Brasil
Juristas propõem ao Supremo Código de Conduta e redução de decisões individuais
Documento da Fundação FHC lista medidas que a própria Corte pode adotar para “aperfeiçoamento institucional” e será encaminhado a ministros do Supremo

Juristas reunidos pela Fundação FHC elaboraram um documento com uma série de sugestões para aperfeiçoamento da atuação do STF (Supremo Tribunal Federal).
As medidas incluem adoção pela Corte de um Código de Conduta, incentivos a mais deliberações em sessões presenciais, de modo a reduzir o volume de decisões individuais, e fortalecimento do sistema de precedentes, o que geraria maior segurança jurídica.
O novo presidente do STF, Edson Fachin, já está a par da iniciativa — no início de agosto, o ministro participou de evento na Fundação FHC e, na noite de quarta-feira (1º), recebeu o documento de um dos coordenadores do trabalho, o professor de Direito Constitucional Oscar Vilhena. O material deve ser encaminhado pelo gabinete de Fachin aos demais integrantes do Supremo.
Com quase 50 páginas e em elaboração desde abril, o documento do think tank vinculado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) destaca a importância do Supremo como “trincheira essencial à defesa da democracia” e observa que tribunais em outras democracias também enfrentam o fenômeno da “politização da jurisdição constitucional”.
Ao mesmo tempo, o texto salienta que a Constituição de 1988 atribui ao STF “as funções de tribunal constitucional, de Corte de últimos recursos e de foro especializado para altas autoridades”, transformando o Supremo em “arena central na qual as grandes disputas de nossa sociedade são travadas”.
Dessa forma, não se pode ignorar o risco de um “perigoso processo de erosão da autoridade” do Tribunal, o que o tornaria “mais vulnerável a setores hostis à democracia constitucional, que ameaçam descumprir suas decisões, restringir suas competências, ou mesmo promover o afastamento de ministros”.
Tendo como norte a “preocupação em preservá-lo como guardião das regras fundamentais do jogo democrático”, o trabalho da Fundação FHC faz uma divisão das nove sugestões ao Supremo em três tipos:
- fortalecimento da colegialidade e aprimoramento do processo constitucional;
- melhoria do sistema de precedentes e da relação do STF com as demais instâncias do sistema de justiça;
- fortalecimento da imagem pública e da reputação do tribunal, como esfera imparcial de aplicação do direito.
“Muito do que o documento traz de diagnóstico já é conhecido, por isso o objetivo foi organizar e apontar, a partir daquilo que é consenso dos juristas e acadêmicos envolvidos, diretrizes do que pode ser feito pelo próprio Supremo”, explica Vilhena.
Déficit de colegialidade
No primeiro item, o diagnóstico é de que há um “déficit de colegialidade decorrente do exacerbado protagonismo jurisdicional de seus membros individualmente”. No discurso de posse como presidente do STF, o ministro Edson Fachin destacou a importância das decisões tomadas de forma coletiva pela Corte.
O documento da Fundação FHC reconhece o esforço da Corte para reduzir o volume de medidas cautelares monocráticas, cujo ápice ocorreu em 2020, com 4.021 decisões do tipo – em 2024, foram 803. Mas aponta perda de qualidade da deliberação com a adoção massiva do plenário virtual: em 2024, foram tomadas 21.153 decisões colegiadas no ambiente digital, ante 172 de forma presencial.
Entre as medidas para incentivar as deliberações em sessão presencial, os juristas sugerem que os ministros relatores obrigatoriamente façam circular os votos entre os pares de forma antecipada e que os integrantes da Corte apresentem votos mais concisos nos julgamentos, para permitir o “debate livre de ideias”.
Além disso, sugere-se “significativa restrição de medidas cautelares monocráticas a casos de absoluta urgência”, como os que envolvem prisão ou violação de direitos indisponíveis, e vedação de julgamentos de mérito ou de processos complexos no ambiente virtual.
Também há a defesa de uma iniciativa do próprio STF, que estabeleceu sessões destinadas à oitiva de sustentações orais, mas o grupo aponta ser importante que se assegure a presença de todos os ministros nessa fase dos julgamentos.
Precedentes e segurança jurídica
No segundo grupo de sugestões, o documento aponta três fatores que “prejudicam a construção de um consistente sistema de precedentes no STF”: flutuações e interpretações que ampliam as próprias competências da Corte, o que aumenta o desgaste com outros Poderes e cria ruídos dentro do próprio Judiciário; dificuldades de expressão clara das decisões e dos fundamentos; e instabilidade jurisprudencial.
Oscar Vilhena considera a questão dos precedentes a mais importante do grupo de diretrizes, na medida em que muitas das tensões do STF com o Congresso ou o Poder Executivo, ou mesmo com outros tribunais do sistema de Justiça, são fruto de mudanças de entendimento da parte da Corte ou de ministros nem sempre bem embasados ou justificados.
É nesse aspecto que o documento traz a necessidade de padrões de autocontenção da Corte, por meio do “desenvolvimento de doutrinas mais claras sobre os contornos das competências do Poder Judiciário e do próprio STF, em face dos Poderes Legislativo e Executivo” e de “estândares interpretativos para distintas áreas do direito constitucional, que favoreçam a segurança jurídica”.
Reputação e Código de Conduta
No terceiro grupo de sugestões, o documento reconhece ser da natureza de um tribunal constitucional tomar decisões contramajoritárias ou que raramente agradem a todos. “Por isso, o caminho para o fortalecimento reputacional passa pelo rigor no procedimento e por esforços para construir uma imagem de integridade e imparcialidade”, apontam os autores.
Daí a proposta de um Código de Conduta “compatível com as funções de um tribunal de natureza constitucional”, o que envolve cláusulas como regulação de manifestações públicas e de participação de ministros e ministras em eventos públicos ou privados, além de quarentena para atuação de integrantes aposentados junto à Corte.
O documento cita ainda a adoção de regras mais claras sobre impedimento ou suspeição, com possibilidade de discussão de forma colegiada quando surjam “questionamentos plausíveis, ainda que infundados”. O material não ignora a possibilidade de se constatar tentativa de manipulação da jurisdição do tribunal – ou seja, quando uma das partes questiona a imparcialidade de um ministro por não querer que ele atue no caso –, mas propõe que o STF se manifeste publicamente a esse respeito.
Fazendo coro a muitos dos discursos recentes feitos por integrantes do próprio STF a respeito da atual conjuntura, o documento afirma que, “em um contexto de ascensão global de populismos autoritários e de crescente hostilidade às instituições do Estado Democrático de Direito, é imperativo que as instituições responsáveis por assegurar as regras do jogo democrático e proferir a ‘última palavra’ em temas de máxima relevância para a comunidade demonstrem que suas decisões são fruto de um processo imparcial, objetivo e íntegro da aplicação da lei”.
O trabalho teve coordenação de Oscar Vilhena, que também é conselheiro da Fundação FHC; Sergio Fausto, cientista político e diretor-geral da Fundação FHC; e da professora de Direito Constitucional Ana Laura Barbosa.
As informações são da CNN.
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