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Amazonas

Covid-19: Por que o Norte tem menor percentual de vacinados contra covid-19 do Brasil?

No Amazonas, as cidades do interior tem mais lentidão na vacinação anti covid-19 do que em Manaus.

Distâncias e dificuldades de acesso foram citadas como dificuldade para realizar a vacinação. (Foto: Edmar Barros/AP)

Desde o início de junho, a BBC News Brasil vem acompanhando os percentuais diários de população vacinada contra a covid-19 nos Estados brasileiros. Com o passar das semanas, um grupo de Estados nunca deixou as últimas colocações, aparecendo com os menores percentuais de população vacinada no país. Em comum, eles são todos da região Norte (formada por Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).

Até esta quarta-feira (23/6), os menores percentuais de população imunizada com a 1ª dose de vacina contra a covid-19 pertenciam ao Amapá (19,63%); Roraima (20,53%); Acre (21,79%); Rondônia (22,54%) e Tocantins (22,88%). No outro extremo, lideravam em população vacinada o Mato Grosso do Sul (38,35%); Rio Grande do Sul (37%) e Espírito Santo (34,97%). Os dados são do Consórcio de Veículos da Imprensa formado por G1, O Globo, Extra, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL.


Do dia 7 ao 23, o Amapá sempre apareceu no último lugar, seguido por Acre, Roraima e Rondônia — estes se alternando nas posições posteriores, a depender da data.

Para a 2ª dose, o quadro muda um pouco em relação à 1ª dose, mas as últimas colocações permanecem no Norte (dados de 23/6): Amapá (7,31%); Acre (7,42%); Rondônia (8,1%); Maranhão (8,18%); e Mato Grosso (8,58%). Na liderança, aparecem Rio Grande do Sul (14,94%), Mato Grosso do Sul (14,42%) e São Paulo (13%).

Apesar de negociações e compras adiantadas feitas por algumas prefeituras e governos estaduais, hoje as vacinas aplicadas no país são distribuídas pelo Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Secretários e especialistas atuando na região afirmaram à BBC News Brasil que, apesar do difícil acesso aos números considerados pelo Ministério da Saúde para quantificar os grupos prioritários por Estado, características populacionais dos Estados do Norte provavelmente resultaram em menos doses enviadas pelo governo federal no início da imunização, quando foram priorizados profissionais de saúde e idosos.

Uma exceção é o Amazonas, que devido ao colapso sanitário no início do ano, sobretudo em Manaus, foi beneficiado por um fundo estratégico para a região Norte (com reserva de 5% das doses, segundo o ministério). Esta reserva acabou, segundo os secretários, priorizando o envio de vacinas para este Estado — hoje no meio do ranking nacional de população vacinada, com 28,7% de imunizados com 1ª dose e 12,47% com 2ª dose. Já o Pará tem percentuais melhores que alguns de seus vizinhos, mas está entre os dez últimos colocados em população vacinada para as duas doses (25,76% para 1ª e 9,38% para 2ª).

A recusa da população em se vacinar, as distâncias e dificuldades de acesso em algumas regiões, além da possível demora no registro eletrônico de números de vacinados também foram mencionados pelos entrevistados como explicações para o menor percentual de pessoas vacinadas sobretudo no Amapá, Acre, Roraima e Rondônia.

Dirigentes locais afirmaram à reportagem que esperam apoio do governo federal para, daqui pra frente, se aproximar de outros Estados do país com melhores percentuais.

“Estamos pleiteando algum critério que atenda à equidade, que é um dos pilares do Sistema Único de Saúde (SUS). É muito difícil concebermos que alguns Estados já estão alcançando quase 40% da população vacinada com a primeira dose, enquanto alguns Estados do Norte ainda estão na casa dos 20%. Gostaríamos de ter esse tipo de compensação”, afirmou o secretário de Saúde do Amapá e vice-presidente para a região Norte no Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Juan Mendes Silva, à BBC News Brasil por teleconferência.

Menos idosos e profissionais de saúde

Vice-presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e secretário municipal de saúde de Tucuruí (PA), Charles Tocantins, diz que o perfil populacional dos Estados do Norte os deixou mais longe das doses na primeira fase da imunização contra a covid.

