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Amazonas

Cientistas citam Yanomamis como indígenas com pior déficit nutricional da América

São 570 mortes de crianças da etnia causadas pela fome nos últimos quatro anos. Segundo os pesquisadores, há uma relação direta entre o desmatamento no território e a desnutrição infantil.

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Cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) recorreram à revista internacional Nature Medicine para pedir ações estratégicas urgentes contra a má nutrição da população da Terra Indígena Yanomami.

A publicação detalha que, atualmente, as crianças da Terra Indígena Yanomami enfrentam o pior déficit nutricional entre os povos indígenas da América, com 570 mortes de crianças da etnia causadas pela fome nos últimos quatro anos.

Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem quase 10 milhões de hectares entre os estados de Roraima e Amazonas, e parte da Venezuela. Cerca de 30 mil indígenas vivem na região em mais de 370 comunidades.

Segundo os pesquisadores, há uma relação direta entre o desmatamento no território e a desnutrição infantil. Ainda assim, a desaceleração nos índices de desmatamento na área Yanomami não foi suficiente para conter impactos a longo prazo na nutrição da população.

“Em determinadas populações que têm uma condição de vida muito específica, como são os indígenas, qualquer influência no processo de alimentação tem repercussões ou complicações a médio e longo prazo muito mais intensas e graves”, detalha Everardo Magalhães Carneiro, professor do Instituto de Biologia e um dos autores do artigo.

Estudando a repercussão da falta de nutrientes em diversas fases da vida há mais de 30 anos, a equipe do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC, na sigla em inglês) alerta que os impactos da má nutrição na saúde podem ser sentidos décadas após a saída da situação de vulnerabilidade e, portanto, “a sobrevida dessa população pode estar totalmente sob risco”, diz o professor.

No artigo, os pesquisadores do OCRC chamam a atenção para a necessidade de antecipar e mitigar os efeitos a longo prazo da falta de nutrientes para essa população por meio de:

-estímulos a pesquisas em universidades e institutos pelo mundo sobre os efeitos da desnutrição nos Yanomami, assim como opções de tratamentos;
-estratégias nutricionais planejadas e adaptadas à cultura local;
-ênfase na importância do consumo de alimentos saudáveis e não processados;
-fortalecimento da proteção territorial;
-e segurança alimentar.

Para os cientistas, a prevenção de novos casos de desnutrição no território requer a regulamentação e supervisão da mineração; restrições à exploração de recursos naturais; compensação socioambiental; e políticas para resguardar os direitos das áreas indígenas.

“O mais importante de tudo isso, na minha concepção, é fazer uma devastação não na floresta, mas nos garimpos que estão lá, além da reconstituição mais precoce possível do meio ambiente porque, a partir disso, eles [Yanomami] vão conseguir pelo menos amenizar esses problemas futuros”, destaca Carneiro.

Efeitos

Entre os principais efeitos da escassez de nutrientes em pessoas reabilitadas estão:

-alterações na estrutura e fisiologia do trato respiratório;
-danos ao fígado e à função biliar;
-intolerância à glucose e diminuição da secreção de insulina;
-maior depósito de gordura e ganho de peso;
-alterações na microbiota intestinal;
-tamanho cerebral reduzido e envelhecimento prematuro;
-alterações em vasos sanguíneos;
-redução das respostas imunes celulares e humorais.

‘Sensibilizar a comunidade’

Para o professor, o principal objetivo da publicação é “sensibilizar toda a comunidade”, dentro e fora do país, sobre as questões que cercam os Yanomami, incluindo cientistas, empresários direta ou indiretamente incluídos no processo, a população e o poder público.

“Precisamos ter medidas a médio e longo prazo para acompanhar essas crianças, essas pessoas, e ver momento em que podemos ter alguma intervenção que pode, pelo menos, proteger essa população ou reduzir os impactos que isso [desnutrição] vai causar lá na frente”, destaca.

Terra Yanomami

A área é alvo do garimpo ilegal de ouro desde a década de 1980. Mas, nos últimos anos, essa busca pelo minério se intensificou, causando além de conflitos armados, a degradação da floresta e ameaça a saúde dos indígenas.

Desde janeiro do ano passado, o território está em emergência sanitária na saúde. A medida foi decretada pelo governo federal para levar atendimento de saúde aos indígenas e também para retirar garimpeiros da região.

A invasão garimpeira causa a contaminação dos rios e degradação da floresta, o que reflete na saúde dos Yanomami, principalmente crianças, que enfrentam a desnutrição por conta do escasseamento dos alimentos.

Mesmo com o enfrentamento, um ano após o governo decretar emergência, o garimpo ilegal e a crise humanitária permanecem na região.

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) estima que cerca de sete mil garimpeiros ilegais continuam em atividade no território. O número de invasores diminuiu 65% em um ano, se comparado ao início das operações do governo federal, quando havia 20 mil invasores no território.