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Economia

Anatel autoriza aumento no preço dos planos durante vigência de contrato

Agência passou a permitir alterações nas características de ofertas de pacotes de celular, internet e TV por assinatura; órgãos de defesa do consumidor condenam as medidas.

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O Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) decidiu ceder aos interesses das operadoras e anular algumas das regras de direitos dos consumidores, aprovadas em 2023, atendendo a pedidos das empresas. Entre as mudanças, a agência passou a permitir alterações nas características de ofertas de planos de celular, internet e TV por assinatura, incluindo reajustes de preços durante o período de vigência do contrato. Com isso, o valor do plano poderá ser modificado no meio do acordo.

De acordo com reportagem do site O Dia, As mudanças, aprovadas no início de dezembro, alteram trechos importantes do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC). Por maioria, o conselho aprovou o voto do conselheiro Alexandre Freire, contrariando o relator Raphael Garcia, que havia proposto manter as regras inalteradas.

As novas medidas entram em vigor em setembro de 2025, mas o consumidor já deve começar a ficar atento. Ao O DIA, órgãos e organizações de defesa do consumidor não pouparam críticas as mudanças e garantiram vigilância.

O coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Luã Cruz, afirma que o órgão entende que as mudanças promovidas pela Anatel enfraquecem a proteção dos direitos dos consumidores no setor de telecomunicações, “ampliando a assimetria já existente entre consumidores e operadoras”.

“Muitas das regras anuladas buscavam promover maior transparência, previsibilidade e equilíbrio na relação contratual, elementos essenciais para corrigir as vulnerabilidades dos consumidores em um mercado complexo e dominado por grandes empresas”, destacou.

“Para além das questões consumeristas, nos preocupa muitíssimo o fato de o Conselho Diretor não ter identificado o evidente conflito de interesses nessa decisão. O Idec já havia apontado, em maio, uma relação próxima entre Alexandre Freire (o conselheiro que pediu vistas do processo e acatou as alterações) e o jurista Ricardo Campos, que atuou como parecerista a favor da anulação dos pontos questionados pelas teles”, ressaltou.

O coordenador também ressalta que a suspeição levantada pelo Idec contra o conselheiro Alexandre Freire, devido à relação acadêmica e profissional entre ele e um parecerista que defendeu os interesses das teles, embora rejeitada pelo conselho da Anatel, “gera questionamentos legítimos sobre a imparcialidade na condução da análise e deliberação dessas alterações”.

“O episódio de suspeição reforça a percepção de que há uma desproporção no peso dado aos interesses das operadoras em comparação aos dos consumidores. Isso enfraquece a confiança no processo regulatório e na capacidade da Anatel de atuar como mediadora equilibrada entre as partes”, acrescentou.

O secretário estadual de Defesa do Consumidor, Gutemberg Fonseca, aponta que as alterações realizadas na regulamentação dos contratos de telefonia móvel, internet e TV por assinatura não podem contrariar o que estabelece o Código Defesa de Consumidor (CDC). Elas até podem ser modificadas, desde que não prejudiquem direitos já garantidos.

“A Secretaria de Defesa do Consumidor e o Procon-RJ estão atentos à forma como as operadoras irão colocar em prática essas modificações para, se necessário, adotar as medidas cabíveis, tanto de forma administrativa quanto judicial. Nós somos favoráveis a todas as medidas que possam beneficiar os consumidores. No entanto, a relação de consumo deve ser equilibrada, e não pouparemos esforços para que os consumidores não sejam prejudicados”, garantiu.

Renata Ruback, diretora-executiva do Procon Carioca, reprova a justificativa da Anatel. Segundo ela, as “alterações têm como objetivo de modernizar e flexibilizar as regras, adaptando-as ao cenário atual do mercado”. “Algumas dessas mudanças podem impactar o direito do consumidor, trazendo prejuízo à preservação do equilíbrio contratual”, disse.

As novas regras mudam os seguintes pontos:

– Alteração da oferta

Um dos pontos mais controversos é a autorização para que as operadoras modifiquem características dos planos, como preço, acesso e condições de uso, enquanto o contrato ainda estiver em vigor. A regra anterior proibia qualquer tipo de alteração unilateral.

De acordo com o conselheiro Alexandre Freire, o Código de Defesa do Consumidor já regula essa prática e permite alterações unilaterais apenas com o consentimento do cliente. Já a norma da Anatel vedava completamente qualquer alteração. Para Freire, esse trecho deve ser anulado porque proíbe alterações de “cláusulas contratuais para beneficiar o consumidor”.

