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Brasil

40% das áreas da Amazônia estão sendo negligenciadas por pesquisas em ecologia, aponta estudo do CNPq

Para cientistas, transporte e proximidade a grandes cidades e centros de pesquisa estão entre os principais influenciadores da escolha de áreas para pesquisa

A Floresta Amazônica exibe uma teleconexão significativa com outros elementos de ruptura, diz a pesquisa. (Foto: Michael Dantas).

Em uma região do tamanho da Amazônia Brasileira, é normal ter áreas de floresta investigadas por muitas pesquisas e outras que quase não são o foco de cientistas. Entretanto, um estudo publicado hoje na Current biology pelo projeto Synergize, do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos do CNPq, mostrou que essa distribuição é muito desigual. Partindo de informações de 7.694 pontos de coletas ecológicas padronizadas e somando critérios que podem influenciar a escolha do local de coleta, os cientistas criaram um modelo que estimou a probabilidade de pesquisa para todo o território. As informações são do O Eco.

Foi identificado que mais da metade das terras firmes e cerca de um quarto dos ambientes aquáticos e um sexto das florestas alagáveis da Amazônia têm uma probabilidade quase nula de ser foco de pesquisas com coletas padronizadas de organismos.

Fatores logísticos, como presença de meios de transporte e distância em relação a grandes cidades e centros de pesquisa, estão entre os principais influenciadores da escolha. De acordo com o modelo, cerca de 15% das áreas com menor probabilidade de pesquisa estão sujeitas a sofrer severas alterações até 2050, por conta das mudanças climáticas ou outras formas de degradação impostas pelas pessoas à natureza.

Além da perda da biodiversidade e dos benefícios propiciados por ela para as pessoas, também estamos perdendo a chance de entender como os organismos destes ecossistemas estão respondendo às mudanças climáticas e à degradação ambiental. “Para entender como a biodiversidade da Amazônia vai responder [às mudanças], precisamos entender como ela está organizada hoje. Assim, no futuro, quando alguma mudança acontecer, vamos ter com o quê comparar”, explica Mario Moura, autor do artigo e especialista em lacunas de conhecimento sobre biodiversidade. “Precisamos falar de um antes e um depois, e nesse momento a gente não sabe nenhum dos dois: o depois já está chegando e o antes ainda não foi construído”, lamenta Moura, que é professor visitante da Unicamp (Universidade de Campinas).

As pesquisas sobre comunidades ecológicas envolvem o estudo de grupos de espécies, por exemplo formigas de uma determinada área. Para estudá-las, é necessário que o pesquisador vá até a região desejada e realize coletas seguindo padrões pré-definidos para poder estimar a diversidade de espécies e fazer comparações, com outras áreas ou ao longo do tempo.

O deslocamento até o local de coleta representa um custo de tempo e dinheiro, que precisa ser incluído no orçamento do projeto. Na Amazônia, essas cifras podem ser tão altas quanto a extensão de seu território. “Eu entendo que o governo federal tem as suas restrições, quando ele  [o Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq] abre um edital, o valor é o mesmo para todos em todos os lugares, mas, por exemplo, 90 mil reais para fazer pesquisa fora dos grandes centros da região norte, não é a mesma coisa que 90 mil reais para fazer pesquisa nessa parte mais conectada”, explica Fabrício Baccaro, professor da Universidade Federal do Amazonas e um dos mais de 600 autores a contribuir com dados para o estudo do projeto Synergize – Síntese das Respostas Ecológicas à Degradação de Ambientes Amazônicos.

A viagem de barco de Manaus até São Gabriel da Cachoeira, por exemplo, localizada no extremo noroeste do Estado do Amazonas, leva sete dias. De avião, além de caro, tem a limitação de peso da bagagem. Do centro de São Gabriel, os pesquisadores ainda precisam pegar barcos menores, que são bem mais caros que os barcos de linha, ou arranjar outra forma de transporte até o local de interesse, como, por exemplo, o Parque Nacional do Pico da Neblina, uma região muito pouco investigada pela ciência.

O estudo também evidenciou a importância do transporte fluvial, visto que as áreas com maior probabilidade de pesquisa ficam, principalmente, nos grandes rios e seu entorno. Dessa forma, a probabilidade de pesquisa na Terra Firme, que são as áreas não alagadas, fica menor quanto maior for a distância a essas vias de acesso. O deslocamento por estradas é bastante limitado, já que há pouquíssimas estradas em boas condições na região.

Baccaro conhece bem a realidade das estradas amazônicas. Antes de se tornar professor, ele teve uma bolsa do Programa de Pesquisa em Biodiversidade da Amazônia (PPBio), financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e ficou responsável por estabelecer pontos de coleta para serem utilizados de forma permanente por instituições de pesquisa fora do eixo central Manaus-Belém.

O projeto instalou 11 pontos permanentes ao longo da estrada que liga Manaus a Porto Velho (BR-319) – construída durante o governo militar, a estrada ficou abandonada e se encontrava bastante degradada. “Juntamos, eu e mais três mateiros, alugamos uma caminhonete, que veio com um motorista que nunca tinha dirigido em estrada de terra, e a gente se enfiou na BR…” relembra Baccaro. “Hoje, eu olho para trás e penso que a gente foi maluco”, reflete o cientista. A infraestrutura instalada, mais de dez anos depois, ainda é utilizada pelas instituições de pesquisa, assegurando um pouco da preciosa dispersão de dados da região.

Para os autores, a criação de novos centros de pesquisas poderia ser um caminho para garantir a ampliação e a regularidade da pesquisa na Amazônia, mas veem essa alternativa como pouco viável. “Tem um outro trabalho, que o grupo desenvolveu, mostrando como o investimento de pesquisa na Amazônia diminuiu nos últimos anos, por causa do governo e conjunturas mais recentes. Se você não está investindo nem nas instituições de pesquisas que já tem uma estrutura, como criar novas?”, questiona Raquel Carvalho, que liderou a pesquisa junto com a Angelica Resende.

Leia a reportagem completa no O Eco.


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