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Aeronáutica esconde da PF dados de voos do crime organizado na Amazônia, diz site

A Aeronáutica admite que não compartilha informações com outras instituições, como a Polícia Federal e o MPF (Ministério Público Federal).

A FAB (Força Aérea Brasileira) revelou em documento obtido pelo site UOL que cataloga em um banco de dados os voos ilegais que cruzam fronteiras na região da Amazônia. A Aeronáutica admite, contudo, que não compartilha essas informações com outras instituições, como a Polícia Federal e o MPF (Ministério Público Federal), responsáveis por investigar o crime organizado.

O que aconteceu

Fontes da PF e da procuradoria relataram ao UOL que a FAB ignorou pedidos de compartilhamento de dados sobre voos ilegais na Amazônia nos últimos meses. As informações seriam usadas em apoio a investigações e operações, entre elas, a ocorrida em terras yanomamis assoladas por garimpos ilegais.

O que são voos ilegais. Trata-se de aeronaves sem planos de voo ou que viajam à revelia deles, o chamado TAD (tráfego aéreo desconhecido).

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Esses voos servem a crimes ambientais, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, segundo relataram policiais e procuradores ao UOL. Para eles, o veto ao acesso a informações fragiliza o combate a atividades criminosas.

Segundo a FAB, os voos ilegais são catalogados e monitorados exclusivamente para “uso interno” em apoio a “atividades de inteligência e ações de policiamento do espaço aéreo, que podem ocorrer em operações conjuntas e interagências”.

A Aeronáutica revelou à CGU (Controladoria Geral da União) a existência do banco de dados e a falta de compartilhamento após reiterados pedidos de informação feitos pelo UOL sobre o controle do espaço aéreo. Para recusar as solicitações da reportagem, a FAB alegou risco à “segurança nacional” e evocou um decreto da ditadura militar para manter o sigilo.

Decreto e plano de inteligência preveem cooperação

Investigadores ouvidos pelo UOL se surpreenderam com a existência do banco de dados de tráfego aéreo desconhecido. Entre eles, está o procurador da República Alexandre Aparizzi, que lida há anos com a Aeronáutica no controle da criminalidade fronteiriça.

“Caso essas informações façam parte de algum cadastro, alegar sigilo não é algo viável, sob pena de pedido [judicial] de busca [e apreensão]” , diz Alexandre Aparizzi, procurador da República em Ponta Porã (MS)

Até mesmo a Diretoria de Amazônia da PF não tem acesso.

“A gente não tem recebido dados sobre esses voos clandestinos que porventura tenham sido identificados pela Força Aérea. Temos apresentado essas solicitações [à FAB] e esperamos ter para contribuir com esse controle”, afirmou o diretor da área, Humberto Freire.

Segundo o presidente da Inasis (Associação Internacional para Estudos de Segurança e Inteligência), Denilson Feitoza, as informações sobre os voos ilegais não são dados de inteligência, mas têm potencial para ser. Ele também questiona a falta de compartilhamento da FAB com outros órgãos.

“Por que dados tão valiosos não são transformados em conhecimento de inteligência para outros órgãos? A FAB deveria ter essa responsabilidade maior nesse compartilhamento”, questiona Denilson Feitoza, presidente da Inasis

A FAB, juntamente com a PF e o MPF, integram o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), coordenado pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência). O Plano Nacional de Inteligência —que rege as diretrizes do Sisbin— prevê o compartilhamento de dados com as autoridades constituídas.

O documento cita a importância de aprofundar a cooperação entre órgãos de inteligência e repressão para combater o crime organizado.

“A atuação cada vez mais integrada nas vertentes preventiva (Inteligência) e reativa (Policial) mostra ser a forma mais efetiva de enfrentar esse fenômeno, inclusive no que diz respeito a subsidiar os procedimentos de identificação e interrupção dos fluxos financeiros que lhe dão sustentação”, informa o trecho do Plano Nacional de Inteligência.

Além disso, o decreto 11.693, publicado neste ano, reforça que compete a integrantes do Sisbin “compartilhar dados, informações e conhecimentos”.

Voo ilegal na fronteira é sinônimo de crime?

Para a FAB, nem sempre. Já a PF e o MPF são unânimes em dizer que sempre são atividades criminosas.

Investigadores ouvidos pelo UOL relatam o uso de aeronaves na região amazônica para mais de um crime ao mesmo tempo, como tráfico de drogas, crimes ambientais e lavagem de dinheiro. Segundo o diretor de Amazônia da PF, Humberto Freire, há muito mais do que simples imigração irregular.

“Aeronaves [sem plano de voo] servem ao narco garimpo com verdadeiras gambiarras, [como] pousar em pistas abertas abaixo de copas de árvores. É uma atividade que nós entendemos que não seja para fazer turismo, mas para praticar crimes na floresta”, informa Humberto Freire, diretor de Amazônia da PF

Uma operação recente da PF indica, por exemplo, como os voos ilegais servem a todo tipo de crime. Em agosto, pilotos e mecânicos de aviões foram presos em cinco estados por suspeita de integrar o núcleo logístico de uma organização criminosa na Amazônia.

“A estrutura de aeronaves e logística utilizada pelo garimpo ilegal seria compartilhada para a prática de outros crimes, inclusive o tráfico de drogas”, disse a PF. “Vários investigados já possuem passagens por este e outros crimes, como integrar facções criminosas”, relatou a corporação, em nota.

Milhares de garimpeiros brasileiros cruzaram a fronteira de Roraima com a Venezuela para fazer garimpo ilegal em terras indígenas do país vizinho, mostrou o UOL no ano passado. Grande parte viajava em aviões sem plano de voo, geralmente em altitudes baixas, para tentar escapar dos radares.

Um investigador relatou à reportagem que teve sucessivos pedidos de informações sobre voos ilegais na terra yanomami ignorados pela Aeronáutica neste ano, quando uma crise humanitária assolou a região.

Para o procurador Alexandre Aparizzi, a ação da FAB nas fronteiras é “muito frágil”. “A falta de controle é absurda”, afirmou ele, que trabalhou na fronteira do Amazonas com a Colômbia e agora atua na divisa do MS com o Paraguai.

Questionada, a FAB rebate. Segundo a Aeronáutica, radares de solo na Amazônia e aviões-radares tornam o “Sisdabra [Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro] eficiente e adequado às demandas do país”.

“Tal fato fica evidente pelas diversas interceptações de aeronaves feitas em conjunto com outros órgãos de segurança, que resultaram em consideráveis apreensões de drogas ilícitas”, diz a FAB, em nota

O UOL perguntou à FAB o critério para decidir agir imediatamente diante de um avião sem plano de voo ou guardar a informação para agir posteriormente. Não houve resposta.


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