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Após pico da dengue, Brasil ainda falha em vacinação e controle de mosquito, dizem cientistas

Sul e Sudeste registram o maior número de casos. Quatro dos sete estados com maior incidência em 2025 estão nessas regiões, com São Paulo (680.316) na liderança.

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Após enfrentar a maior epidemia de dengue em 2024, o Brasil teve queda nos casos e mortes este ano. Mas os números continuam altos: foram quase 1,2 milhão de casos e 805 mortes. Embora a vacina seja a “bala de prata” contra a dengue, ela não combate outras doenças transmitidas pelo mesmo mosquito.

Casos e mortes por dengue diminuíram em 2025. A queda foi de 75% nos casos e de 83% nos óbitos até 29 de março, em relação ao mesmo período de 2024, ano da maior epidemia em 40 anos, com mais de 6 milhões de casos e mortes acima de 6.000.

Mas os testes positivos têm aumentado. A positividade foi de 28,9% entre 16 e 22 de março, uma taxa recorde desde maio de 2024 e próxima à de 29,5% registrada no mesmo período do ano passado. Os dados da Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica) são de exames da rede privada.

“O número de testes realizados este ano foi menor, mas, nessa população, uma quantidade maior está sendo positiva”, diz Alex Galoro, patologista clínico e líder do Comitê Técnico de Análises Clínicas da Abramed.

Crescimento é observado desde o começo de março. O ITpS (Instituto Todos pela Saúde) analisa dados de oito laboratórios parceiros e indica tendência de alta: a positividade subiu de 14% no começo do mês para 22% na semana encerrada no dia 14.

“Não dá para dizer que é normal, mas é o perfil sazonal da doença, o período em que ela geralmente aumenta. Entre final de abril e início de maio é quando a distribuição temporal alcança o pico e dali começa a diminuir”, diz Vanderson Sampaio, diretor-presidente interino do ITpS e doutor em medicina tropical pela UEA (Universidade do Estado do Amazonas).

Sul e Sudeste registram o maior número de casos. Quatro dos sete estados com maior incidência em 2025 estão nessas regiões, com São Paulo (680.316) na liderança. Roraima tem o menor número de casos (202), conforme o painel de arboviroses do Ministério da Saúde, com dados até 3 de maio.

Em São Paulo, doença varia e letalidade preocupa. Os municípios ao norte do estado têm maior incidência, com São José do Rio Preto registrando mais de 43 mil casos e 38 mortes, segundo dados do governo estadual. Das 805 mortes por dengue no Brasil, 71% (568) foram em São Paulo, com uma taxa de letalidade de 4,5% entre os casos graves.

Concentração de casos mudou. Sampaio lembra que, no ano passado, os números foram mais altos no Centro-Oeste, puxados pelo Distrito Federal. Neste ano, Goiás e Mato Grosso aparecem entre os sete mais afetados.

“O óbito por dengue é evitável, porque os sinais de alarme da doença são muito claros. Ao contrário do que se pensava anos atrás, não é o sangramento, que já é uma fase mais avançada. O indivíduo deve procurar a unidade de saúde imediatamente quando percebe febre alta e as petéquias (pontos vermelhos) no corpo”, afirma Vanderson Sampaio, diretor do ITpS.

No gráfico abaixo, 2024 se destaca pelo alto número de casos. Na última semana de abril do ano passado, o país tinha registrado mais de 334 mil notificações da doença, ante as 31.788 no mesmo período deste ano. Os dados consideram o mês aproximado de ocorrência dos casos.

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O que explica a situação

Aumento da temperatura média no Sul e Sudeste influencia na biologia do vetor e do vírus. “O ciclo do mosquito acelera, ele nasce e cresce mais rápido, e o ciclo do vírus dentro do mosquito se acelera também. Então vamos ter mais mosquitos e mais infectados”, explica o diretor do ITpS.

Quem nunca teve contato com a doença está mais suscetível. Antes, as regiões Sul e Sudeste, por terem temperaturas mais amenas, eram menos favoráveis ao mosquito, e a população teve menos exposição às epidemias. Agora, estão mais propensas a desenvolver dengue.

