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Amazonas

Ianomâmi: Garimpo ilegal cresce 46% na maior destruição em 30 anos de demarcação

Avanço desenfreado da prática em território indígena traz doenças como malária e sífilis, além da fome que assola as aldeias meio a denúncias de abuso sexual contra crianças.

Área de garimpo ilegal em terra indígena. (Foto: Bruno Kelly_HAY)

O aumento da exploração da Terra Indígena Yanomami pelo garimpo ilegal tem criado um cenário de terror e medo nas mais de 350 comunidades existentes no território, que sofrem com fome, exaustão, doenças e violência, incluindo abuso sexual de mulheres e crianças em troca de comida, como mostrou O GLOBO neste domingo.

Em apenas um ano, a destruição provocada pelos invasores cresceu 46% em relação a 2020, um incremento de 1.038 hectares, atingindo um total acumulado de mais de 3 mil campos de futebol devastados, a maior taxa anual desde a demarcação da área, em 1992.

Dados do relatório “Yanomami sob ataque – Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo” divulgado pela Hutukara Associação Yanomami, nesta segunda-feira, aponta ainda para uma explosão de casos de malárias, com crescimento de mais de 1.000% em dois anos, em alguma regiões. Outras doenças infectocontagiosas e respiratórias , como a Covid-19 e pneumonia, se unem em “tempestade perfeita” que acaba por levar mais de 60% das crianças ianomâmi a nível crônico de desnutrição infantil.

A pesquisa, que usa informações da plataforma MapBiomas, identificou um crescimento de 3.350% do garimpo nas TIY entre 2016 a 2020. Como justificativa para este percentual, a associação enumera seis causas, das quais cinco estão ligadas a decisões políticas, como a falta de fiscalização e regulamentação no mercado do ouro, a fragilização das políticas ambientais e de proteção dos povos indígenas, agravamento da crise econômica e do desemprego, além do posicionamento do atual governo em incentivar a prática ilegal.

De acordo com gráficos do relatório, a destruição provocada pelo garimpo se acentuou no segundo semestre de 2020. Exaltada por sua importância em termos de proteção da biodiversidade amazônica, a Terra Yanomami possui 96, 6 mil km² de área, e foi homologada em 1992, pelo ex-presidente Fernando Collor. A população total é de aproximadamente 30 mil indígenas.

— Esse relatório demonstra para a sociedade brasileira e o governo federal que o garimpo ilegal está sem controle algum e causando problemas reais de fome, violência e mortes — diz o vice-presidente da Associação Hutukara Yanomami, Dário Kopenawa.

Energias sugadas

Além do desmatamento, contaminação da água e assoreamento de rios, o estudo reforça que a atividade ilegal está aumentando a vulnerabilidade dos indígenas, principalmente em relação à insegurança alimentar e aos casos de doenças infectocontagiosas, como a malária e as sexualmente transmissíveis. Ao todo, 237 comunidades são afetadas diretamente pelo garimpo, número que representa cerca de 16 mil pessoas.

Para Paulo Basta, médico da Fiocruz e um dos colaboradores do relatório, os efeitos do garimpo nas comunidades Ianomâmis reforçam um “caos sanitário” não visto desde a década de 1980. Na época, ele explica que havia incentivos governamentais e filantrópicos para controlar a proliferação de doenças nas regiões, principalmente a malária, que é endêmica, mas que, nos últimos anos, a participação dos setores diminuiu ao ponto de os indígenas voltarem ao quadro de risco.

— A malária é endêmica, comum nas regiões da Amazônia Legal. Apesar de ela nunca ter sido controlada, houve momentos de menor registro. Com o garimpo, o número de casos disparou e se intensificou durante a pandemia, tanto porque os postos de saúde ficaram lotados de casos de Covid-19, quanto pelo uso da cloroquina (principal remédio contra a malária) no kit Covid — explicou Paulo Basta.

