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Israel está cometendo genocídio em na Faixa de Gaza, diz comissão da ONU
Relatório de 72 páginas concluiu que o país cometeu “quatro atos genocidas”; ministério das Relações Exteriores nega afirmações.

Uma investigação independente da ONU concluiu pela primeira vez que Israel cometeu genocídio contra palestinos em Gaza e que os principais líderes do país incitaram o genocídio, no que descreveu como “a descoberta mais contundente da ONU até o momento”.
Em um relatório de 72 páginas recém-divulgado, a Comissão Internacional Independente de Inquérito da ONU, criada pelo CDH (Conselho de Direitos Humanos da ONU), concluiu que Israel “cometeu quatro atos genocidas” no território palestino desde 7 de outubro de 2023, quando o Hamas realizou ataques mortais contra Israel e o país lançou sua campanha militar.
Esses atos incluem o assassinato de palestinos em Gaza, causando-lhes “graves danos físicos e mentais”, “impondo deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para causar sua destruição física, total ou parcial”, e “impondo medidas destinadas a impedir nascimentos dentro do grupo”, segundo o documento.
Quase 65 mil palestinos foram mortos em Gaza desde 7 de outubro, segundo o Ministério da Saúde palestino. A pasta não faz distinção entre civis e combatentes, mas afirma que a maioria das vítimas são mulheres e crianças.
“Israel rejeita categoricamente o relatório distorcido e falso e pede a abolição imediata da Comissão de Inquérito”, declarou o Ministério das Relações Exteriores do país nesta terça-feira (16).
A comissão descreveu o resultado da investigação como um “relatório que se baseia inteiramente no Hamas” e acusou os autores de serem representantes do grupo militante “cujas declarações horríveis sobre os judeus foram condenadas em todo o mundo”.
Durante anos, Israel acusou o CDH, que encomendou o levantamento, de ter um viés anti-Israel.
O governo Trump apoiou Israel, retirando-se do órgão da ONU em 2018, durante o primeiro mandato do presidente Donald Trump, e durante o primeiro mês do atual mandato. Israel tem argumentado consistentemente que está agindo conforme o direito internacional.
Mas as acusações de genocídio estão crescendo internacionalmente, inclusive dentro dos Estados Unidos.
No início deste mês, a Associação Internacional de Estudiosos do Genocídio — o maior órgão mundial de estudiosos limpeza étnica — afirmou que Israel está cometendo um genocídio em Gaza.
Em julho, dois importantes grupos israelenses de direitos humanos se tornaram as primeiras organizações de Israel a alegar que seu país estava “cometendo genocídio contra palestinos em Gaza”.
E em dezembro de 2023, a África do Sul acusou Israel de genocídio em um caso sem precedentes no Tribunal Internacional de Justiça, alegando que a liderança do país estava “determinada a destruir os palestinos em Gaza”.
O relatório do painel da ONU chega ao mercado no momento em que Israel lança uma incursão terrestre na Cidade de Gaza após semanas bombardeando o centro urbano lotado, apesar da crescente condenação internacional.
Netanyahu reconheceu a reação negativa na segunda-feira (15), dizendo que seu país enfrenta “uma espécie de isolamento” que pode durar anos.
Palestinos são “alvos coletivos”
O resultado da investigação foi divulgado pela Comissão Internacional Independente de Inquérito da ONU sobre os Territórios Palestinos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, e Israel.
A comissão — um comitê internacional independente e permanente de inquérito, criada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2021 — é liderada por Navi Pillay, ex-Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, ex-juíza do Tribunal Penal Internacional e ex-juíza e presidente do Tribunal Penal Internacional da ONU para Ruanda.
Pillay e os outros dois líderes da comissão renunciaram em julho. Pillay declarou que sua “idade, problemas de saúde e o peso de vários outros compromissos” a levaram a renunciar em novembro.
A comissão deu vários exemplos de civis palestinos, jornalistas, profissionais de saúde e trabalhadores humanitários que foram “diretamente alvejados e mortos” em Gaza.
Esses assassinatos ocorreram em locais como casas, hospitais, escolas e edifícios religiosos, tanto dentro quanto fora das zonas de segurança designadas, ressalta.
O relatório citou o assassinato de Hind Rajab, de 5 anos, e seus familiares, em janeiro de 2024, como exemplo de como as forças de segurança israelenses procederam à matança de civis apesar de terem “claro conhecimento da presença de civis palestinos ao longo das rotas de saída e dentro das áreas seguras”.
“Eles atiraram e mataram civis, alguns dos quais (incluindo crianças) seguravam bandeiras brancas improvisadas”, afirma o documento. “Algumas crianças, incluindo bebês, foram baleadas na cabeça por atiradores de elite.”
Além de atirar em civis, as forças israelenses “mataram intencionalmente civis palestinos em Gaza usando munições de amplo impacto que causaram um alto número de mortes”, continua o levantamento.
Essas munições foram usadas apesar da consciência de que matariam civis, reforça a comissão.