“A princípio, a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) era de que as vacinas fossem distribuídas por população-alvo. Neste caso, a região Norte tem um percentual menor de idosos e profissionais de saúde do que as demais regiões brasileiras”, diz Tocantins, também presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Pará (Cosems/PA).

“Temos infelizmente o menor parque de saúde do país, isso tanto em unidades hospitalares, quanto em números de trabalhadores de saúde — um dos primeiros grupos a serem imunizados.”

Segundo o relatório Demografia Médica 2020, Roraima, Amapá, Acre, Tocantins e Rondônia não só têm os menores números de médicos em números absolutos, quanto a região Norte tem a menor proporção de médicos por mil habitantes do país (1,30, enquanto para o Brasil a razão é de 2,27; o Sudeste lidera com 3,15).

Dados de maio do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) também mostram que Acre, Roraima, Amapá, Rondônia e Tocantins têm os menores números de auxiliares, técnicos, enfermeiros e obstetrizes no país. A reportagem não encontrou números relativos à população.

Alguns Estados do Norte estão entre os que têm menos médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde no país.

Secretário no Amapá, Juan Mendes Silva diz que algumas milhares de doses a mais ou a menos podem parecer não fazer tanta diferença no cômputo por Estado — mas proporcionalmente à população, e considerando que este grupo profissional foi priorizado na primeira fase de vacinação, a importância é maior.

Charles Tocantins, do Conasems, diz que as fragilidades da rede de saúde no Norte trazem outro problema.

“No critério de pessoas com comorbidades, o ministério considerou dados da população cadastrados em sistemas, e também o histórico de campanhas de imunização anteriores. Como temos baixa cobertura assistencial, temos baixo número de pessoas com comorbidades (registradas)”, acrescenta.

“A região Norte tem grande déficits assistenciais. Temos mais unidades básicas de saúde e hospitais de pequeno porte.”

Ou seja, tendo menos acesso a médicos e hospitais gerais, há também menos diagnósticos e registros de pessoas com comorbidades.

Outro grupo priorizado na primeira fase (a partir dos 75 anos) e segunda fase da imunização (60 anos), o dos idosos, é sabidamente menos numeroso, em termos absolutos e relativos, no Norte.

Dados para o primeiro trimestre de 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram, mais uma vez de forma muito evidente, que os Estados com menor percentual de população com 60 anos ou mais estão no Norte: Roraima (8,2%), Amapá (8,8%), Amazonas (9,8%), Acre (10,4%), Rondônia (11,7%) e Pará (11,7%).

Charles Tocantins afirma que ele e colegas desconfiam que, em algumas partes do Brasil, a duplicidade de dados — por exemplo, uma mesma pessoa sendo contabilizada tanto como idosa quanto como portadora de comorbidade — pode ter rendido uma sobra de doses.

“Dessa sobra, alguns Estados podem estar usando as doses que eram para a população-alvo para a população geral. Como a região Norte perdeu percentual de vacinas nestes quesitos, ficamos para trás.”

“O Norte está muito atrás, então é o momento da gente passar o maior número de doses para essa região para fazer o equilíbrio com as demais regiões do país.”

Segundo o secretário, os membros do Conasems têm conversado sobre a proposta do ministério rastrear os municípios que estão muito defasados em percentual de população vacinada, garantir que a etapa de vacinação dos grupos prioritários seja concluída em todo o país — para que então todas as localidades cheguem de forma mais igualitária à imunização da população geral.

Ainda sobre dados, Charles Tocantins diz que “não ficou transparente” quais números de idosos, profissionais de saúde e pessoas com comorbidade por Estado o Ministério da Saúde considerou para orientar a distribuição de doses: “Se você perguntar pra qualquer secretário, municipal e estadual, até no Senado federal, isso não ficou tão claro.”

Juan Mendes Silva, vice-presidente do Conass, disse que a entidade pediu recentemente ao ministério um documento chamado de memória de cálculo referente à última remessa de doses, com dados detalhados sobre a distribuição, mas ainda não teve resposta.

No início do ano, o governador do Pará, Helder Barbalho, chegou a enviar um ofício ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, questionando os critérios na distribuição de vacinas e reclamando que o Estado foi o que recebeu menos doses em relação à população.

