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Brasil

IBGE: Seis Estados da Amazônia Legal estão abaixo da média nacional de moradias em ruas arborizadas

Dados do último Censo do IBGE revelam que Belém, cidade-sede da COP30, tem mais de 50% das ruas sem arborização.

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É paradoxal: os Estados da Amazônia Legal brasileira, que abrigam a maior floresta tropical do mundo, não são os mais arborizados. Dados do último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram, na verdade, uma situação inversa. Em seis dos nove Estados amazônicos, a quantidade de domicílios em ruas arborizadas está abaixo da média nacional.

No Brasil, 58,7 milhões de moradores (33,7% da população) vivem em ruas sem arborização. Parte desses casos está concentrada, por exemplo, no Pará, que sediará a COP30 em novembro deste ano, sendo o centro do maior encontro climático do mundo. O Estado é também o que mais emite gases de efeito estufa, segundo registros do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), devido aos fatores de desmatamento e agropecuária.

No caso de Belém, a capital paraense, 54,5% (229,1 mil) dos domicílios em centros urbanos ficam em ruas sem árvores. Depois, são 20,31% (85,3 mil) em ruas com uma ou duas árvores, 9,17% (38,5 mil) em ruas com até quatro árvores e 15,8% (66,8 mil) em ruas com 5 ou mais árvores.

Acre, Amazonas, Roraima, Maranhão e Amapá também estão na lista dos Estados menos arborizados –considerando a proporção de moradores–, segundo dados do Censo 2022 divulgados neste ano, que consideraram características urbanísticas do entorno de domicílios com foco em áreas urbanas.

O contraste é grande se comparado com o Estado com maior porcentagem de arborização urbana nas ruas, que é Mato Grosso do Sul, onde 92,4% dos moradores vivem em ruas com árvores, segundo relatado pela população ao Censo.

No Estado, que conta com forte presença do agronegócio – característica que o torna o 9º maior emissor de gases de efeito estufa do Brasil –, 59,47% das casas estão em ruas que têm 5 ou mais árvores, 18,25% têm até quatro árvores, 14,77% têm ao menos uma árvore e apenas 7,43% foram identificadas como sem árvores.

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O técnico Maikon Novaes, do IBGE, que trabalhou na pesquisa, pontua que essas diferenças se dão por quatro fatores principais:

– O levantamento considera apenas a arborização urbana — ou seja, somente vias urbanizadas dentro das cidades. Por isso, como explica, os Estados da Amazônia Legal citados, por mais que tenham mais árvores devido à abundância vegetal da floresta, tiveram tais resultados;

– As cidades da região Centro-Oeste, que apresentam maior presença de arborização urbana, se emanciparam mais recentemente e tiveram um maior crescimento nas últimas décadas, se desenvolvendo “à luz de uma urbanização mais planejada que as cidades da região Norte”;

– Com relação aos Estados com forte presença do agro que apresentam altos índices de arborização, o cenário pode ser atribuído “à economia e riqueza desenvolvida pelo agronegócio que priorizou o planejamento de investimento na arborização e outras infraestruturas nestas cidades considerando, também, a arborização como um recurso de amenidades para o clima quente e mais seco desta região”;

– Por último, ele pontua que “o desmatamento que ocorre no interior e na periferia das cidades da região Norte não acompanha o investimento em infraestrutura arbórea como foi percebido nas cidades da Região Centro-Oeste”.

O Terra acionou os governos do Pará, Acre, Amazonas, Roraima, Maranhão e Amapá em busca de um posicionamento sobre o assunto, por estarem entre os Estados da Amazônia Legal com menores índices de moradores com ruas arborizadas, e aguarda retorno. O espaço será atualizado após resposta.

‘Herança da colonização’

“A gente aprendeu a fazer cidade como sendo um lugar cimentado”, explica a arquiteta e urbanista Maria Ester de Souza, que é professora na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Goiânia. Com isso, ela conta que a situação segue assim pois o “histórico da arborização é o mesmo histórico da colonização”.

Maria Ester pontua que cidades de Estados como Amazonas, Acre, Pará e Roraima, por exemplo, são mais novas – em comparação a Rio de Janeiro, Santos, São Vicente e Salvador, que são da época do dito “descobrimento” do Brasil. “Mesmo essas cidades estando em reservas florestais, estando em locais de muita tradição de árvore – pois nada mais simbólico do que uma cidade na Amazônia –, é da nossa cultura entender que se tem cidade, o que tem é cimento e asfalto. A árvore urbana, como elemento da paisagem, é uma coisa muito recente”, diz.

