Brasil
Lei das Domésticas completa 10 anos, mas categoria ainda luta para ter direitos garantidos
Hoje, o Brasil conta com cerca de 5,9 milhões de trabalhadores domésticos. Desses, 76,4% (aproximadamente 4,5 milhões) não possuem carteira de trabalho assinada.

Aprovada em junho de 2015, a Lei Complementar 150 representou um marco histórico ao regulamentar os direitos das trabalhadoras e trabalhadores domésticos no Brasil. Mas, uma década depois, a categoria continua enfrentando dificuldade para ter seus direitos reconhecidos. Jornadas exaustivas, vínculos informais e a negação de garantias básicas ainda fazem parte do cotidiano de muitos profissionais do setor.
Hoje, o Brasil conta com cerca de 5,9 milhões de trabalhadores domésticos. Desses, 76,4% (aproximadamente 4,5 milhões) não possuem carteira de trabalho assinada. Do total, 91,9% (5,4 milhões) são mulheres, e 69% (4,07 milhões) são negras. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2024.
Responsável por regulamentar a Emenda Constitucional nº 72, mais conhecida como PEC das Domésticas, a Lei Complementar 150 introduziu mudanças importantes, como:
– Pagamento de horas extras;
– Adicional noturno;
– Obrigatoriedade do FGTS;
– Seguro-desemprego;
– Seguro contra acidentes de trabalho;
– Salário-família;
– Fixação de uma jornada máxima de 44 horas semanais, com limite de 8 horas diárias.
A presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro (STDRJ), Maria Izabel Monteiro, afirma que a Lei do Trabalho Doméstico no Brasil é uma importante conquista para a classe.
“Foi um grande avanço, embora ainda não seja da maneira que nós gostaríamos, enquanto dirigentes sindicais e enquanto categoria, porque ficaram muitas brechas na lei”, diz Maria Izabel. De acordo com ela, uma das falhas é o seguro-desemprego. Diferente de outras categorias, as trabalhadoras domésticas recebem apenas três parcelas.
Além do benefício, o advogado trabalhista Gabriel Moura Manzzi destaca que há outras barreiras e limitações. “Apesar de ser um marco histórico na valorização do trabalho doméstico, muitos empregadores ainda descumprem obrigações como o recolhimento do FGTS, o pagamento de horas extras e a anotação correta na carteira de trabalho”, pontua. “Isso se deve, em parte, à informalidade persistente no setor, à falta de fiscalização efetiva e à ausência de conhecimento técnico por parte dos empregadores, que muitas vezes não possuem assessoria jurídica ou contábil adequada”, completa.
Relatora da PEC das Domésticas, a deputada Benedita da Silva (PT) declara que os 10 anos da Lei Complementar 150 representam uma vitória para a categoria.”Eu analiso os 10 anos da Lei do Trabalho Doméstico no Brasil, que representa mais de 6 milhões de trabalhadoras, como uma conquista de um segmento que reflete diretamente na economia, no social e na cultura, pois o trabalho doméstico faz parte da engrenagem que move o nosso país, garantindo diariamente o funcionamento de milhões de lares”, aponta.
Benedita também enfatiza que ainda são necessários avanços. “Desde a Constituição de 88, nós não conseguimos ainda, na sua plenitude, ter uma consciência social do empregador no Brasil em relação aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras domésticas. Ou seja, precisamos celebrar e valorizar sempre o papel do trabalho doméstico, mas precisamos lutar e avançar na consciência e defesa desses direitos”, ressalta.
Trabalhadoras domésticas
Jornada de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, “fazendo de tudo” — e sem carteira assinada. Essa é a realidade de Ana Lúcia França, de 39 anos, assim como a de tantas outras trabalhadoras domésticas no Brasil.
Ana exerce atividades em casas de família desde os 15 anos. “Hoje eu trabalho para uma idosa. Faço de tudo. Lavo, passo e cozinho”, diz. De acordo com ela, a Lei Complementar 150 não trouxe melhorias para a vida dela.
