensar o policiamento e reformas do sistema criminal, que repetidamente produz resultados discriminatórios para pessoas de ascendência africana — disse Bachelet.

Também nesta segunda-feira, o Brasil foi citado pela primeira vez em uma sessão paralela do Conselho de Direitos Humanos sobre o genocídio, em uma referência à situação dos povos indígenas. A violência policial no Brasil estará ainda na mira de outros dois informes, um deles sobre execuções sumárias no âmbito da guerra às drogas e do combate ao crime, sendo citado ao lado de países como Filipinas, Nigéria e Venezuela.


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