Sorotipo 3 da dengue ressurgiu após 17 anos. “Quando você muda o tipo de dengue, o risco de você ter febre hemorrágica é muito maior”, diz o médico sanitarista Gonzalo Vecina. Ao mesmo tempo, os sorotipos que circularam no ano passado são os mesmos deste ano, o que confere certa proteção e explica, em partes, a redução de casos.

Diretriz federal não contempla todos os cenários. O manejo clínico é padrão, mas os municípios têm autonomia para implementar ações de combate, considerando suas necessidades de enfrentamento. “Cada um vai se adequando de acordo com sua realidade —a sazonalidade da dengue é diferente de região para região”, diz Hisham Hamida, presidente do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde). Saneamento, temperatura, troca de gestão e até grau de escolaridade são variáveis no desenvolvimento de estratégias.

O que foi feito até agora

Ministério da Saúde anunciou novas ações de combate à dengue. A pasta elegeu os 80 municípios mais críticos para atender com até 150 centros de hidratação de até cem leitos cada, num investimento de R$ 300 milhões.

Diminuir casos e evitar internação. O objetivo é reduzir casos graves e evitar internações e mortes. A reportagem do site UOL pediu mais detalhes à pasta sobre vacinação, manejo clínico e combate ao mosquito, mas não teve retorno. Se houver, o texto será atualizado.

Municípios têm estratégias próprias. No começo de abril, a cidade gaúcha de Viamão montou um hospital de campanha com 30 leitos e teve apoio do Exército nas ações de pulverização, varredura e eliminação de focos. Em fevereiro, São José do Rio Preto abriu um centro de hidratação com cem leitos.

Hamida diz que o surto de 2024 mobilizou os governos para um trabalho mais intenso. Há municípios que adotam mosquitos geneticamente modificados para reduzir o número de infecções, ou ainda peixes, conhecidos como barrigudinhos, para comer as larvas do mosquito.

Ele diz que 80% dos focos do vetor estão nas residências. “O desafio maior é conscientizar a população para eliminar os criadouros de dentro de casa, no seu quintal”, completa.

O que falta

Ampliar vacinação é o principal foco. Incorporado ao SUS em 2024, o imunizante em duas doses teve baixa procura após um ano, com público-alvo limitado. Está disponível para pessoas de 10 a 14 anos, mas há exceções conforme validade das doses:

-Validade de dois meses: doses podem ser remanejadas para municípios ainda não contemplados pela vacinação ou ser aplicadas em pessoas de 6 a 16 anos.
-Validade de um mês: pode ser aplicada em pessoas de 4 a 59 anos, 11 meses e 29 dias de idade, conforme indicado na bula.

Aprovação de uma vacina nacional. Produzido pelo Instituto Butantan, o imunizante de dose única está em análise pela Anvisa. “Por isso, tenho tanta esperança na vacina, porque ela pode trazer uma ferramenta a mais que, adicionada a todas as outras, pode chegar a um sucesso de controle melhor”, disse o diretor do instituto, Esper Kallás, em entrevista anterior a VivaBem.

Incrementar estratégias já conhecidas. A vacina ajuda na redução da dengue, mas o Aedes aegypti também transmite outras doenças preocupantes: zika, chikungunya e febre amarela. Por isso, é importante investir em novas tecnologias, que incluem infectar o mosquito com a bactéria Wolbachia para reduzir sua capacidade de transmitir doenças ou modificá-lo para que se torne estéril.

Armadilhas com hormônios. Há também armadilhas de água com um hormônio que, espalhadas pelas cidades, impedem a evolução dos ovos. Mas são estratégias recentes, de logística complexa e caras.

Investir em testes diagnósticos. Os sintomas da dengue são parecidos com os de outras doenças, então identificar corretamente desde o início orienta o tratamento correto. Uma possibilidade é o diagnóstico simultâneo, em que se identifica zika, dengue e chikungunya em um único teste.

“A dengue é com certeza a mais prevalente e a mais importante, mas também foi visto um aumento de casos de chikungunya neste ano”, informou Alex Galoro, patologista clínico e líder do Comitê Técnico de Análises Clínicas da Abramed. “Capacitar e treinar equipes para melhorar o manejo clínico. Não só profissionais da saúde, mas da limpeza e segurança que atuam em unidades de saúde devem ser instruídos para conduzir o paciente. Reduzir número de óbitos também passa por acompanhar de perto os casos graves e os grupos de risco”, finalizou.


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