“As vítimas do bombardeio não foram identificadas ou alvejadas como civis individuais. Pelo contrário, as vítimas foram alvejadas coletivamente devido à sua identidade como palestinas”, declarou;
Israel há muito tempo acusa o Hamas de usar civis em Gaza como escudos humanos, incorporando infraestrutura militar em áreas civis — alegações que o grupo palestino nega.
Suspensão de ajuda para a população de Gaza
Israel impôs um bloqueio de anos a Gaza antes dos ataques de 7 de outubro, restringindo severamente a entrada de suprimentos no território palestino.
Após o ataque do Hamas, no entanto, o governo israelense lançou um “cerco total” ao local, que teve um “impacto catastrófico nas condições de vida dos palestinos em Gaza”, informa o relatório.
“Israel transformou a retenção de necessidades vitais em uma arma, especificamente cortando o fornecimento de água, alimentos, eletricidade, combustível e outros suprimentos essenciais, incluindo assistência humanitária”, relata o documento.
Uma situação humanitária já desoladora tornou-se ainda mais grave no início deste ano, quando Israel impôs um bloqueio de 11 semanas a toda a ajuda a Gaza no início de março.
Logo após o fim do bloqueio, em meados de maio, um novo grupo apoiado pelos Estados Unidos e por Israel — a Fundação Humanitária de Gaza — assumiu grande parte da distribuição de ajuda no território.
Centenas de palestinos foram mortos posteriormente enquanto tentavam buscar ajuda em locais administrados pela controversa organização.
Em agosto, um painel apoiado pela ONU declarou estado de fome na Cidade de Gaza e arredores, analisando que mais de meio milhão de pessoas foram afetadas.
O resultado da investigação da ONU, divulgado nesta terça-feira (16), diz que a decisão de Israel de permitir a entrada de uma pequena quantidade de ajuda em Gaza foi uma “fachada” para enganar a comunidade internacional, enquanto continua a “impor fome e condições de vida desumanas aos palestinos”.
Netanyahu negou repetidamente que haja fome em Gaza. No início de agosto, ele declarou: “Israel não tem uma política de fome. Israel tem uma política de prevenção à fome”.
Segundo o premiê, o governo permitiu a entrada de mais de 2 milhões de toneladas de ajuda em Gaza desde o início da guerra.
Infância das crianças palestinas “destruída”
A ONU também questionou os objetivos de guerra de Israel, enfatizando que “o ataque generalizado e deliberado a crianças palestinas” é uma evidência de que as operações militares não estão sendo conduzidas apenas para derrotar o Hamas, mas para “destruir fisicamente o grupo (palestino), eliminando não apenas as crianças de hoje, mas também a possibilidade de elas terem filhos no futuro”.
As crianças de Gaza estão sofrendo tanto mental quanto fisicamente, apontou o documento.
“A essência da infância foi destruída em Gaza”, disse um médico citado pelo comitê.
A fome generalizada também significa que as crianças são “incapazes de desenvolver a fala e atingir marcos da linguagem” e podem enfrentar potenciais problemas cognitivos a longo prazo, continua.
Israel também recusou a entrada de fórmulas e leite especial para bebês em Gaza, resultando na “fome de recém-nascidos e crianças pequenas”, indica a comissão.
Esta é “uma evidência especialmente forte da intenção de destruir a população”, afirmou.
Violência sexual é usada por Israel como arma de guerra
Outro trecho do documento informa que as forças de segurança israelenses “perpetraram violência sexual e de gênero”, incluindo “estupro, tortura sexualizada e outras formas de violência sexual, não apenas como punição contra indivíduos, mas como parte de um padrão de punição coletiva para fragmentar, humilhar e subjugar a população palestina como um todo”.
“Isso fica evidente através do conteúdo dos soldados israelenses nas redes sociais, onde eles se mostram descaradamente cometendo atos para desumanizar os palestinos”, pontua a comissão.
O relatório diz ter ouvido muitos palestinos relatando terem sido submetidos a violência sexual e de gênero enquanto estavam detidos, incluindo o depoimento de um detento querelata ter sido espancado nos genitais com tanta violência que perdeu a consciência.
Líderes israelenses “incitam o genocídio”
A investigação também acusou Netanyahu, o presidente Isaac Herzog e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant de incitarem genocídio.
“Já em 7 de outubro de 2023, autoridades israelenses fizeram declarações que indicavam sua intenção de destruir os palestinos em Gaza como um grupo”, indicou.
“Líderes políticos e militares israelenses são agentes do Estado de Israel; portanto, seus atos são atribuíveis ao Estado de Israel”, continua o comitê, acrescentando que “autoridades israelenses e forças de segurança israelenses tiveram e continuam a ter a intenção genocida de destruir, no todo ou em parte, os palestinos na Faixa de Gaza”.
O site CNN entrou em contato com as autoridades acusadas para obter comentários.
Um comunicado de imprensa publicado juntamente com o documento apelou à comunidade internacional para “empregar todos os meios razoavelmente disponíveis para impedir a prática de genocídio em Gaza”.
“O genocídio em Gaza está se desenrolando em tempo real. O dever legal, moral e político dos Estados é claro. O mundo precisa agir agora para impedir a matança, proteger o povo palestino e cumprir suas obrigações de prevenir e punir o crime de genocídio”, enfatiza o comitê.
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