“Eu não vi diferença em nada, porque, como sempre trabalhei na casa de amigos e parentes, nunca tive preocupação em procurar meus direitos. Trabalhei na casa de uma ex-cunhada há cinco anos, das 7h às 14h. Ganhava meio salário e, quando saí, simplesmente não recebi nada”, relata.
“Depois, trabalhei na casa de dois advogados, que me pagavam melhor. Fiquei durante oito meses e, quando saí, me pagaram todos os direitos, mas eu também não tinha carteira assinada.”
Sobre o vínculo trabalhista, Ana afirma que os empregadores não demonstram preocupação. “Não era opção. Acredito que por ser no interior, os conhecidos não se importavam.”
A moradora de Mesquita, na Baixada Fluminense, Claudia Turola, de 54 anos, também integra a parcela de 76,4% de trabalhadores domésticos sem carteira assinada. “Eu trabalho toda semana, de segunda a sexta, das 9h às 16h. Aí, quando é no sábado, eu vou fazer uma faxina para poder inteirar o pagamento”, conta. Claudia presta serviço doméstico desde os 10 anos.
Sobre a Lei do Trabalho Doméstico, Claudia também aponta que a regulamentação não alterou a sua realidade.
“Para mim, essa lei não serviu de nada, entendeu? Porque continuo sem férias, sem nada”, explica. Claudia, também destaca as dificuldades do dia a dia. “É muito complicado. Tem um pessoal que, só porque você não tem estudo, joga na cara. Não dá valor pra gente. Fica de ignorância. A gente precisa de uma lei firme, sabe? Pro pessoal assinar a carteira e dar os nossos direitos. Precisa de fiscalização”, reclama.
Por outro lado, a doméstica Ângela Maria, de 53 anos, que começou a desempenhar o serviço doméstico após a aprovação da lei, ressalta que possuía, até pouco tempo, vínculo formal e seus direitos assegurados.
“Quando eu comecei a trabalhar, minha carteira foi assinada. Meus direitos todos preservados: hora extra, décimo terceiro, salário, feriados, trabalhava só de segunda a sexta. Então, para mim a aprovação da lei foi muito boa. Não tenho do que reclamar” salienta. “Muitos patrões são negligentes, mas graças a Deus não passei por isso. Eu tenho uma amiga que trabalhava há 14 anos na casa de uma mulher, e a mulher não quis assinar a carteira dela.”
Ângela relata que, recentemente, passou pelo fim do vínculo empregatício e passou a trabalhar como diarista. “Nós demos baixa na minha carteira agora, nesse mês de maio, mas continuo trabalhando no mesmo lugar como diarista, agora duas vezes na semana. Tudo foi pago direitinho”, diz.
Fiscalização
Segundo o advogado trabalhista Gabriel Moura Manzzi, a fiscalização das condições trabalhistas do setor ainda não é eficaz.
“A fiscalização no trabalho doméstico ainda é limitada, principalmente porque ocorre em ambiente privado, o que exige autorização judicial para entrada de fiscais”, diz.
Com o objetivo de aumentar o monitoramento desses casos, o advogado João Vicente Capobiango, também especializado em Direito Trabalhista, ressalta que “o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tem desenvolvido ações para promover os direitos dos empregados domésticos e também coibir e prevenir o trabalho análogo ao escravo, impulsionando a formalização determinada por lei”.
A presidenta do STDRJ, Maria Izabel Monteiro, reforça que é essencial dar maior visibilidade à recorrência do trabalho análogo à escravidão.
“Mesmo nas grandes capitais, o trabalho doméstico escravo ainda acontece. Recentemente, nós tivemos o caso da Sônia Maria de Jesus, que foi resgatada, e o empregador, que é o desembargador Jorge Luiz de Borba, fez o ‘desresgate’.” Sônia, uma mulher negra de 51 anos, cega de um olho, surda, não oralizada e sem alfabetização em Libras ou em português, vivia nessa situação há 40 anos.
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