A mineração ilegal intensifica os casos de malária por facilitar a proliferação de mosquitos vetores, principalmente do anopheles — mosquito prego —, que transporta o protozoário Plasmodium. Com o desmatamento das florestas, os insetos passam a ficar mais expostos e próximos às comunidades indígenas, que não conseguem se auto sustentar frente aos sintomas: febre alta, calafrios e fraqueza extrema.

Conhecida como “consumptiva”, a malária “suga” as energias da pessoa infectada que, consequentemente, perde muito peso. No caso dos indígenas, como a alimentação depende da organização da comunidade entre o roçado e a caça, debilitados, eles ficam sem comida, o que agrava ainda mais o quadro de saúde.

Segundo depoimento dos ianomâmis no relatório, o sistema de saúde que atende as comunidades está cada vez mais fragilizado, com falta de médicos, equipamentos e remédios. Em relação à malária, registros locais mostram que houve uma explosão de diagnósticos nos últimos cinco anos. Em 2020, por exemplo, foram notificados 1800 casos na comunidade de Palimiu, sendo que a população nesse território não ultrapassa 900 pessoas, ou seja, uma média de “duas malárias” por indivíduo.

Outra região castigada pela doença abrange as comunidades Arathau, cujo índice de contaminação cresceu 1.127% de 2018 a 2020 e contribuiu para o local apresentar a maior taxa de desnutrição infantil de toda a terra indígena. Cerca de 80% das crianças de até cinco anos da região possuem baixo peso ou muito baixo.

— Todas as regiões estão doentes de malária, diarreia e pneumonia. Quando está se recuperando de malária, tem um infecção e perde peso por conta da diarreia, não demora muito, no outro dia está desnutrida — afirma Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-YY).

Fome e desnutrição

As doenças presentes dentro das comunidades, trazidas em sua maior parte pelos garimpeiros, têm afetado a dinâmica de trabalho e alimentação dos indígenas. Fragilizados, eles não conseguem cuidar das plantações, caçar, pescar ou andar em busca de frutas e outros alimentos, o que agrava os quadros clínicos e o aliciamento de indígenas pelos invasores, principalmente das mulheres, que acabam sendo vítimas de exploração e abuso sexual em troca de comida.

O médico Paulo Basta explica que a desnutrição é um fenômeno complexo, com múltiplas causas. Em relação ao garimpo, ele expõe que a devastação afasta os animais que participam das comunidades indígenas, como o porco-do-mato, a anta e o veado, a partir do desmatamento e do barulho dos maquinários, além da destruição dos roçados familiares e da contaminação dos rios.

— O garimpo afeta todas as áreas da vida das comunidades indígenas, desde a exploração da terra à violação de seus corpos e alimentação. A falta de comida entre os ianomâmis faz com que eles sejam aliciados pelos garimpeiros. As mulheres passam a ser exploradas e a ter relações com eles por comida, que não fazem parte da dieta da comunidade, como os industrializados. Essa situação faz surgir problemas e quadros de saúde antes desconhecidos entre os indígenas, como a anemia, a obesidade e sobrepeso, pressão alta e diabetes — detalhou.

Metal na boca

A mineração produz diferentes metais e substâncias tóxicas para o ecossistema, como, por exemplo, o mercúrio, que, em contato com a água dos rios, é transformado em metilmercúrio, uma forma mais tóxica. Os peixes, uma das poucas proteínas disponíveis nas comunidades indígenas, absorvem parte desse subproduto, que vai para a corrente sanguínea dos ianomâmis.

Segundo o médico Paulo Basta, o mercúrio afeta o sistema nervoso central, o que pode causar enfraquecimento, alterações visuais, zumbido no ouvido, gosto de metal na boca e, em casos mais graves, convulsões, perda de memória e deficiência nos rins.

— O garimpo ilegal produz um excedente de 2kg de mercúrio, que são despejados sem controle nos rios que circulam ou cortam a mineração. Uma vez na corrente sanguínea, ele pode afetar todo o funcionamento do corpo, seja em curto ou longo prazo. Não existe ainda tratamento ou formas de eliminar o mercúrio do organismo e os sintomas podem ser facilmente confundidos com os de outras doenças, o que gera uma subnotificação do problema — explicou o médico.


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