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Amazonas

Abin alertou Bolsonaro sobre crise do oxigênio em Manaus meses antes de tragédia

Documentos do órgão mostram que governo foi avisado sobre riscos da Covid-19 no Amazonas, mas ignorou alertas; relatório vem a público cinco anos depois.

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Manaus foi uma das cidades mais atingidas pelo colapso sanitário no Brasil durante a pandemia de Covid-19, mas a situação poderia ter sido evitada, pois a crise havia sido antecipada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). É o que revelam documentos tornados públicos apenas este ano, sem alarde, nos quais a Agência relata os bastidores de sua atuação entre 2020 e 2021.

Os arquivos da Abin descrevem o avanço da doença na capital do Amazonas, a explosão das mortes, a falta de testes e o colapso do sistema funerário. Mais do que isso: indicam que a agência alertou com antecedência sobre a iminente falta de oxigênio e o risco de contágio em territórios indígenas devido ao garimpo ilegal. Nada foi feito. Em um briefing interno datado de 11 de maio de 2020, um trecho chama atenção:

“O trânsito de pessoas em função do garimpo rompe a barreira de isolamento relativo que tem sido responsável por proteger essas populações ou, ao menos, por retardar a disseminação da infecção”.

Relatórios da Abin contestavam versão oficial

A análise previa ainda que o sistema de saúde entraria em colapso. Na época, o Amazonas já figurava entre os estados com maior número de mortes proporcionais por Covid. O documento registra com precisão a escalada da crise. A revelação mais contundente parte do depoimento anônimo de um agente da Abin revelado pelo jornalista Jamil Chade. O servidor descreveu como os relatórios da superintendência regional divergiam da versão oficial propagada pelo governo Bolsonaro.

“A realidade que relatávamos nos documentos não se alinhava com um discurso que defendia que as notícias que saíam na mídia sobre Manaus eram exageradas. Só que não eram. Pelo contrário: o que a imprensa mostrou foi pouco perto do que aconteceu de verdade”.

Segundo o agente, os primeiros indícios da gravidade da nova doença surgiram antes mesmo das primeiras determinações da sede em Brasília. O alarme soou em dezembro de 2019, durante uma visita protocolar ao consulado do Japão na capital amazonense. Pouco depois, o caos se instalaria. Com a escalada das mortes, a agência passou a monitorar funerárias, comparar registros com os anos anteriores e identificar a subnotificação oficial.

“Durante a pandemia, chegaram a morrer 167 pessoas por dia no pico da crise em 2020. Os dados oficiais falavam em cerca de 50 mortes. Sabíamos que era muito mais”

Segundo ele, só eram contabilizadas oficialmente as mortes com teste positivo para Covid-19, o que, num cenário de escassez de exames, excluía a maioria dos casos. As estatísticas reais, conclui o agente, estavam subnotificadas. “Não tinha teste para todo mundo. Só uma porcentagem dos mortos era de fato testada, e só essa parte entrava na estatística. E a gente sabia que era muito mais, porque a gente via o que estava acontecendo na cidade, as filas no cemitério, as filas no hospital, gente morrendo, caindo na calçada na frente do hospital”, disse.

O agente afirma ainda que parte da pressão vinha do clima político da época. O prefeito de Manaus, David Almeida, fazia oposição a Jair Bolsonaro, e suas críticas à condução da crise contrastavam com o negacionismo do Planalto. Havia, segundo ele, uma tentativa de minimizar os danos à imagem do governo federal — mesmo diante de covas coletivas e filas de caixões.

“Questionava-se a existência de covas coletivas. Mas elas existiram. Nós confirmamos. A imprensa registrou. Não havia como negar”

“Fizemos um relatório, em abril de 2020, falando sobre gases medicinais. Nesse documento já alertávamos que, no caso de uma demanda exponencial, poderia faltar nas pontas das cadeias logísticas. Foi exatamente o que aconteceu em Manaus alguns meses depois. É triste porque era uma coisa que poderia ter sido evitada. Foi uma tragédia anunciada”, contou.


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