Brasil
TRF-4 condena Bolsonaro a pagar R$ 1 milhão por racismo recreativo
Bolsonaro é acusado de fazer manifestações públicas de juízo depreciativo sobre cidadão negro ao comparar cabelo com criatório de “baratas”.

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a pagar R$ 1 milhão em indenização por danos morais coletivos por racismo recreativo, nesta terça-feira (16/9).
Bolsonaro é acusado de fazer manifestações públicas de juízo depreciativo sobre cidadão negro, nos arredores do Palácio da Alvorada e, também, na “live do Presidente”, transmitida em rede social.
Ao se dirigir a um apoiador negro, que tem cabelo black power, Bolsonaro fez os seguintes comentários:
“Criatório de baratas”;
“Olha o criador de baratas. Como tá essa criação de baratas?”
“Você não pode tomar ivermectina, vai matar todos os seus piolhos”;
“Tô vendo uma barata aqui”.
O relator da apelação cível, desembargador federal Rogério Favreto, votou pela condenação de Bolsonaro ao pagamento de R$ 1 milhão. O mesmo valor foi fixado no voto de Favreto para a condenação da União.
Favreto que “comportamentos e manifestações aparentemente desprovidos de intenções muitas vezes potencializam a estigmatização e determinados indivíduos por determinadas características sob falso argumento de brincadeira e fala jocosa”.
“A ofensa racial disfarçada de manifestação jocosa, ou de simples brincadeira, que relaciona o cabelo black power a insetos que causam repulsa – no caso aqui, as baratas – e à sujeira, atinge a honra e dignidade das pessoas negras e potencializa o estigma de inferioridade dessa população. Trata-se de comportamento que tem origem na escravidão, perpetuando processo de desumanização das pessoas escravizadas, posto em prática para justificar a coisificação de seres humanos e comercialização como mercadoria”, declarou o desembargador federal.
Segundo Favreto, as declarações de Bolsonaro devem ser tipificadas como “ato de racismo recreativo, que procura promover a reprodução de relações assimétricas entre grupos raciais por meio de política cultural baseada na utilização de humor como expressão de hostilidade racial”.
O desembargador federal Roger Raupp Rios enfatizou que “não se podem menosprezar os efeitos de violência simbólica que falas usuais e reiteradas, com intenso conteúdo racialmente ofensivo, tem, quando proferidas por um agente público que detém a representação formal da República”.
Os magistrados entenderam que o fato de o apoiador de Bolsonaro minimizar os comentários e defender o ex-presidente não reduz o dano moral coletivo.
“Fica demonstrada a ofensa metaindividual, dado os efeitos muito além da pessoa a quem se dirigia à sua frente. A gravidade da ofensa é inequívoca. Reproduzem-se ofensas raciais em sociedade historicamente marcada pelo racismo, cujos contornos estruturais persistem. E, mais graves ainda, por atos praticados por alguém que se valia da condição de mandatário maior na organização estatal”, declarou Raupp Rios.
O que dizem as partes
A procuradora regional da República Carmem Elisa Hessel defendeu a reforma da sentença e condenação de Bolsonaro, por racismo, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.
Segundo a representante do Ministério Público Federal (MPF), “as declarações do réu, no caso, reforçam ideias preconceituosas e estigmatizantes sobre os cabelos das pessoas negras, com propósito de desqualificar a identidade e práticas culturais da população negra”.
“Esse discurso, vindo do então representante máximo do governo brasileiro, contribui para o aumento do preconceito ao reforçar estereótipos negativos. A população negra, como ente coletivo, é titular do direito à proteção antidiscriminatória, reconhecido constitucionalmente”, declarou a procuradora.
Veja o que pede o MPF no processo:
Condenação da União à obrigação de fazer, consistente na realização de campanha publicitária de combate ao racismo, de âmbito nacional, com duração mínima de um ano, com valor não inferior a R$ 10 milhões, utilizando recursos orçamentários destinados à publicidade e propaganda oficial;
Condenação de ambos os réus ao pagamento de uma indenização por danos morais coletivos no valor mínimo de R$ 5 milhões.
O MPF também apontou “discriminação institucional indireta exercida pela União, representada pela figura da Presidência, em afronta aos princípios democráticos e enfraquecimento do princípio da igualdade”. Por isso, o órgão pediu a condenação da União.
A advogada de Bolsonaro, Karina Kufa, disse que “a manifestação do recorrido nunca poderia ser vista como pretensão de ofensa racial por se cuidar de comentário, ainda que jocoso, relacionado a uma característica específica do seu interlocutor”. “Nada se abordou sobre qualquer aspecto que não o inequívoco comprimento do cabelo, pouco importando se o corte é black power ou não. Em nenhum momento da fala do réu, foi dito isso em relação ao formato do cabelo, mas, sim, ao comprimento”, declarou.
Decisão de 1ª instância
O TRF-4 julgou apelação cível contra sentença da juíza federal substituta Ana Maria Wickert Theisen, de fevereiro de 2023, que negou pedido para condenar Bolsonaro ao pagamento de R$ 5 milhões em danos morais coletivos.
Ao absolver Bolsonaro, a magistrada argumentou que “o dano moral coletivo não significa a somatória dos danos individuais dos integrantes da raça (supostamente) atingida pelas falas, porque constitui uma nova modalidade de dano, o qual tem por objeto a violação de um direito da coletividade considerada em si mesma vítima de uma ação danosa do ofensor”.
O apoiador de Bolsonaro alvo dos comentários que comparam o cabelo black power a criatório de baratas é o mineiro Maicon Sulivan. Autointitulado como “Black Power do Bolsonaro”, o jovem se classifica como armamentista e “antimimimi”.
Maicon já saiu em defesa de Bolsonaro, declarando que “o presidente tem essa intimidade para brincar”. “Dizer que eu não sou um negro vitimista e que tudo que eu conquistei foi fruto de trabalho e meritocracia. Nada me difere de uma pessoa branca, como eles querem separar”, declarou.
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