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Brasil

Bioeconomia poderia criar 833 mil empregos e atingir R$38,6 bilhões na Amazônia até 2050, diz estudo

Setor já movimenta R$12 bilhões na região e poderia ser impulsionado pelos anúncios de novos fundos e recursos para financiamento climático.

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Diante da escalada de anúncios de novos fundos e recursos para financiamento climático, a bioeconomia começa a fazer as contas de quanto se beneficiará, com reflexos na renda necessária para manter árvores em pé. Segundo dados do Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio), uma pequena fatia do capital internacional para o clima tem sido destinada a florestas no Brasil, 2% entre 2021 e 2022. O espaço de crescimento e oportunidades no setor é expressivo, sabendo-se que as Soluções baseadas na Natureza (SbN) podem representar cerca de 30% da mitigação de carbono.

No mundo, o financiamento climático envolvendo todos os segmentos atingiu US$ 1,9 trilhão em 2023, com necessidade de chegar a US$ 6,3 trilhões ao ano até 2030 — US$ 1,2 trilhão para agricultura, florestas e outros usos da terra.

— Há desafios para promover a bioeconomia baseada em produtos da sociobiodiversidade no Brasil. O setor está aquém do potencial de finanças e seu papel precisa de mais reconhecimento na agenda climática — diz Joana Chiavari, diretora de pesquisa do CPI/PUC-Rio.

O crédito rural é a principal fonte de recursos repassados a insumos da biodiversidade, e equivale a 99% do financiamento ao setor, conforme 31 produtos analisados.

— Apesar da relevância, o investimento por meio desse mecanismo é bem menor em relação a produtos do agronegócio, como a soja, que recebe R$ 84,4 bilhões ao ano — diz Chiavari.

Bioprodutos da floresta tiveram 2% do crédito rural canalizados para soja entre 2021 e 2023. Projeta-se maior aporte em setores hoje subfinanciados, com potencial de valorização dos produtos, aumento da renda e ganhos climáticos. Estudo do WRI Brasil revela que a bioeconomia gera um PIB de R$ 12 bilhões na Amazônia e, com investimentos adicionais, pode atingir R$ 38,6 bilhões em 2050, criando 833 mil empregos que substituiriam outros hoje ligados à destruição da floresta. São necessários R$ 659 bilhões no uso estratégico do solo.

Segundo Carina Pimenta, secretária nacional de bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente (MMA), “o desafio não deixa ninguém confortável, envolve mudanças culturais e incomoda agentes financeiros que não estão adequados”.

— Cabe ao setor público achar instrumentos para impulso em parceria com o setor privado e a sociedade.

A Cúpula do G20 no Brasil reconheceu a existência de uma economia emergente da floresta, a ser inserida no sistema financeiro global.

— Chegou a hora da bioeconomia — aponta Pimenta, ao lembrar que a estratégia consta no Plano de Transformação Ecológica do governo federal. — É uma agenda de desenvolvimento que transcende cenários de polarização política — completa.

Com o Plano Nacional de Bioeconomia em fase final de construção, a expectativa é de estímulo a novos mecanismos, como o Eco Invest. O instrumento do Tesouro Nacional se destina a impulsionar aportes privados sustentáveis e atrair capital externo para projetos de longo prazo, oferecendo proteção contra a volatilidade do câmbio. Neste ano, o modelo deverá contemplar a bioeconomia amazônica pela primeira vez de forma mais direcionada.

— A lógica é reduzir riscos para recursos onde a bioeconomia mais precisa neste momento, abrindo espaço para o capital privado — afirma Pimenta.

As atenções se voltam à construção de uma vitrine de projetos aptos a grandes investidores na Plataforma BIP, focada na descarbonização da economia, sob gestão do BNDES. Em paralelo, o Fundo Verde do Clima, hoje com US$ 66,6 bilhões em projetos no mundo, definirá valores ao Brasil.

Cooperação

Os países amazônicos têm US$ 600 milhões anunciados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e US$ 370 milhões de outros organismos, segundo a Latimpacto.

