Brasil
Câmara aprova projeto sobre punição de políticos acusados de improbidade administrativa
Pelo novo projeto, o agente público só poderá responder por improbidade se for comprovado que agiu com a intenção de cometer uma ilegalidade. Agora o projeto segue para votação no Senado.
Em tempo recorde, os deputados aprovaram um projeto que altera a lei de improbidade administrativa. Procuradores e juristas consideraram o texto um retrocesso no combate à corrupção. Agora o projeto segue para votação no Senado.
A ideia de mudar a lei de improbidade estava parada há quase três anos, mas, na terça-feira (15), o relator do projeto, deputado Carlos Zarattini, do PT de São Paulo, apresentou uma nova versão do texto e, numa rapidez fora dos padrões, o Plenário aprovou a urgência na votação da proposta, o que permitiu a votação nesta quarta-feira (16).
O aval teve o apoio maciço de partidos do centrão. Somente os partidos Novo e PSOL foram contra a urgência.
Pelo novo projeto, o agente público só poderá responder por improbidade se for comprovado que agiu com a intenção de cometer uma ilegalidade.
Atualmente, qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa, ou seja, com ou sem intenção, que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições configura improbidade administrativa.
O novo texto muda o tempo de prescrição do crime: estabelece prazo de oito anos a contar do ato, independentemente do mandato do autor, o que pode levar à prescrição no fim do mandato. Pela lei atual o prazo é de cinco anos, contados a partir do final da gestão do agente público.
Ainda de acordo com o relator do novo projeto, se ao final do julgamento a Justiça considerar que não houve provas de ato de improbidade, o autor da ação, o Ministério Público, pode ser obrigado a ressarcir aqueles que acusou.
No início dos debates, o presidente da Câmara, Arthur Lira, do Progressistas, defendeu as mudanças:
“Ao contrário do que muitos pensam, e podem até falar, a nova lei vai evitar distorções e excessos na sua aplicação, vai colocar limite temporal para dar racionalidade ao processo. A proposta não fere nenhum princípio constitucional, pois outras leis já definem prazos para a apuração de possíveis irregularidades”.
“Agora, vamos separar o joio do trigo. Somente será improbidade quem agir para lesar efetivamente o Estado”, definiu Lira.
O relator, Carlos Zarattini, do PT, disse que como está hoje a legislação afasta pessoas de bem da vida pública.
“São incontáveis os casos de condenação por irregularidades banais, que não favorecem nem prejudicam ninguém, além do próprio agente público punido severamente com multas vultosas e suspensão de direitos políticos. Com isso, as pessoas de bem vão se afastando da vida pública em prejuízo da população”, defendeu Zarattini.
As associações de juízes federais do Brasil e de procuradores afirmam que as mudanças podem gerar impunidade e falta de transparência.
“A sociedade espera cada vez mais transparência, cada vez mais combate à corrupção e cada vez mais combate ao mau uso do dinheiro público. Então, é algo na contramão de tudo o que a sociedade espera e isso gera muita preocupação para todos nós”, ressaltou Eduardo Brandão, presidente da Ajufe.
“O resultado disso é um resultado muito claro: não investiguem. Só investiguem os casos absolutamente grosseiros de improbidade administrativa. Todos os outros devem ficar do jeito que estão”, destacou Ubiratan Cazetta, presidente da ANPR.
O texto-base com as mudanças na lei de improbidade foi aprovado por 408 votos a 67. A proposta passou na Câmara com apoio maciço de partidos de todas as alas ideológicas. Votaram a favor 17 partidos e apenas três contra: Podemos, PSOL e Novo.
Em Editorial nesta quinta-feira, 17/06, o jornal O Globo defende que muitas das alterações aprovadas ontem na Câmara são justificáveis. É o caso da principal mudança: a exigência de que se comprove o “dolo”, ou a intenção expressa, do agente público para condená-lo. Mesmo que possa tornar mais difícil a aplicação nos casos menos explícitos de desvios, é uma mudança importante por evitar o abuso da legislação para punir o que, na verdade, pode não passar de erros administrativos.
Da forma como vem sendo aplicada, a Lei de Improbidade tem funcionado para inibir os bons profissionais de tomar parte na gestão pública, onde se veem sob constante ameaça de processos. Mais que isso, os gestores evitam adotar práticas inovadoras, por medo de que depois sejam condenadas nos tribunais. É importante que tenham o direito a ousar e a errar, sobretudo em momentos de emergência que exigem decisões urgentes, como a atual crise sanitária.
É preciso, porém, que as mudanças não inibam o combate à corrupção. É bem-vinda a inclusão, pela nova lei, do nepotismo entre os atos sujeitos a punição. Também é positivo o agravamento da pena máxima de suspensão de direitos políticos. Só faltou estabelecer as penas mínimas aos condenados. O Senado terá a obrigação de examinar essa e outras ressalvas.
Na versão final do texto, o próprio relator retirou a brecha para que os inocentados cobrassem indenização dos investigadores. Tratava-se de incentivo absurdo a que não se investigasse nada. Se é verdade que gestores não devem ser punidos por erros inocentes, continua a ser dever do Ministério Público denunciar indícios de crime, mesmo que a apuração posterior inocente os acusados. Como os gestores, procuradores também não podem ser penalizados apenas por errar.
Outra mudança adequada no texto foi a manutenção da possibilidade, ainda que excepcional, de punição com perda de mandato se o condenado não estiver mais no cargo em que cometeu os crimes. Nesse quesito, um dos primeiros beneficiados pela nova lei seria o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), condenado em dois processos por improbidade quando deputado estadual.
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