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Economia

Renda sobe 70% em três décadas, e desigualdade e pobreza caem ao menor nível, mostra pesquisa

Os avanços, sobretudo no período mais recente, refletem o aquecimento do mercado de trabalho e a expansão de programas de transferência de renda, mostra estudo do Ipea divulgado nesta terça-feira,25/11

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Apesar do progresso, os autores avaliam que são necessários novos caminhos para erradicar a concentração de renda, ainda muito presente no país.(Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo/Reprodução)

A pobreza e a desigualdade vêm caindo no longo prazo no Brasil. Nas últimas três décadas, a renda média cresceu cerca de 70%, o coeficiente de Gini — que mede a desigualdade de renda — recuou quase 18%, e a taxa de pobreza extrema baixou de 25% para menos de 5%, chegando ao seu menor patamar da História. Os avanços, sobretudo no período mais recente, refletem o aquecimento do mercado de trabalho e a expansão de programas de transferência de renda, mostra estudo do Ipea divulgado nesta terça-feira.

A pesquisa Pobreza e desigualdade no Brasil no curto e no longo prazo analisa as mudanças na distribuição de renda no país entre os anos de 1995 (logo após a instituição do Plano Real) e 2024, com base em pesquisas domiciliares do IBGE. Apesar do progresso, os autores avaliam que são necessários novos caminhos para erradicar a concentração de renda, ainda muito presente no país.

Melhora não linear

De acordo com o estudo, a melhora naqueles indicadores não foi linear. A análise mostra que a redução da pobreza e da desigualdade, assim como o aumento na renda, tem relação com acontecimentos políticos e econômicos da História do país, concentrando-se entre os anos de 2003 e 2014 e no mais recente período entre 2021 e 2024, no pós-pandemia de Covid-19. Com isso, o país chegou ao ano passado com o melhor cenário já visto em todas as três métricas.

Se entre 1995 e 2003 a renda se manteve praticamente estável, a partir de então o país viveu 11 anos de aumentos consecutivos no rendimento domiciliar per capita real, ajustado pela inflação. Com isso, os ganhos médios acumularam alta de 58% nesse período, até alcançar R$ 1.800 em 2014.

O aumento da renda nesse período também reflete o bom momento da economia internacional. Os anos entre 2000 e 2014 são marcados pelo boom das commodities, quando a demanda global por produtos agrícolas e minérios, especialmente da China, fez as exportações brasileiras crescerem. Isso impulsionou a economia brasileira, ajudando a reduzir o nível de desemprego.

No entanto, a partir de 2014, o cenário começou a mudar. O país entrou em recessão, que durou até 2016, e foi suficiente para fazer com que a renda caísse 4,5%, de forma que esta não conseguiu se recuperar até a pandemia, que trouxe novas perdas, até o índice atingir seu menor patamar em uma década em 2021.

Expansão dos benefícios sociais

A expansão dos benefícios sociais durante a pandemia acabou revertendo essa situação. Entre 2021 e 2024, o poder de compra médio da população brasileira acumulou alta de 25%, chegando ao maior valor da História até então (R$ 2.015 por pessoa), em um ritmo de evolução que chegou a ultrapassar o do PIB per capita.

O movimento da desigualdade foi parecido com o da renda ao longo desses 30 anos. Uma das metodologias usadas pelo estudo para medir esse indicador foi o coeficiente de Gini, que varia entre zero e 100, sendo zero quando a renda de toda a população é igual e 100 quando toda a renda se concentra em uma parcela ínfima da população.

E as variações desse indicador também acompanharam as mudanças no cenário econômico e político: houve estagnação da desigualdade a partir de 1995, redução mais acelerada nos anos 2000, seguida de uma reversão durante a recessão, que se iniciou em 2015, e se intensificou durante a pandemia de Covid-19. A partir de 2021, no entanto, há novamente um período de melhora.

O momento de crescimento econômico, com maior empregabilidade e renda reduzindo as desigualdades, resultou em um avanço significativo no combate à pobreza, que em 2024 chegou ao menor nível já registrado.

A pesquisa define extrema pobreza como viver com até US$ 3 por dia (cerca de R$ 267 mensais por pessoa) e pobreza como viver com até US$ 8,30 por dia (cerca de R$ 738 mensais por pessoa), de acordo com linhas de pobreza calculadas pelo Banco Mundial e usadas em comparações internacionais.

Se em meados dos anos 1990, cerca de 25% da população viviam em extrema pobreza e mais de 60% eram considerados pobres, no ano passado, esses números haviam caído para 4,8% da população vivendo com menos de R$ 267 mensais per capita e 26,8% com menos de R$ 738 mensais per capita.