Em sua justificativa, ele afirmou que mudanças podem ser permitidas para incluir itens de utilidade ao cliente sem forçá-lo a aderir a uma nova oferta. “Isso evita que o consumidor seja obrigado, por exemplo, a aceitar uma oferta pior do que aquela oferta atual por falta de um item essencial em determinado momento”, defendeu o conselheiro.

No entanto, órgãos e organizações de defesa do consumidor condenam a decisão. O coordenador do Idec destaca que a medida pode gerar custos adicionais e reduzir benefícios, prejudicando especialmente os consumidores mais vulneráveis.

“Embora a decisão possa ser apresentada como benéfica para consumidores em situações excepcionais, na prática, ela favorece as operadoras ao permitir que modifiquem unilateralmente os contratos. O histórico do setor de telecomunicações indica que essa premissa será amplamente usada para gerar custos adicionais e reduzir benefícios, prejudicando especialmente os consumidores mais vulneráveis”, disse.

O secretário estadual de Defesa do Consumidor afirma que a autorização não pode ser realizada de forma unilateral: “O consumidor deve ser informado de maneira clara, correta, precisa e ostensiva sobre o que está sendo mudado, e as novas condições do contrato, e aceitar o estabelecido”.

Já a diretora-executiva do Procon Carioca disse que a permissão pode violar a previsibilidade que o consumidor deveria ter ao firmar um acordo. “Essa informação tem que ser disponibilizada de forma bastante transparente no momento da contratação. Isso pode resultar em insegurança para quem contratou o serviço acreditando que as condições permaneceriam estáveis até o fim do contrato”, aponta.

Cátia Vita, advogada especialista em Direito do Consumidor, esclarece que as alterações realizadas para ajudar o consumidor sempre serão válidas pela Justiça. “O consumidor nunca pode ser prejudicado por conta de uma resolução da Anatel”, enfatiza.

Migração automática

O regulamento aprovado em 2023 permitia a migração automática para um novo plano, caso o consumidor não manifestasse adesão a uma nova oferta antes da extinção do plano contratado. A migração automática, contudo, deveria ser feita para um plano que fosse de igual ou menor valor, sem prazo de permanência. Agora, as operadoras poderão incluir cláusulas de migração nos contratos, desde que o consumidor tenha concordado no momento da contratação ou posteriormente.

Para Freire, a regra antiga era nula porque não levava em conta as necessidades específicas dos consumidores. “Embora os critérios de igual ou menor valor sejam econômicos, ele pode não refletir a qualidade e utilidade do serviço para o consumidor”, justificou.
Para o Idec, a sugestão de que os consumidores devem adotar uma postura mais ativa ignora o contexto de vulnerabilidade informacional. “Muitos consumidores, especialmente os de baixa renda ou com menor letramento digital, têm dificuldade em compreender ofertas e prazos de migração. Muitas vezes, o ‘consentimento expresso’ é obtido em processos complexos ou enganosos, como contratos extensos ou caixas de seleção pré-marcadas em interfaces digitais”, alerta Luã Cruz.

O Procon Carioca ressalta que a alteração elimina uma barreira de proteção ao consumidor e pode abrir espaço para práticas abusivas. “Agora, as operadoras podem migrar clientes automaticamente para novos planos, o que pode facilitar o acesso a planos potencialmente melhores, mas também abrir margem para mudanças unilaterais desfavoráveis. Sem o consentimento prévio, o consumidor pode ser colocado em situações em que paga mais ou perde benefícios, sem ter tido escolha”, adverte Renata Ruback.

Franchescoly Carnevale, advogado especialista em Direito do Consumidor da TT & Co, aponta a que a migração automática pode acontecer sem que o consumidor compreenda de forma integral as implicações. “Ainda há o risco de que aqueles consumidores que se sintam prejudicados enfrentem obstáculos para retornar ao plano anterior, como maiores burocracias ou prazos limitados”, diz.
“[A medida] pode ir de encontro com o respeito às condições pactuadas, uma vez que alterar unilateralmente um contrato sem o consentimento do consumidor pode ser entendido como uma cláusula abusiva, prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor”, acrescenta.

Suspensão por inadimplência

O regulamento proibia a cobrança da assinatura ou qualquer outro valor durante o período de suspensão parcial dos serviços de telecomunicações por inadimplência, nos primeiros 30 dias.

Antes da alteração, se o consumidor não pagasse o seu plano de telefone, a operadora deveria manter recebimento de chamadas e mensagens de textos pelo prazo de 30 dias contados a partir do dia da suspensão. Além disso, o cliente não deveria ser cobrado pelos serviços prestados durante esse período. Mas esse trecho foi anulado completamente.

