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Afastamentos no trabalho por saúde mental crescem 134% em dois anos no Brasil, aponta Ministério

Especialistas explicam como identificar os primeiros sinais e qual é o momento certo para buscar ajuda.

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O Brasil enfrenta uma crise de saúde mental. Segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT), o número de afastamentos relacionados a transtornos mentais no mercado de trabalho aumentou 134% entre 2022 e 2024. Especialistas explicam como identificar os primeiros sinais e qual é o momento certo para buscar ajuda.

O psicólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Matheus Karounis afirma que a sobrecarga de trabalho e as demandas excessivas impostas aos funcionários são os principais fatores que contribuem para o adoecimento mental.

“Quando o colaborador se vê sobrecarregado com tarefas e prazos irrealistas, isso gera um estresse crônico que pode desencadear problemas de saúde”, diz.

“Outro aspecto relevante é a falta de autonomia e controle que o trabalhador possui sobre suas próprias atividades. Quando não há margem para decisão e adaptação das tarefas, isso impacta negativamente o bem-estar psicológico”, explica.

Esse foi o caso de Mariana Alves, de 30 anos, que sofreu Burnout enquanto atuava como líder de loja. Ela, que preferiu não identificar a empresa, pediu demissão em janeiro deste ano.

“Minha rotina era muito desgastante. Eu trabalhava como líder de loja, como se fosse gerente. Então a gente faz de tudo. Se eu chegasse mais cedo, por exemplo, eu já chegava trabalhando. Não esperava dar meu horário”, conta. “Conferir caixa, fazer depósito, coordenar equipe, ver o que faltava para repor, atender, servir, ligar para o técnico, colocar o pessoal pra almoçar… Era uma cobrança em cima da outra.”

Mariana conta que trabalhou no local por quase três anos até pedir demissão no início de 2025. “Se me pedissem para dobrar, eu dobrava. Se me pedissem para chegar cedo, eu chegava. Se me pedissem para ir na minha folga, eu ia. Se me pedissem para ficar até mais tarde, eu ficava. Não tinha dia, não tinha hora, não tinha nada”, lembra.

Ela também diz que ficou surpresa ao receber o diagnóstico de Burnout. “Eu não sabia o que era. Literalmente travei. Escutava vozes, as pessoas me chamando, mas eu não conseguia me mover. Teve uma vez em que eu travei e não conseguia falar, como se eu fosse uma estátua”, diz.

Cirlene Luiza Zimmermann, coordenadora da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, informa que a pesquisa do MPT considerou todos os benefícios concedidos pelo INSS com CID F (Transtornos Mentais e Comportamentais).

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“A pesquisa considera apenas os afastamentos superiores a 15 dias, pois somente esses geram a possibilidade de acessar benefícios previdenciários”, explica. “Ela abrange todos os trabalhadores que são segurados do INSS, logo, não alcança os informais, servidores públicos vinculados a regimes próprios de previdência, como militares”, esclarece.

A coordenadora aponta que os setores econômicos mais afetados por afastamentos por motivos de saúde mental foram, segundo a pesquisa, respectivamente: administração pública em geral (14,9%), bancos múltiplos com carteira comercial (14,8%), atividades de atendimento hospitalar (8,9%) e transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal e em região metropolitana (7,63%).

Procurado pelo site O Dia , o Ministério da Previdência Social compartilhou dados sobre a concessão de benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) referentes a transtornos mentais e comportamentais da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.

A reportagem do site O Dia também procurou o Ministério do Trabalho, que informou planejar iniciativas relacionadas a problemas que envolvem saúde mental.

“Estão sendo planejadas, através da Coordenação Nacional de Fiscalização de Riscos Psicossociais, várias ações/atividades voltadas para a prevenção e combate aos riscos psicossociais. Exemplos: atividades de capacitação, divulgação da Cartilha Amarela (Cartilha de Prevenção e Combate ao Assédio, a outras formas de Violências e ao Suicídio Relacionado ao Trabalho), realização de seminário, diálogo com outras instituições e ações nacionais voltadas para a fiscalização dos riscos psicossociais”, disse a pasta por meio de nota.

Ainda de acordo com a pasta, a partir de 26 de maio de 2026, a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) passará a incluir expressamente os fatores de risco psicossociais no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), conforme estabelecido na Portaria MTE nº 1.419/2024.