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Sendo assim, a presença dessa “árvore urbana” nas cidades é uma visão ainda recente no urbanismo – e que se mostra presente, por exemplo, em Goiás, que tem a cidade de Goiânia como um exemplo de cidade de jardim, pontua Maria Ester.

“A cultura de fazer cidade com árvore é uma cultura muito recente. A gente ainda faz cidade com uma cultura do colonizador” — Maria Ester de Souza, arquiteta e urbanista

Justamente para mudar isso, está em construção o Plano Nacional de Arborização Urbana (PlaNAU), pelo Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), que tem como objetivo incentivar a elaboração de planos municipais de arborização pelo Brasil.

Ao Terra, o ministério explicou que foi aberto um processo de construção participativa no início do ano e que, agora, estão em andamento “reuniões bilaterais internas no âmbito do MMA, com o propósito de alinhar e consolidar os resultados obtidos durante o processo participativo”. A previsão é que o lançamento da consulta pública referente ao PlaNAU seja em setembro, durante o 2º Encontro Cidades Verdes Resilientes. Já o lançamento do plano deve acontecer durante a COP30, em novembro.

Para a especialista, um dos pontos principais para melhorar esse cenário, em paralelo à criação dos planos diretores de arborização urbana, é capacitar as prefeituras com equipes para cuidar de árvores. Com um funcionalismo público com biólogos, agrônomos, urbanistas e paisagistas, não formado por leigos.

“A árvore é um ser vivo. Ela nasce, cresce, fica doente, morre, precisa de remédio, precisa de poda, precisa, então, de cuidado. Não é uma coisa que você coloca lá na via pública e só deixa. [É preciso] um manejo que a gente chama de especial, que na natureza não ocorre. No cenário ideal, a gente precisa disso, desse cuidado, dessa estrutura, para cuidar desse vegetal como um ser vivo que ele é”, diz.

‘Qualidade de vida’

Não há de se negar a diferença entre cidades onde o que se sobressai é o cinza do concreto e as que são tomadas pelo verde das árvores. Mas a presença da arborização está longe de ser apenas uma questão de embelezamento urbano.

“A presença de árvores ameniza as ilhas de calor urbanas, melhora a qualidade do ar, oferece proteção hídrica quando aumenta a infiltração de água no solo e reduz o impacto das chuvas, contribui para a manutenção da biodiversidade”, explicou Mercedes Bustamante, professora do departamento de Ecologia da Universidade de Brasília.

É uma questão de qualidade de vida. Segundo ela, as árvores também proporcionam maior convívio social por sua presença nas ruas reduzirem a sensação de insegurança. Além disso, em uma realidade de crise climática afetando, cada vez mais, o dia a dia das cidades, dar a devida atenção à arborização – assim como outras formas de vegetação – é tanto uma estratégia de mitigação quanto de adaptação climática.

Sobre os dados de baixa arborização em cidades da região Amazônica, Mercedes também reconhece ser um indicador de processos de urbanização rápidos e sem o devido planejamento adequado, e que estudos apontam uma desconexão entre as cidades da Amazônia Legal e a floresta ao seu entorno.

“A refundação da cultura amazônica no contexto das populações urbanizadas é um desafio não apenas para os formuladores de políticas ou populações tradicionais, mas para a sociedade em geral, incluindo os moradores das áreas urbanas e das florestas”, acredita.

Quais cidades têm mais ou menos ruas arborizadas?

Além de abrigar a maior metrópole da América Latina, o Estado de São Paulo também é o que reúne mais cidades com maiores percentuais de moradores em ruas com arborização urbana.

O ranking que considera as concentrações urbanas [localidades que reúnem mais de 100 mil habitantes] que vivem em ruas com árvores é liderado por Birigui (98,4%), seguido de Sertãozinho (97,5) e São José do Rio Preto (97,3%), todas no interior paulistano. Depois aparecem Maringá (PR), com 97,2% de moradores em ruas arborizadas; Dourados (MS), com 97,1%, e Londrina (PR), com 96,6%.

Considerando os dados gerais de arborização por Estado, São Paulo aparece acima da média brasileira entre as cidades com 5 ou mais árvores por rua, com 38,4%. Já as cidades com menores percentuais de ruas arborizadas são Brusque (SC), com 22,2%; Barbacena (MG), com 23,1%; e Tubarão-Laguna (SC), com 24,1%.

Entre essas 10 cidades com menos moradores em ruas com árvores, nos Estados amazônicos que se destacam são apenas duas: São Luís (MA), com 33%; e Cametá (PR), com 34,3%.

 


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