Brasil
Só 30 médicos no país aderem à norma do CFM e revelam vínculo com indústria, mostra site
Desde março de 2025, médicos são obrigados a declarar se prestam serviços —como palestras e pesquisas— para farmacêuticas e fabricantes de próteses.

Apenas 30 médicos brasileiros admitiram ter relações com farmacêuticas, após sete meses de vigência de uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que obriga os profissionais a darem transparência a conflitos de interesse. As informações são do site UOL.
Desde março de 2025, médicos são obrigados a declarar se prestam serviços —como palestras e pesquisas— para farmacêuticas e fabricantes de próteses. Não é preciso informar valores recebidos, mas apenas a existência do vínculo. Outros tipos de benefícios, como viagens internacionais, jantares e presentes, não precisam ser declarados.
Até agora, apenas 30 profissionais enviaram declarações, segundo o CFM. O número equivale a 0,005% dos mais de 600 mil médicos do país.
O número não reflete a realidade. Investigação do UOL revelou que, apenas em Minas Gerais, a indústria da saúde pagou R$ 58 milhões em palestras e consultorias de médicos. Outros R$ 5 milhões foram gastos para remunerar os profissionais por pesquisas. Os valores se referem ao período entre 2017 e 2022. Palestras, consultorias e pesquisas estão dentro do escopo da resolução do CFM.
A resolução de transparência de conflitos de interesse do CFM foi publicada em setembro de 2024. O prazo para entrada em vigor era de seis meses. O texto dá 60 dias para os médicos enviarem as declarações, após o pagamento dos serviços.
Trata-se da primeira norma nacional a exigir a transparência dos vínculos entre médicos e indústrias da saúde. Dezenas de outros países têm leis que obrigam a divulgação total dos conflitos de interesse, incluindo os valores recebidos, em todas as modalidades, como viagens e brindes. A legislação pioneira foi o Sunshine Act, dos Estados Unidos, em vigor desde 2010.
Mas, após editar a resolução, o CFM não enviou comunicados aos médicos sobre a obrigatoriedade da declaração dos conflitos de interesse. O órgão publicou o texto no Diário Oficial, deu uma coletiva de imprensa e fez publicações em seu site e redes sociais. O CFM disse ao UOL não ter planos de “redivulgar” a resolução.
Médicos que não declararem as relações com a indústria da saúde podem responder a sindicância ou processo ético. Segundo Estevam Rivello Alves, conselheiro do CFM, o código de ética médica exige o cumprimento das resoluções do órgão.
A contratação de médicos e a oferta de viagens e brindes não é uma prática nova nem ilegal, mas abre portas para conflitos de interesses. Quando editou a resolução, o CFM disse que o objetivo era evitar que “conflitos de interesse interfiram em ações” médicas.
O CFM deveria publicar as declarações na internet, para consulta pública, o que não ocorreu até agora. O UOL pediu acesso às 30 declarações já recebidas. O CFM disse que iria analisar o pedido.
“Eu tenho certeza de que o número [de médicos com vínculos com a indústria] é maior [que os 30 declarados]. Assim como tenho certeza de que a maioria absoluta dos médicos brasileiros não tem conflito de interesse.
Quando o médico possui conflito [de interesse] e não comunica ao conselho [médico], ele está em desapontamento do Código de Ética Médica. Pode responder a sindicância ou processo ético”, disse Estevam Rivello Alves, conselheiro do CFM responsável pela coordenação de comunicação.
Indústria da saúde gasta milhões com médicos
Minas Gerais é o único estado que obriga a divulgação de pagamentos e benefícios concedidos aos médicos pela indústria da saúde. As informações devem ser divulgadas anualmente à Secretaria Estadual de Saúde pelas próprias empresas e são incluídas em um banco de dados.
Investigação do UOL mostrou que os médicos mineiros receberam R$ 198 milhões da indústria da saúde, de 2017 a 2022. O cálculo excluiu os gastos com pesquisa —mais R$ 5 milhões. Gastos com transporte e hospedagens para congressos consumiram R$ 64 milhões; inscrições em congressos e eventos educativos, R$ 37 milhões; refeições, R$ 31 milhões.
Dez médicos mineiros foram beneficiados com mais de R$ 1 milhão cada um. O maior valor foi para um ortopedista: R$ 2,7 milhões.
Cardiologistas, dermatologistas e endocrinologistas foram as especialidades mais patrocinadas. As empresas de saúde dizem que não trocam os pagamentos e benefícios por prescrições.
CFM já tentou proibir viagens, mas recuou
Em 2010, o CFM tentou proibir que fabricantes de remédios e de próteses custeassem viagens de médicos a congressos. Isso corresponde à maior parte dos benefícios pagos aos profissionais de Minas Gerais (32%).
O objetivo era reduzir conflitos de interesse — como a prescrição de determinada marca de remédio ou produto de saúde para ganhar as viagens. “Nenhuma indústria farmacêutica faz atos de generosidade desinteressada”, escreveu o presidente do CFM à época, o médico Roberto d’Avila.
Ao final, a ideia acabou descartada. Em vez de impedir o financiamento de viagens em geral, o CFM proibiu apenas o pagamento de viagens de lazer para médicos, bem como viagens para parentes. Viagens para participar de congressos seguiram permitidas.
Em 2018, a Abimed, que reúne fabricantes de próteses e equipamentos de saúde, restringiu o custeio de viagens de médicos. A entidade proibiu que seus associados bancassem a ida de médicos a congressos organizados por terceiros. O custeio de eventos organizados pelas próprias patrocinadoras, no entanto, continuou valendo.
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