No entanto, o estudo traz a ressalva de que as pesquisas domiciliares, embora sejam as fontes mais completas para acompanhar a distribuição de renda ao longo do tempo, apresentam limitações, pois tendem a subestimar tanto os valores pagos por benefícios assistenciais quanto os rendimentos dos mais ricos.

Efeitos do mercado de trabalho e programas sociais

O estudo do Ipea também analisou de onde vieram as contribuições para a maior renda e as quedas na desigualdade e na pobreza. Os dados concluem que esses avanços foram impulsionados sobretudo pela expansão dos programas de transferência durante e após a pandemia, e pelo aquecimento do mercado de trabalho a partir de 2023.

Entre 2019 e 2024, os valores pagos pelo Bolsa Família e pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) aumentaram 135% em termos reais, fazendo com que o gasto total desses programas subisse de 1,2% para 2,3% do PIB, número superado apenas pelos gastos excepcionais com Auxílio Emergencial, em resposta à pandemia, em 2020. Esse reforço ajudou a produzir, em 2023 e 2024, a maior queda de desigualdade e de extrema pobreza desde o início da série histórica.

— Além do aumento de valor transferido por família beneficiária, os programas de transferência tiveram, a partir da pandemia, um aumento da cobertura, com adicionais voltados aos filhos menores de idade, o que melhorou também a focalização. Então, foram entregues a mais pessoas e deram a cada uma delas um valor bem maior do que antes. Isso foi um efeito, primeiro, do Auxílio Emergencial, e, por fim, do novo Bolsa Família, que consolida um novo patamar mais alto de transferência — explica Marcos Hecksher, um dos autores do estudo.

A expansão dos benefícios também elevou seu efeito sobre o coeficiente de Gini, que praticamente dobrou desde a década passada. A desigualdade caiu de forma contínua desde 2021, atingindo seu menor nível já registrado, enquanto a extrema pobreza também recuou fortemente, chegando ao piso histórico em 2024.

A recuperação do mercado de trabalho após a pandemia reforçou esse movimento. Entre 2021 e 2024, 49% da redução no Gini e 48% da queda na extrema pobreza são atribuídos ao avanço da renda do trabalho. As transferências assistenciais responderam por proporções semelhantes, chegando a 44% em ambos os casos, o que mostra que os dois fatores foram decisivos. Entre 2023 e 2024, a renda do trabalho ganhou ainda mais peso, respondendo por quase três quartos da queda da extrema pobreza.

Reduzir desigualdades e aumentar produtividade

O estudo evidencia ainda que a redistribuição de renda teve um papel importante no combate à pobreza nos últimos anos.

— Esse efeito de redistribuição vem, por um lado, do fato de que as rendas do trabalho dos mais pobres estão crescendo mais do que as rendas do trabalho dos mais ricos. Isso tem a ver também com fatores como reajuste do salário mínimo, mas também com inclusão produtiva dos mais pobres, que recebem menos do que o piso. Por outro lado, as políticas sociais, com o aumento de tamanho e uma melhora de focalização, também contribuem para esse cenário — destaca Hecksher.

Com uma desaceleração dos gastos com transferências e um desemprego em mínimas históricas, sem muito mais espaço para quedas, surge a necessidade de pensar em novas medidas para o combate às desigualdades, ainda muito presentes no Brasil, como conclui o pesquisador:

— Estamos em um momento que é o melhor da série histórica, só que se chegou num ponto em que se torna difícil continuar melhorando pelos mesmos meios. Então, ficamos cada vez mais dependentes de aumentos da renda média do trabalho que venham sustentados por aumento de produtividade para evitar reversões e novas quedas nesta principal fonte de renta.

Reforma na tributação sobre a renda

Mas Hecksher acredita que alguns fatores podem ajudar a reduzir as desigualdades no curto prazo. Um deles é a reforma no Imposto de Renda.

— Toda a redução de desigualdade feita até então foi muito baseada em políticas voltadas para uma concentração maior do gasto público nos mais pobres. Isso foi o que guiou a melhora da distribuição de renda. Mas ainda não havia a contribuição de uma tributação mais progressiva, a gente não tinha usado esse instrumento de tributar uma proporção maior da renda dos mais ricos, de forma mais justa. E isso pode começar a ter algum efeito no ano que vem, quando entrar em vigor.

Ele menciona ainda a política monetária, considerando que a redução da taxa básica de juros, a Selic, pode contribuir tanto para a redução da desigualdade quanto para o crescimento econômico.

— A gente tem no Brasil uma taxa de juros muito alta. Há uma expectativa de que em algum momento essa taxa de juros volte a ser reduzida e, se isso ocorrer, ajuda a reduzir a desigualdade e a acelerar o crescimento, duas coisas que contribuem para reduzir a pobreza.


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