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Economia

Relatório da Reforma Tributária atrapalha taxação do mercado de carbono, dizem especialistas

O documento, porém, limita a alíquota atribuída aos setores em 1% do valor de mercado do produto, o que frustra parte do entusiasmo de analistas ambientais de considerar o tributo um embrião da taxação de carbono no país.

O relatório da Reforma Tributária apresentado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) nesta quarta-feira (25) coloca na mira do Imposto Seletivo atividades extrativas, como mineração e exploração de petróleo.

O documento, porém, limita a alíquota atribuída aos setores em 1% do valor de mercado do produto, o que frustra parte do entusiasmo de analistas ambientais de considerar o tributo um embrião da taxação de carbono no país.

“A proposta de incluir atividades extrativas poderia ser positiva, não tivesse incluído esse teto. Esta alíquota gera efeito contrário ao objetivo do Imposto Seletivo, pois sua aplicação torna-se absolutamente inócua em termos de impacto regulatório”, diz Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de economia de baixo carbono do ICS (Instituto Clima e Sociedade).

A preocupação nesse caso é porque uma eventual taxação de emissões de carbono sobre a mineração ou exploração de petróleo poderia exceder o valor de 1% do valor de mercado do produto. Portanto, o tributo não seria aplicado na íntegra, e seu efeito principal de forçar as empresas a diminuírem suas emissões de carbono não seria atingido.

A mineração e a queima de combustíveis fósseis estão entre as atividades que mais emitem CO2 no Brasil.

“Esse é o trecho mais danoso do texto e precisa ser removido”, diz Tatiana Falcão, consultora em tributação ambiental.

Considerando que sete barris de óleo cru emitem uma tonelada de carbono, ela estima que o teto estipulado pelo relatório limita o preço da tonelada de carbono em cerca US$ 3 (RS 15). Em comparação, a França cobra 45 euros (R$ 238) por tonelada de carbono.

“Esse valor não vai dar um incentivo suficiente para as pessoas trocarem seus carros por veículos movidos por combustíveis menos poluentes”, afirma Falcão.

O presidente do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), Roberto Ardenghy, por sua vez, afirmou que a medida prevista no relatório preocupa. Segundo ele, a tributação extra deverá ter impacto nos preços.

Por outro lado, Braga retirou da PEC (proposta de emenda à Constituição) o trecho que previa que aqueles setores com alíquotas do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) reduzidas não poderiam ser alvo do Imposto Seletivo —nove, no total.

Entre eles, estava a produção de alimentos destinados ao consumo humano, o que abarca o agronegócio, setor que mais emite gases do efeito estufa no Brasil e que está fora das atuais discussões sobre a criação de um mercado de carbono no país.

Mas o senador estipulou que o imposto não incidirá sobre as exportações —o que pode incluir novamente a maior parte do agro na lista de exceções. Ficam de fora também as operações com energia elétrica e com telecomunicações.

Armas e munições poderão ser taxadas desde que não sejam destinadas à administração pública.

As exclusões vão na contramão de várias emendas parlamentares. Levantamento do movimento Pra Ser Justo aponta que, até o dia 4 de outubro, os senadores apresentaram 31 emendas à Reforma Tributária tratando do Imposto Seletivo. Dessas, 11 tentavam incluir mais setores na lista de exceções.

A preocupação inicial dos analistas era de que a expansão da lista de exceções poderia afetar uma eventual taxação de carbono, ainda que os detalhes dessa tributação fiquem para o processo de regulamentação —fase posterior à aprovação da PEC no Congresso.

O relatório de Braga estabelece que as alíquotas do tributo serão decididas por meio de lei ordinária.

Se o Imposto Seletivo for de fato base para a criação de uma taxação de carbono no país, um dos pontos de discussão será sobre os gases considerados na métrica; ou seja, se apenas será levado em conta o carbono ou gases de efeito estufa em geral, como o metano. Se o segundo for excluído, a pecuária, por exemplo, poderia ser poupada de grande parte da taxação.

