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Manaus

Ministério da Saúde montou e financiou força-tarefa para disseminar cloroquina e ivermectina em UBSs

O grupo da força-tarefa envolve aproximadamente dez médicos de diferentes especialidades (infectologistas, oncologista, dermatologista) e recebeu o apelido de “Missão Manaus”.

Em meio à falta de leitos e de oxigênio para pacientes com Covid-19 em Manaus, o Ministério da Saúde do governo Jair Bolsonaro montou e financiou força-tarefa de médicos defensores do que chamam de “tratamento precoce” da Covid-19 para visitarem Unidades Básicas de Saúde (UBSs) na capital do Amazonas. As informações são da coluna Painel, do jornal Folha de S.Paulo.

Essa abordagem prega o uso de remédios incensados pelo governo federal, mas que estudos científicos dizem não ter eficácia contra o coronavírus, como cloroquina e ivermectina. Segundo alguns dos envolvidos, eles não receberam pela participação, mas tiveram diárias de hotel e alimentação pagas pelo governo federal.

O Painel enviou três e-mails sobre o tema para o Ministério da Saúde ao longo de três dias, mas não obteve qualquer resposta. Entre outras questões, a coluna perguntou sobre o critério de escolha dos médicos, o valor gasto para realizar a empreitada e se há outras similares previstas.

A força-tarefa agiu na segunda-feira (11), um dia após o governador Wilson Lima (PSC) pedir socorro ao governo federal e a outros estados devido à falta de oxigênio no Amazonas.

Nesse dia, os médicos estavam na plateia quando Eduardo Pazuello (Saúde) subiu o tom na defesa desses medicamentos e disse não existir “outra saída”. Os médicos também deram palestras em defesa do tratamento precoce da Covid-19, que cientistas dizem não existir.

Na audiência estavam membros do Ministério da Saúde, entre eles Mayra Pinheiro, secretária da pasta que assinou ofício que pressionava a Prefeitura de Manaus a distribuir essas medicações sem eficácia aos seus pacientes.

Ela é a principal ponte da pasta de Pazuello com os defensores da hidroxicloroquina e da ivermectina. Mayra foi alçada aos holofotes em 2013 ao hostilizar em aeroporto os médicos cubanos que participavam de curso do programa Mais Médicos.

Esse ofício do Ministério da Saúde, revelado pelo Painel, classificava como “inadmissível” a não-utilização de medicações como o antimalárico cloroquina e o antiparasitário ivermectina para controlar a pandemia em Manaus.

O grupo da força-tarefa envolve aproximadamente dez médicos de diferentes especialidades (infectologistas, oncologista, dermatologista) e recebeu o apelido de “Missão Manaus”.

Eles passaram em Unidades Básicas de Saúde e falaram com profissionais da área, para os quais defenderam o uso de ivermectina e hidroxicloroquina, medicamento que já foi associado à arritmia cardíaca.

O ofício do Ministério da Saúde pedia permissão à prefeitura para que esses profissionais fizessem essa ronda pelas UBSs para que fosse “difundido e adotado o tratamento precoce como forma de diminuir o número de internamentos e óbitos decorrentes da doença”.

O Painel obteve vídeo de uma dessas visitas. Nele, a médica dermatologista Helen Brandão, de Goiás, exalta o exemplo de Porto Feliz (SP), onde o prefeito, Dr. Cássio (PTB), optou por adotar o uso de hidroxicloroquina e ivermectina.

A cidade desde então virou objeto da produção de fake news diversas, como as que dizem que 100% da população tomou hidroxicloroquina e que nenhuma pessoa morreu de Covid-19 na cidade depois de tomar a medicação.

“Ivermectina. O tratamento precoce era azitromicina, hidroxicloroquina, zinco, vitamina D. Lá eles davam até enoxaparina. Até enoxaparina tinha na unidade. Fizeram um trabalho muito bonito. E corticóide, dose alta. Só de fazer isso… A cidade tem 50 mil habitantes e até agora, do começo do Covid até agora, eles têm 20 óbitos, sendo que apenas um fez tratamento precoce, os outros 19 não fizeram. E esse paciente tinha muitas comorbidades. É um case de sucesso ou não é?”, diz Brandão a profissionais da UBS.

Procurada pela Folha, Brandão não comentou a missão, sugeriu que a reportagem contactasse o Ministério da Saúde, disse que a Folha não é um jornal sério e que não deveria ousar citar seu nome.

Ela escreveu em suas redes sociais que Raphael Câmara, secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, mostrou em evento do qual participaram em Manaus que “deixar de atender o doente precocemente já virou caso de polícia e [de] punição ética aos médicos”. Procurada, a pasta não comentou a fala de Câmara.