Em nota enviada à BBC News Brasil, o Ministério da Saúde afirmou que “a distribuição das doses de vacinas Covid-19 segue critérios técnicos de proporcionalidade do público-alvo a ser imunizado, em cada Unidade Federada (UF)” e que “todas as orientações e recomendações adotadas são pactuadas em reuniões com representantes da União, Estados e municípios”.

A pasta não respondeu ao questionamento da reportagem sobre a transparência nos dados considerados por Estado e nem ao pedido de acesso a eles.

Por outro lado, há um gargalo que alguns municípios do Norte compartilham com outras cidades de outras regiões: a suspensão das vacinações por conta de doses. Segundo apuração do jornal Folha de São Paulo, Rio Branco (AC) está entre as nove capitais no país que precisaram suspender parcialmente ou totalmente a vacinação com a primeira dose devido ao estoque reduzido.

A capital do Amapá, Macapá, também está realizando campanha para vacinar aqueles que estão com dose atrasada — alguns desde abril. Em nota, a prefeitura atribuiu o atraso à falta do insumo farmacêutico ativo (IFA), vindo da China e necessário para a fabricação da vacina Coronavac no Brasil.

Áreas remotas

Se por um lado alguns dos grupos prioritários para vacinação são relativamente menos numerosos na região Norte, outros incluídos na primeira fase da vacinação são fortemente representados ali: os indígenas vivendo em terras indígenas (em contraposição àqueles vivendo em áreas urbanas), quilombolas e ribeirinhos.

De acordo com o Censo 2010, do IBGE, a maior população vivendo em terras indígenas estava no Norte, em números absolutos: naquele ano, eram 251.891 pessoas na região, de um total de 517.383 no país. Números mais atualizados do IBGE, de 2019, mostram também que o Norte lidera com 63,4% das localidades indígenas no país, e está em terceiro lugar no número de localidades quilombolas (873) — atrás do Nordeste (3.171) e Sudeste (1.359).

Não foram encontrados dados populacionais sobre os ribeirinhos, mas a região amazônica é considerada, até mesmo na distribuição de equipes de saúde da família ribeirinhas (ESFR), um dos principais locais onde vive este povo.

Os secretários entrevistados pela BBC News Brasil dizem que a forte presença no Norte dos povos tradicionais, prioritários para vacinação, não foi suficiente para tornar o percentual de população vacinada mais próximo de outras regiões do país.

Para Alyson Bestene, secretário de Saúde do Acre, os desafios para acesso a estes locais, sobretudo as Terras Indígenas, acabou fazendo com que os governos estaduais e municipais tenham se dedicado principalmente a esta etapa inicial de vacinação — não chegando tão rapidamente quanto outros Estados a etapas seguintes.

“Na primeira fase, quando saíram os primeiros lotes da vacina, tivemos um quantitativo para os povos indígenas, mas tivemos uma grande dificuldade de ter acesso a essas comunidades. Fomos trabalhando com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) para fazer a aplicação”, diz Bestene.

“Naquele momento, aparecíamos sempre atrás, também por problemas de não conseguir registrar (as doses aplicadas).”

“Temos uma logística de entrega rápida, com muitos municípios realizando suas campanhas de vacinação de forma célere. Mas muitos têm dificuldade de acesso à internet e acabam acumulando fichas. Isso acaba gerando um lapso de registro e dificultando a comparação com outros Estados”, diz o secretário do Acre, que também destaca a desvantagem de Estados do Norte nas primeiras etapas e pede “um envio maior de doses” para a região.

Bestene menciona ainda o desafio para vacinar em locais que exigem acesso via barco ou aeronaves, algo abordado também por Jesem Orellana, epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Amazônia.

A partir da base de dados Open Data SUS, o pesquisador levantou números para a BBC News Brasil mostrando que no Acre, assim como no Amazonas, a vacinação na capital está mais avançada do que nos municípios do interior e na média do Estado (por ter uma fonte diferente do Consórcio da Imprensa, citado no início da reportagem, os percentuais para os Estados podem ser também diferentes).

“A diferença do urbano versus rural é um fator muito importante, porque você tem deslocamentos dentro do próprio Estado que podem demorar mais de dois dias de barco”, diz Orellana, doutor em epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas.

