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Brasil

Um em cada oito brasileiros com ensino superior completo é analfabeto funcional, aponta pesquisa

No cenário geral, 29% dos brasileiros de 15 a 64 anos não aprenderam o básico de leitura e da escrita.

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Entre 2018 e 2024, o combate ao analfabetismo funcional não avançou no Brasil. A nova edição do Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) apontou que 29% dos brasileiros de 15 a 64 anos não aprenderam o básico de leitura e da escrita — mesmo percentual registrado seis anos antes, o último com informações da série histórica. No caso daqueles que completaram o ensino superior, a taxa de analfabetismo funcional é de 12%. Especialistas apontam que crise na Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade para quem não completou a educação básica, e baixa aprendizagem na idade adequada constroem esse cenário.

É considerado analfabeto funcional alguém que não consegue fazer tarefas bastante simples que envolvem a leitura de palavras, de pequenas frases e de números familiares como o do telefone, da casa e de preços. O estudo avaliou 2.554 pessoas entre 15 e 64 anos com simulações de situações do cotidiano, entre dezembro e fevereiro. A margem de erro estimada varia de dois a três pontos percentuais, a depender da faixa etária.

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De acordo com o Inaf, os alfabetizados em nível elementar, que possuem capacidades básicas de escrita e leitura e conseguem resolver questões matemáticas simples, formam o maior grupo entre os brasileiros, com 36%. Pessoas com alfabetismo consolidado (que têm ao menos a capacidade de selecionar múltiplas informações em textos e compreender tabelas) são 35% da população. No segmento empregado, o levantamento aponta que 27% dos trabalhadores são analfabetos funcionais, 34% atingem o nível elementar e 40% têm níveis consolidados de alfabetismo.

Menos matrículas

Para o coordenador da área de educação da Ação Educativa, Roberto Catelli, a queda do número de matrículas na Educação de Jovens e Adultos (EJA) contribuiu para a estagnação. Em 2024, a EJA registrou o menor número de alunos da história, segundo o Censo Escolar.

— Se a gente tem uma política pública que reforça a educação de jovens e adultos e que abre as portas em condições adequadas para que jovens e adultos possam ampliar sua escolaridade, com certeza, isso vai ter impacto positivo sobre o nível de alfabetismo — afirmou.

O ano passado foi o oitavo seguido com queda do número de matrículas da EJA. A partir de 2017, o investimento do Ministério da Educação na modalidade começou a cair consistentemente. Em 2021, o segundo ano da pandemia, o governo Jair Bolsonaro empenhou apenas R$ 6 milhões para alunos jovens e adultos, o menor nível neste século, segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).

O Inaf ainda registrou aumento do número de analfabetos funcionais entre brasileiros mais jovens, de 15 a 29 anos, que foi de 14% para 16%. Presidente da Fundação Itaú, Eduardo Saron considera que a piora dos dados representa o desperdício do maior ativo que um país pode ter.

— Estamos falhando na missão mais básica da escola: garantir as condições fundamentais para que os jovens leiam, compreendam e transformem a si próprios e ao mundo à sua volta — afirma. — Estamos matando algo precioso: a esperança e a dignidade dos nossos jovens.

Na avaliação da superintendente de Conhecimento da Fundação Roberto Marinho, Rosalina Soares, apesar de mais brasileiros estarem na escola, a qualidade da aprendizagem não acompanhou esse avanço.

— Os dados do Saeb mostram que, ao final do ensino médio, a maioria dos estudantes não atingiu o nível adequado em Língua Portuguesa e em Matemática. Isso indica que muitos concluem etapas da educação básica sem as competências necessárias para o exercício da cidadania, o mundo do trabalho e a vida em sociedade — alerta.

Analfabetismo digital

O levantamento também mediu o analfabetismo no contexto digital. De acordo com o indicador, 95% dos analfabetos só conseguem fazer um número limitado de tarefas neste ambiente, e 40% dos alfabetizados proficientes (nível mais alto da escala) mostraram médio ou baixo desempenho em tarefas digitais.
No recorte por escolaridade, o estudo aponta que, no nível mais baixo de resultados, além de 96% dos que nunca frequentaram a escola, estão 15% dos que alcançaram o Ensino Médio e 9% dos que chegaram ao ensino superior. Na divisão econômica, 21% das pessoas com mais alto desempenho nas atividades digitais têm, em média, uma renda familiar superior a cinco salários mínimos, proporção que cai para 10% no grupo com desempenho mediano e de 3% no grupo de baixo desempenho.

Na pesquisa do Inaf, os entrevistados tiveram encontros presenciais mediados por aplicador, fizeram um teste com questões que refletem situações do cotidiano com diferentes graus de dificuldade, e responderam a um questionário para caracterização sociodemográfica, econômica, cultural e educacional.

Para avaliar a habilidade no mundo digital, foram propostas três tarefas. Na primeira, o entrevistado deveria comprar um par de tênis a partir de um anúncio em uma rede social. A segunda simulava uma conversa em aplicativo de mensagens. E a terceira era criar uma conta e preencher um formulário online.

O trabalho foi coordenado pela organização Ação Educativa e a consultoria Conhecimento Social, e é uma correalização da Fundação Itaú, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco, Unesco e Unicef.

O Ministério da Educação anunciou em junho uma nova política de fomento para a criação de vagas nas redes estaduais e municipais, o Pacto EJA. Foram R$ 120 milhões empenhados com a modalidade em 2024. Foi a primeira vez que o investimento anual na área passou de R$ 100 milhões desde 2017.

A meta é criar 3,3 milhões de matrículas. Duas marcas das primeiras gestões Lula foram resgatadas: o Brasil Alfabetizado, extinto em 2016 e voltado a pessoas com mais de 15 anos com flexibilidade dos locais de funcionamento e horários das aulas, e o Projovem, encerrado em 2014, que paga uma bolsa de R$ 100 para jovens de 18 a 29 anos que saibam ler e escrever, mas não concluíram o ensino fundamental.


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