“O diabo está nos detalhes”, diz Maria Netto, diretora-executiva do ICS.

Segundo o Banco Mundial, ao menos 25 países, sendo quatro na América do Sul e a maioria na Europa, criaram impostos para taxar diretamente a emissão de carbono. A conta não considera os Estados Unidos, que adotam sistemas estaduais.

Cada legislação tem sua originalidade, mas em geral esse modelo consiste na tributação das toneladas de carbono emitidas por empresas. Por exemplo: se o governo estipula que cada tonelada de CO2 vale R$ 50, e uma mineradora emite anualmente 1 milhão de toneladas de CO2, ao final a companhia pagará R$ 50 milhões por ano de imposto.

Em alguns países europeus, essa tributação funciona de forma paralela ao mercado regulado de carbono.

No primeiro, a taxação é direta sobre a emissão de gases de efeito estufa; já no segundo o governo estipula um limite de emissões para cada empresa, e aquelas que não cumprirem precisam comprar cotas daquelas que fizeram mais do que o exigido.

Há preocupação de que os dois sistemas atuando de forma concomitante gere duplicidade de gastos para diminuir as emissões de carbono. Isso porque as empresas teriam que investir em tecnologia para cumprir seus limites no mercado regulado, além de terem que pagar impostos referentes às suas emissões.

Países que hoje adotam esses dois modelos simultaneamente tendem a restringi-los a setores específicos. É o caso de Portugal: a nação europeia taxa as emissões de CO2 provenientes de todos os combustíveis fósseis, mas aquelas empresas e setores regulamentados no mercado de carbono europeu ficam fora da taxação. O mesmo ocorre na França e na Espanha.

O México é outro exemplo. O governo do país oferece às empresas pagar o imposto por meio de créditos de carbono, o que na prática cria interoperabilidade entre o mercado regulado e a taxação de emissões de carbono.

“A vantagem do modelo mexicano é que um crédito de carbono vem de investimentos em projetos verdes”, diz Maria Netto.

Ela aponta que, em contrapartida, o dinheiro arrecadado com a taxação de carbono não necessariamente vai para investimentos ambientais —a destinação fica a cargo da legislação tributária vigente.

O relatório de Braga não atribui a destino do Imposto Seletivo a gastos ambientais.

A taxação das emissões de carbono é essencial para a neutralidade das emissões de carbono até 2050, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional).

No Brasil, um estudo recente feito pelo banco BV e pela startup Deep apontou que o governo arrecadaria R$ 48 bilhões se cobrasse R$ 50 por cada tonelada de CO2 emitida ou pelo dano equivalente de outros gases potenciais de aquecimento —a estimativa cai pela metade caso a legislação exclua o agronegócio.

O estudo aponta que a pecuária seria o setor com maior aumento de custo de produção se um imposto do tipo fosse criado no Brasil (13,85%).

Sem o agro, o líder passa a ser o setor de cimentos (9,34%), seguido de indústria extrativa (4,36%) e fabricação de aço e derivados (3,8%). Além disso, a tributação de carbono poderia aumentar em 1,65% o custo de vida do consumidor (sem o agro, cairia para 0,58%).

“O fato de você considerar ou não o agro afeta toda a cadeia de alimentação e bebidas”, diz Marcelo Sarkis, superintendente de riscos no banco BV, do grupo Votorantim.

Com ou sem taxação de carbono no Brasil, as exportações brasileiras serão alvo desse tipo de tributação a partir do ano que vem. Isso porque a União Europeia criou um mecanismo que taxa produtos importados com base nas emissões de carbono de sua cadeia.

A tributação foca importações de ferro, aço, cimento, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio, além de produtos manufaturados baseados nessas matérias-primas. Produtos de países que já taxam carbono não serão alvo.

“Se o Brasil não tributar, quem vai perder é ele mesmo, porque, quando a União Europeia diz que vai, ela está ficando com a receita que seria atribuída ao Brasil se houvesse um imposto sobre carbono no país”, diz Falcão.


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