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Amazonas

Investigações sobre comércio ilegal de madeira na Amazônia revelam pressão de deputado federal Átila Lins (PP-AM) para beneficiar madeireiras

Parlamentar cobrou veementemente o então superintendente do Ibama no Amazonas, José Barroso Leland, para reabrir serrarias fechadas; Leland chegou ameaçar um fiscal do órgão que investigava esquema de madeireiras.

Investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre o comércio ilegal de madeira na Amazônia mostram a pressão de um deputado federal para reabrir serrarias fechadas e ameaças a um fiscal do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que atuou para desmantelar o esquema. As investigações fazem parte da operação Arquimedes I e II, conduzidas pela PF e pelo MPF. As informações são do jornal O Globo.

A operação Arquimedes foi deflagrada entre 2017 e 2019 no Amazonas. Policiais e procuradores desmantelaram um esquema envolvendo empresários e agentes públicos para “esquentar” madeira extraída de áreas irregulares e vendê-la no mercado interno e externo como se fosse produto legal a partir da adulteração dos documentos de origem florestal (DOFs). Ao todo, 61 empresas são investigadas e pelo menos 22 pessoas já foram denunciadas.

Documentos da investigação obtidos pelo Globo mostram que, ao longo das investigações, os policiais identificaram a existência de um núcleo integrado pelo então superintendente do Ibama no Amazonas José Barroso Leland. Ele é réu em dois processos da operação Arquimedes: um por crimes contra a flora e outro por porte ilegal de arma.

Leland é apontado pelo MPF como um dos principais participantes do esquema, encarregado de proteger empresários que vendiam madeira clandestina. Ele é alvo de duas denúncias por crimes como peculato, embaraço a investigação envolvendo organização criminosa, posse ilegal de arma de fogo e lavagem de dinheiro.

Ao analisarem o conteúdo do telefone dele, os investigadores encontraram trocas de mensagens entre ele e o deputado federal Átila Lins (PP-AM) nas quais o parlamentar pressionava Leland para reabrir serrarias que haviam sido fechadas por fiscais do Ibama semanas antes. O conteúdo das conversas será reproduzido de acordo com a transcrição feita pelas autoridades mantendo eventuais erros gramaticais.

Às 8h25 do dia 20 de dezembro de 2018, Átila Lins envia um link para uma notícia publicada pela mídia local na qual ele afirma que 95% das serrarias do município de Manacapuru seriam reabertas naquele dia.

“Conforme combinamos, mandei divulgar assim”, disse Átila Lins a Leland. “Estou trabalhando para isso e dependendo da internet e de alguns análises técnico ainda não disponíveis”, respondeu Leland ao deputado, que, insatisfeito, responde: “Eles estão ansiosos que seja resolvido. Vai dar certo, pra quando chegar amanhã esteja tudo ok”, disse o parlamentar.

De noite, às 19h05, Átila Lins volta a cobrar Leland. “E aí Leland deu ora (pra) reabrir alguma coisa em Manacapuru”, indaga o deputado.

No dia seguinte, após quase 24 horas sem Leland responder, Átila Lins volta a cobrá-lo. Às 6h42, ele manda nova mensagem. “Alguma novidade Leland?”, pergunta o deputado.

Diante do silêncio de Leland, Átila volta a procurá-lo. Às 14h03, o deputado manda nova mensagem. “Leland To indo a Manacapuru. Alguma notícia?”, disse.

Meia hora depois, mais cobranças. “O que vou dizer dizer lá”, pergunta o parlamentar. No dia seguinte, às 11h59, mais uma mensagem. “O que houve Leland? Não me deu mais notícias”, afirmou o parlamentar.

Somente no dia seguinte, 24 de dezembro, é que Leland responde dando ao deputado uma espécie de “relatório” sobre suas atividades e indicando que havia se esforçado para atender a demanda do parlamentar.

“Bom dia deputado, fiquei fora de Manaus sem internet. Sexta feira fiz o desbloqueio de duas industrias. Estou trabalhando firme para concluir. No entanto, tem algumas em situação complicada. Votos de un bom natal, lhe manterei informado”, disse Leland.