Ela também publicou nas suas redes sociais um levantamento da quantidade de remédios que distribuíram em Manaus: 20 caixas de ivermectina com sessenta comprimidos, 40 caixas de hidroxicloroquina, 36 caixas de reuquinol (sulfato de hidroxicloroquina), 50 caixas de Clexane (anticoagulante), 63 caixas de enoxaparina (anticoagulante).

Ela também compartilhou mensagem que diz que em vez de se perguntarem sobre a falta de oxigênio para pacientes em Manaus, as pessoas deveriam questionar “quantos pacientes tiveram negado o acesso ao tratamento precoce, agravando a doença e obrigando suas internações”.

Esses médicos foram chamados a participar de evento com Eduardo Pazuello em Manaus também na segunda-feira (11). Foi nessa ocasião que o ministro disse que “não existe outra saída” para além dos remédios sem eficácia comprovada.

“Nós não estamos mais discutindo se esse profissional ou aquele concorda. Os conselhos federais e regionais já se posicionaram, são a favor do tratamento precoce, do diagnóstico clínico”, afirmou.

Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista e professor da USP, diz ao Painel que a ação terá de ser usada no futuro “para demonstrar cabalmente que o Ministério da Saúde abandonou sua tarefa de salvar vidas e passou a espalhar crenças”.

“O uso dessas medicações só se justifica pela crença. Podiam levar também os feijõezinhos do pastor Valdemiro [Santiago]. Devem fazer o mesmo efeito”, completa.

Na terça-feira (12), Bolsonaro disse que havia enviado Pazuello a Manaus porque a cidade estava “um caos” e não fazia tratamento precoce. Ele disse que teve que “interferir”.

O médico Ricardo Ariel Zimerman, do Rio Grande do Sul, foi um dos chamados a participar da chamada “Missão Manaus” e foi convidado a dar uma palestra no mesmo evento, quando defendeu o “tratamento precoce”, assim como faria ao participar da ronda pelas UBSs.

Ele não quis falar com o Painel. Ao site da Prefeitura de Manaus, disse que reforçaram “o uso precoce, principalmente nos primeiros dias de sintomas, de medicações antivirais, de preferência em combinação, com várias alternativas que podem ser escolhidas para a prescrição”.

Outro dos membros do grupo, Gustavo Pasquarelli é diretor técnico da unidade da Baixada Santista do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, do governo de São Paulo. Em suas redes sociais, ele compartilhou mensagem que diz: “ser contra Bolsonaro é um direito democrático seu. Ser contra a cloroquina é uma monstruosidade ideopata de quem acha moral politizar pandemias e capitalizar mortes”.

A secretaria de Saúde do governo João Doria (PSDB-SP) disse ao Painel, por telefone, que o Emilio Ribas não teve participação na viagem do médico, que foi custeada pelo Ministério da Saúde no período de férias do profissional.

A anestesiologista Luciana Cruz, de São Paulo, tem 50 mil seguidores nas redes sociais e é a mais conhecida do grupo de defensores do tratamento precoce.

Ela diz ao Painel que os médicos não receberam nada do Ministério da Saúde pela viagem a não ser as estadias e o valor de alimentação. Ela afirma que eles brincavam que estavam pagando para estar lá, pois deixaram seus consultórios para participarem da força-tarefa.

Cruz conta que o grupo foi pego de surpresa pelo convite e teve menos de 24h para se organizar e partir para Manaus. Nas malas, afirma, levou hidroxicloroquina e ivermectina.

“Dizer que o tratamento precoce é controverso é apenas uma narrativa. A gente já tem mais do que as evidências científicas e as experiências práticas. Para quem quiser, é muito claro. Muitos médicos nos procuram e quando têm acesso a essas informações eles ficam em choque”, afirma.

“Uma coisa era questionar o tratamento precoce no início do ano passado. Hoje em dia, não é mais questionável. Não tem mais por que ser questionável”, completa Cruz.

Ela diz ter receitado os medicamentos para sua família e para ela mesma. “Não perdi ninguém. Não acho que tenha sido coincidência todos os obesos e diabéticos que a gente tratou [não morreram]”.

“Não recebi um real para fazer o que fiz lá, que foi ir para as UBSs e expor… Eu sabia que estava indo para as UBSs e que havia suspeita de uma cepa mutante, confirmada no dia que fomos. Como confio no que eu defendo, fui com a profilaxia. Acredito no poder preventivo dessas medicações. Não sou nenhuma camicase, prezo muito pela minha vida, pela minha profissão, sou muito ética. Tomei as medicações e fui confiando nisso. Tanto a ivermectina quanto a hidroxicloroquina, fui tomando ambas as medicações”, conclui.


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