“No Acre é muito difícil, o governador deve ficar com os cabelos em pé, e também no Amazonas, Amapá e Roraima, para fazer a vacina chegar nesses municípios”, exemplifica. “Para você ter uma ideia, a segunda maior cidade do Acre é Cruzeiro do Sul. Não em estrada que conecte o ano todo, por exemplo, a capital Rio Branco a Cruzeiro do Sul e aos demais municípios do interior.”

Entretanto, seu levantamento mostrou também que no Amapá, Rondônia e Roraima, a vacinação no interior está mais avançada que a capital; já o Pará e Tocantins não tiveram dados coletados.

O pesquisador explica que Rondônia tem um perfil diferente de outros Estados da região, por ser bastante conectada por rodovias. O Amapá e Roraima também são parcialmente cobertos por rodovias — uma realidade muito diferente do interior do Acre e Amazonas, completa Orellana, o que pode explicar as diferenças de imunização entre capital e interior.

‘Se tinha 100 pessoas previstas para vacinar, menos de 30 optaram pela vacinação’
Mas o pesquisador menciona ainda outro fator que está afetando a vacinação na região, segundo relatos que tem escutado: a recusa da população em se vacinar, muitas vezes motivada por notícias falsas e desinformação acerca dos imunizantes.

“O prefeito precisa levar a vacina (para áreas remotas), convencer as pessoas e quando ele volta, muitas vezes ele volta frustrado, dizendo que a comunidade simplesmente recusou as doses, ou que se tinha 100 pessoas previstas para vacinar, menos de 30 optaram pela vacinação”, diz Orellana.

“Além de ser difícil chegar em algumas comunidades, às vezes quando (equipes de saúde) chegam, tem um pastor evangélico, alguém que ouviu o programa do rádio, o presidente falando que a pessoa pode virar um jacaré, que vai alterar o DNA delas… Não tomam. E a decisão geralmente é coletiva: eles (equipes) falam normalmente com a liderança da comunidade, e a liderança fala não.”

Conforme mostrou a BBC News Brasil em março, testemunhas relataram situações cada vez mais frequentes de recusa à vacinação por indígenas, influenciados por notícias falsas que circulam no WhatsApp.

Renata Quiles, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) no Acre, não pôde falar muito com a reportagem porque estava em meio a campanhas de vacinação em áreas remotas. Trocando mensagens com a BBC News Brasil por WhatsApp, porém, ela citou como fatores para o Estado estar entre os com menor percentual de imunizados no país “a rejeição à vacina, motivada pela escolha por laboratório”; “a disseminação de fake news”; e a “recusa à vacina por ideologia religiosa e cultural”.

A reportagem pediu também entrevistas com os secretários de saúde de Rondônia e Roraima, que apareceram entre os três Estados com menor percentual de população vacinada ao longo de junho. As assessorias de imprensa dos governos estaduais, porém, só responderam com notas.

A Superintendência Estadual de Comunicação (Secom) de Rondônia afirmou que “o envio de vacinas para o Estado de Rondônia está ocorrendo de maneira pontual, semanalmente e no território está sendo seguido criteriosamente o atendimento aos públicos elencados como prioritários”.

“No estado de Rondônia há municípios que atuam com equipes reduzidas, outras em regiões rurais, como é o caso de comunidades tradicionais, ribeirinhas e aldeias indígenas, nestes casos as fichas são preenchidas manualmente e posteriormente são informadas no sistema informatizado, portanto há atraso entre o número informado e a vacinação de fato aplicada na população de Rondônia”, completou a Secom sobre a posição do Estado na comparação nacional.

Já o governo de Roraima afirmou através da assessoria que “tem um bom diálogo com o Ministério da Saúde e isso tem proporcionado o envio de novos lotes de vacina, que, imediatamente ao serem recebidos pelo governo estadual, são repassados às prefeituras para a efetiva imunização da população.”

“A aplicação dessas doses é de total responsabilidade das 15 prefeituras municipais do Estado de Roraima. O Governo recebe as doses, distribui e armazena. A definição de calendário de aplicação e público prioritário são atribuições das prefeituras, como também a busca ativa e análise de quantidade de doses aplicadas. O Governo colabora apenas quando as prefeituras não tem condições de cumprir suas atribuições”, termina a nota.


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