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Brasil

Pesquisa aponta que morte violenta de crianças na Amazônia é maior que em outras áreas do país

O levantamento foi realizado pelo jornal Folha de São Paulo com base em dados disponibilizados pelas Secretarias de Segurança Pública e da Defesa Social dos estados.

Dados sobre violência foram obtidos no Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (Foto: Lalo Almeida Folhapress)

A recente explosão de violência na Amazônia Legal, território brasileiro que engloba a região Norte, o Mato Grosso e boa parte do Maranhão, tem atingido as crianças e adolescentes de lá de maneira desproporcional. As informações são da Folha de São Paulo.

Em 2021, os assassinatos na faixa etária que vai de 0 a 19 anos nesta região foram 34,3% superiores à média nacional. Enquanto, no país, ocorreram 8,7 mortes violentas de crianças e adolescentes a cada 100 mil pessoas de 0 a 19 anos, na Amazônia Legal essa taxa chegou a 11,1 casos por 100 mil nesta faixa etária.

A categoria mortes violentas intencionais inclui os registros de homicídios dolosos (quando há intenção), mortes em decorrência de intervenção policial, latrocínios e lesão corporal seguida de morte.

A região concentra 20,7% das mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes do Brasil, enquanto a parcela da população nesta faixa etária vivendo no território da Amazônia Legal é de 16,3%. A região Norte é aquela que tem maior parcela da população formada por crianças e adolescentes.

A Amazônia Legal e sua população estão imersas num ecossistema de mercados ilícitos, que vão da atuação cada vez mais intensa de redes de narcotráfico na região ao garimpo e à grilagem de terras, além da extração ilegal da madeira, de minérios e de animais selvagens.

As dinâmicas dessas redes criminais foram incrementadas nos últimos anos, levaram ao aumento de 55% nos assassinatos na região entre 2020 e 2021, e afetam de diversas maneiras comunidades nas cidades e na floresta, entre povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas, com suas crianças e adolescentes.

Outro indicador é o de violência sexual contra esse grupo mais vulnerável da população, que também aparece exacerbado na Amazônia Legal, onde a taxa de estupros de crianças e adolescentes é 7,6% maior que a média nacional (85,5 casos por 100 mil habitantes de 0 a 19) e chega a escandalosos 90,9 estupros a cada 100 mil pessoas nesta faixa etária.

Para se ter ideia da magnitude desses números, a taxa nacional de estupros para todas as idades em 2021 é 30,9 estupros a cada 100 mil habitantes, uma frequência três vezes menor que aquela entre crianças e adolescentes da Amazônia Legal.

Os dados referentes a 2021 são das Secretarias de Segurança Pública e da Defesa Social dos estados e foram compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) a pedido da Agenda 227, movimento que reúne cerca de 300 organizações da sociedade civil e que há um ano elabora dez propostas de políticas públicas para crianças e adolescentes no Brasil.

Agenda 227 faz uma referência ao artigo 227 da Constituição Federal de 1988, segundo o qual é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

“Este é o pacto que fizemos durante a Constituinte. O artigo 227, que trata de crianças e adolescentes, é o único da Constituição que usa o termo ‘absoluta prioridade'”, aponta Lucas Lopes, da coordenação da Agenda 227 e membro da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes.

“Temos uma agenda de desenvolvimento social e econômico sustentável e nossa proposta é pensar o país a partir da centralidade da criança e do adolescente, que estão invisibilizados no atual debate político e eleitoral.”

Segundo Lopes, o Brasil tem uma tradição de intervenção tardia, ou seja, dedica políticas públicas e, portanto, recursos do orçamento para o atendimento de crianças que já foram vítimas de violações de direitos, seja no campo da saúde, da educação, da assistência social ou da Justiça. O foco, diz, precisa ser em políticas de prevenção e de intervenção nas causas dessas violências.

Entre as propostas da Agenda 227 estão a criação de uma rubrica orçamentária para a prevenção das violências contra crianças e adolescentes. “Prevenção começa no orçamento público e, sem dotação específica para a execução de ações de prevenção, já começaremos 2023 atrasados no enfrentamento à violência contra quem precisa ter absoluta prioridade.”

Outra proposta surgiu a partir da coleta de dados na região da Amazônia Legal. “Não temos dados do Acre, por exemplo. E precisamos deles para aprimorar a análise e identificação de pontos importantes naquele território”, explica ele, informando que outra das propostas da Agenda 227 é integrar bases de dados e o estabelecimento de parâmetros para facilitar a leitura dos registros de áreas tão distintas quanto saúde e segurança pública.

“O desafio da notificação da violência já é algo complexo, seja pela naturalização, seja pela invisibilidade de práticas violentas, ou ainda pela vergonha de denunciar e pelas dificuldades no acesso a mecanismos de denúncia, o que é sempre mais desafiante no caso de crianças e adolescentes”, diz Lopes.

Para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a região da Amazônia Legal apresenta um padrão de violência ainda mais grave e acentuado do que o resto do país que decorre de conflitos fundiários e crimes ambientais, e da chegada em peso de facções do crime organizado na região Norte, importante por fazer fronteira com áreas produtoras de drogas, como Colômbia, Peru e Bolívia.

“Os dados mostram os desafios da região da Amazônia Legal, para onde é preciso pensar políticas públicas que só chegam de barco e que requerem equipamentos, protocolos e procedimentos específicos de policiamento”, diz ela, para quem a região vive, além do aumento da violência letal, também “uma epidemia de violência sexual contra crianças e adolescentes”.


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