— Há muitos anúncios, mas pouca efetividade. Não temos onde colocar grandes recursos para além da filantropia — aponta Salo Coslovsky, professor da Universidade de Nova York e pesquisador da iniciativa Amazônia 2030. — Precisamos de pragmatismo na bioeconomia, por meio de geração de renda concorrente com a soja, o gado e o garimpo.

Analistas defendem uma maior cooperação entre políticas públicas e setor privado para encurtar caminhos.

— O Brasil tem o desafio de amortecer riscos para a chegada do capital comercial — observa Renato Ramalho, CEO da KPTL, com meta de atingir R$ 200 milhões de investimentos na bioeconomia em três anos.

A gestora é parceira do BID na alocação de US$ 50 milhões para até 20 empresas de bioinovação nos países amazônicos.

— Está mais fácil falar de bioeconomia como business, mas precisamos avançar no arcabouço regulatório e jurídico — adverte Ramalho, à frente do Bioeconomy Amazon Summit (BAS), realizado em Manaus, em agosto, com presença de 150 startups que demandam investimentos.

Estudo da KPTL mostra a existência de mais de 1,5 mil negócios de florestas e clima, 6% investidos por fundos de venture capital. Há, porém, carências no ambiente de inovação e dificuldades de alocar capital em negócios com potencial de retorno.

Para Rodrigo Favetta, diretor financeiro do Pacto Global da ONU — Rede Brasil, com 2,2 mil empresas signatárias no país, “o alvo não é só conservação, mas oportunidade de desenvolvimento econômico”.

— Decisões no eixo Faria Lima-Leblon estão distantes das realidades amazônicas por falta de conhecimento. É preciso senso de urgência, porque convivemos com impactos climáticos enquanto construímos uma nova economia — afirma Favetta.

Na análise de Juliana Lopes, diretora de natureza e sociedade do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), maior segurança jurídica e menor percepção de risco são chaves na aposta.

— A bioeconomia é tema de grande convergência em resposta às crises globais do clima, biodiversidade e desigualdade social.

Estudo do Landscape Accelerator Brazil, apoiado pelo Cebds, estima que investimentos no uso sustentável da terra podem injetar até US$ 28 bilhões anualmente ao PIB do Brasil. No Pará, investimentos em R$ 116 bilhões até 2040 em práticas agrícolas regenerativas e cadeias da sociobioeconomia têm potencial de aumentar a renda para 40 mil produtores e reduzir 34 milhões de toneladas de carbono.

Grandes agentes de fomento se movimentam para flexibilizar exigências e destravar recursos, a exemplo do Banco da Amazônia (Basa), com novo sistema de garantias. No Banco do Brasil (BB), segundo Gabriel Santamaria, gerente geral de ASG, “a ideia é romper com o modelo tradicional de crédito rural, fornecendo junto assistência técnica, inclusão social e articulação territorial”.

Hubs financeiros criados em Belém e Manaus mapeiam estruturas produtivas e conectam comunidades aos recursos, com entendimento das realidades locais, e 50 agentes em incursões de campo. O BB tem saldo de R$ 2 bilhões para financiamento do setor, 43% maior em relação a 12 meses atrás, envolvendo 40 cadeias produtivas. A meta é alcançar R$ 5 bilhões em carteira até 2030, a partir de parcerias junto a instituições multilaterais, como BID, Banco Mundial e o alemão KFW.

Os principais entraves não estão na falta de crédito, mas na qualidade técnica dos projetos e no ticket de acesso a investimentos. Questões fundiárias, técnicas, logísticas e regulatórias completam o quadro de riscos.

Com lucro líquido anual de R$ 34 milhões no Brasil e vendas externas de US$ 70 milhões em carbono, a Future Climate tem 6,5 milhões de hectares sob gestão em parceria com o Estado do Amazonas. Isso representa um fluxo potencial de US$ 800 milhões para financiar a proteção da floresta e a sociobioeconomia, em 40 anos.

— A saída para suportar estratégias de longo prazo está no capital privado, com fundos, bancos e empresas — afirma o CEO da Future Climate, Fábio Galindo.


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