Para o conselheiro Alexandre Freire, a medida viola a Lei Geral de Telecomunicações e “interfere nos modelos de negócios das operadoras”. “Proibir a cobrança impõe a prestação gratuita de serviços, como recebimento de chamadas e mensagens por 30 dias e acesso a serviços de emergência”, afirma.

Para o Idec, ao ceder às demandas das operadoras, a Anatel priorizou os interesses econômicos das empresas, ignorando os impactos para consumidores em situações de vulnerabilidade financeira e que a “mudança pode levar muitos consumidores a abandonarem definitivamente os contratos”.

As operadoras alegam que, mesmo durante a suspensão parcial, há custos relacionados à manutenção da infraestrutura e à continuidade do vínculo contratual. A Anatel, ao aceitar esse argumento, afirmou que a cobrança seria justificável, desde que os consumidores fossem informados de forma clara e expressa.

“No entanto, esse raciocínio ignora que consumidores em inadimplência geralmente estão em situação econômica delicada e que a suspensão parcial é, em essência, uma penalidade. A cobrança durante a suspensão parcial agrava essa condição, dificultando ainda mais o pagamento da dívida e aumentando a probabilidade de exclusão do acesso a serviços essenciais”, afirmou Luã Cruz, coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do instituto.

“Essa mudança pode levar muitos consumidores a abandonarem definitivamente os contratos, optando por outras alternativas ou ficando sem acesso a serviços essenciais de telecomunicação”, acrescenta.

Data de reajuste

Outra mudança foi o marco da data de contratação do plano como “data-base” para o reajuste. Antes, o regulamento usava a data em que o cliente contratouu o plano como referência. Dessa forma, o reajuste só poderia ser feito 12 meses após a “data-base”.

Agora, com a alteração no texto, o reajuste não fica restrito a data de contratação do plano. Ou seja, a operadora poderá definir a “data-base” do plano no contrato.

Ao anular o trecho, o conselheiro determinou que o grupo de implantação do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor (RGC) inclua no manual operacional do regulamento “rotinas que permitam ao consumidor internalizar adequadamente a data-base do contrato, de modo a poder avaliar adequadamente se deve ou não contratar determinado produto de telecomunicações”.

O secretário de Defesa do Consumidor ressaltou que essa é alteração que mais preocupa o órgão. “A mudança que vemos com maior preocupação é a alteração da data de reajuste dos contratos, o que pode ensejar a autorização para que o aumento do valor pago seja feito antes do período de 12 meses contados da contratação, prejudicando o orçamento das famílias, especialmente aquelas mais vulneráveis”, afirmou Gutemberg Fonseca.

Luã Cruz, coordenador do Idec, as alterações no RGC refletem um movimento que prioriza os interesses das operadoras em detrimento dos consumidores, marcando um retrocesso na regulação de telecomunicações no Brasil.

Transparência e fiscalização efetiva

Os especialistas enfatizam que, de modo geral, algumas das mudanças no regulamento das telecomunicações podem ferir o Código de Defesa do Consumidor (CDC), se não foram implementadas com garantias claras de proteção aos direitos dos consumidores.

“O código é pautado em princípios como a transparência, boa-fé e o equilíbrio nas relações de consumo, e qualquer ato que desrespeite esses pilares pode ser considerado irregular”, afirma o advogado Franchescoly Carnevale.

Ele ainda ressalta que os consumidores que se sentirem lesados podem entrar em contato com órgãos de proteção.
“Se as alterações forem implementadas de maneira abusiva ou sem regulamentação clara, elas poderão ser contestadas judicialmente baseadas em dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. Por isso, é essencial que os consumidores sejam bem informados e tenham acesso a órgãos de proteção, como o Procon, para questionarem eventuais abusos”, acrescentou.

Renata Ruback afirma que algumas medidas serão importantes para retornar os consumidores a posição de prioridade. “Para priorizar o consumidor, seria necessário reforçar mecanismos de transparência e consentimento, como exigir notificações claras, criar canais para contestação de alterações e estabelecer limites rígidos para modificações unilaterais”, lembra.

“Para reverter esse cenário e reestabelecer o equilíbrio nas relações de consumo, o Idec continuará questionando o mérito das decisões e a transparência do processo que levou às alterações, avaliando estratégias institucionais e judiciais para defender os direitos dos consumidores e assegurar que eles sejam devidamente protegidos em futuras revisões regulatórias”, garante Luã Cruz.

Carnevale também enfatiza que, para priorizar o consumidor, é fundamental combinar regulamentação robusta, transparência e fiscalização efetiva. “Essas medidas impactarão de maneira direta o bolso dos consumidores para tentar minimizar os riscos de cobranças abusivas, reajustes desproporcionais e práticas que dificultem o planejamento financeiro”, explica o advogado.


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