Apesar das mensagens, Átila Lins não foi denunciado pelo MPF. Segundo o MPF, o fato de pessoas citadas nas investigações ainda não terem sido denunciadas não significa que o caso em relação a elas tenha sido arquivado e ainda há a possibilidade de os procuradores fazerem aditamentos à denúncia em curso.

O Globo também tentou contato com o deputado Átila Lins, mas ele não atendeu às ligações e nem respondeu às mensagens de texto enviadas.

‘Quando morrer, vai ficar tudo igual’

Os documentos também mostram que um dos fiscais que deu início à operação que desarticulou o esquema foi alvo de ameaças pelo ex-superintendente do Ibama. O fiscal é Hugo Ferreira Loss, que entre 2017 e 2019 atuou no Amazonas. Segundo as investigações, em 2017, o Ibama foi informado pela Polícia Federal sobre um enorme carregamento de madeira supostamente ilegal prestes a ser embarcado em um porto de Manaus.

A chefia do setor de fiscalização do Ibama em Brasília (DF) determinou que uma equipe de Manaus, da qual Loss fazia parte, fosse ao local verificar a situação. De acordo com os documentos obtidos pelo Globo, Leland contrariou a ordem que partiu de Brasília e determinou que Loss e sua equipe deixassem o local sob a justificativa de que a carga deveria ser fiscalizada pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), o equivalente ao Ibama do estado do Amazonas.

De acordo com as investigações, um cunhado de Leland o teria ameaçado de morte dizendo: “quando morrer, vai ficar tudo igual”.

Ainda de acordo com os documentos, o então superintendente teria tentado pressionar o fiscal dizendo em uma reunião que, em razão da quantidade de ações movidas pelas madeireiras autuadas contra o Ibama, a Advocacia Geral da União (AGU) poderia acionar Loss judicialmente.

Na avaliação do MPF, as ações de Leland tinham o objetivo de “intimidar” o fiscal.

“Face o conteúdo das declarações do Superintendente do IBAMA/AM, é claro que sua ação foi uma nova forma de intimidar o servidor”, diz um trecho da denúncia feita pelo MPF.

O caso ainda está tramitando na Justiça Federal do Amazonas.

Em meio às ameaças, Loss acabou transferido para Brasília, onde passou a chefiar a coordenação nacional de operações de fiscalização. Em abril de 2020, no entanto, ele acabou exonerado do cargo após uma série de fiscalizações contra garimpos clandestinos em terras indígenas.

Procurado, Leland enviou uma nota por meio de sua defesa. Na nota, Leland nega envolvimento em qualquer crime investigado pela operação Arquimedes.

“Não aceito nenhuma das acusações. Primeiro porque não cometi crime algum; depois porque o relatório final do Inquérito conduzido pela Polícia Federal […] recomendou o arquivamento da investigação em relação a mim”, afirmou Leland em nota.

Um dos procuradores responsáveis pelo caso, Leonardo Galiano, disse que o MPF pode contrariar o entendimento da PF ao oferecer denúncias.

Leland também nega ter ameaçado Hugo Loss. “Nunca o ameacei”, disse.

Leland disse que, em depoimento à Justiça, Loss teria negado que sofreu ameaças. A reportagem pediu à defesa cópia do depoimento, mas o documento não foi fornecido.

No sistema da Justiça Federal do Amazonas, onde o caso tramita, a íntegra do depoimento não está disponível. Há, no entanto, uma ata da audiência que mostra que a defesa de Leland tentou contestar o depoimento de Loss alegando que teria sido ele o responsável por ameaças ao ex-chefe. O pedido não foi aceito pela juíza do caso.

Sobre as conversas com o deputado Átila Lins, o ex-superintendente do Ibama afirmou que seu diálogo com o parlamentar foi meramente “institucional”.

“A conversa entre mim e o Deputado foi institucional. As madeireiras que retornaram ao trabalho o fizeram porque se encontravam em situação regular”, disse.

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