A reportagem entrou em contato com a Associação Brasileira de Psiquiatria, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

Como identificar o problema

De acordo com o psicólogo Matheus Karounis, o trabalhador precisa ficar atento a mudanças no comportamento e no estado emocional, pois esses podem ser os primeiros sinais de alerta.

“Alguns dos principais indicadores são a fadiga crônica, o cansaço excessivo mesmo após períodos de descanso, a dificuldade de concentração, o esquecimento e a queda no desempenho profissional”, explica.

O professor da PUC-Rio também aponta que alterações de humor, como irritabilidade, tristeza e ansiedade, assim como distúrbios do sono, como insônia ou sonolência excessiva, podem sinalizar a presença de problemas psicológicos. Queixas físicas, como dores de cabeça e problemas musculares ou gastrointestinais, também podem estar relacionadas.

“Quando o indivíduo perceber essas mudanças em si, é fundamental que ele fique atento e procure ajuda profissional, pois quanto mais cedo o problema for identificado e tratado, melhores serão as chances de recuperação”, afirma.

Esse foi o caso do publicitário Matheus de Freitas, de 30 anos, que teve crises de pânico e ansiedade e precisou se afastar do trabalho duas vezes: a primeira durante a pandemia e a segunda no início de 2024:

“Eu comecei a me sentir estranho quando não estava fazendo nada. Quando eu relaxava, terminava um trabalho e ia almoçar, sentia falta de ar, tontura, dor de cabeça e uma sensação de perigo”, conta. “Foi aí que eu percebi que já não estava em meu estado natural. Meu erro foi não ter tratado logo no início. Na época optei por ignorar e seguir como se nada tivesse acontecendo. Só procurei ajuda após minha primeira crise de pânico.”

Da primeira vez, Matheus lembra que trabalhava com um amigo por conta própria, em home office. Já na segunda, ele estava atuando em uma agência de marketing. “De início, eles entenderam. Conversei com eles e nem foi preciso atestado médico. Mas, pouco tempo depois, fui desligado. Uma das alegações era de que ‘eles queriam alguém que fosse mais presente’ no modelo presencial.”

Matheus também destaca que ter acompanhamento médico foi fundamental para retomar o equilíbrio emocional:
“Depois das primeiras crises de pânico, fui para a emergência, fiz tratamento com psiquiatra e psicóloga. Mantive o tratamento até não precisar mais tomar remédio. Hoje, eu parei com os tratamentos, mas levo uma vida mais saudável, sou mais atento aos meus limites e ao meu bem-estar. E pretendo voltar à terapia assim que possível.”

O que fazer?

Ao perceber que algo não vai bem com a saúde mental, o psicólogo Karounis diz que é necessário tomar algumas iniciativas imediatas.
“O primeiro passo é buscar ajuda profissional, procurando um psicólogo, psiquiatra ou médico do trabalho para uma avaliação aprofundada e a definição de um plano de tratamento adequado”, pontua.

A especialista em processos de produtos digitais, de 28 anos, que preferiu não se identificar, conta que, embora a depressão não tenha sido causada pelo trabalho, a psicóloga orientou que ela se afastasse do cargo.

“Na minha consulta com a psiquiatra, que já me acompanhava por outras questões, ela conversou comigo e me pediu para pausar por um tempo, a fim de descansar a cabeça e tentar passar um período me colocando como principal compromisso. Eu resisti, falei que não queria e que tinha receio de me afastar por tanto tempo. A médica, então, explicou a importância da pausa, dizendo que se eu quebrasse a perna talvez não ficasse tão receosa como estava no momento, e me incentivou”, recorda.

Apesar do receio de se afastar, ela afirma que a gestora entendeu a situação. “Chamei a gestora para conversar e abri o jogo com ela. Lembro de ter ido com bastante receio, mas ela foi muito compreensiva. Disse que a saúde mental era muito importante e que eu poderia me afastar em paz, sem a preocupação de que aquilo seria malvisto”, lembra.

Essa é uma etapa fundamental, explica Karounis: “É importante que o colaborador comunique, se possível de forma aberta e honesta, à sua chefia sobre o que está passando. Essa conversa pode ajudar a obter o apoio necessário e eventuais adaptações nas atividades e na rotina de trabalho.”

Karounis também orienta que o trabalhador adote estratégias de autocuidado, como a prática regular de atividades físicas, técnicas de relaxamento, alimentação saudável e sono adequado. “Estabelecer limites e prioridades também é essencial, aprendendo a dizer ‘não’ a demandas excessivas e delegando tarefas quando possível.”


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