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Ministro da Educação está enganando famílias de crianças com deficiência, diz mãe de autista

Milton Ribeiro, voltou a falar a favor da criação de turmas e escolas especiais.

Ministro da Educação, Milton Ribeiro. (Foto:Agência Brasil)

Amplamente criticado por sua primeira declaração, feita à TV Brasil em entrevista veiculada no início de agosto, Ribeiro reconheceu desta vez à rádio Jovem Pan que foi infeliz na escolha do termo, mas não recuou na sua posição.

Assim como havia feito durante uma visita ao Recife, no meio deste mês, ele voltou a dizer que uma pequena parcela dos estudantes que têm deficiência grave “não tem condições de conviver” com outras crianças e adolescentes.

Por isso, Ribeiro acredita que o melhor caminho é criar ambientes especiais para os estudantes com deficiência grave. “Os pais destas crianças encontram comigo na rua e me dizem: ‘O senhor está certo'”, declarou o ministro.

As recorrentes declarações do ministro sobre esse assunto não são por acaso. Ele está saindo em defesa de um decreto do governo federal que incentiva a criação destes espaços. A medida foi muito criticada por especialistas em educação, que a enxergam como um retrocesso nas políticas públicas na área.

O decreto foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que realizou nesta semana duas audiências públicas para debater o assunto antes de julgá-lo em plenário.

A jornalista Andréa Werner, de 45 anos, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, que dá apoio a famílias de crianças e adolescentes com deficiência, é uma das que se posicionou contra o decreto.

Segundo ela, o ministro da Educação “está enganando essas famílias” ao propor um maior incentivo às escolas e turmas especiais.

“Há famílias que apoiam essa medida porque só receberam migalhas do poder público até hoje, já sofreram muito e estão desesperadas, e fica parecendo que elas vão ter uma opção melhor, mas a gente sabe que não vai ser assim. A verdade é que não vão brotar escolas especiais com profissionais supercapacitados em todos os lugares”, diz Werner, que é mãe de um menino autista.

“O que vai acontecer é que a rede pública não vai conseguir atender essas crianças, e o governo vai dar voucher para que elas sejam atendidas por entidades.”

‘Inclusivismo não existe’

Ela critica o discurso de Ribeiro, que fala recorrentemente contra o que chama de “inclusivismo”.

“Essa palavra não existe, foi ele que inventou. É uma tentativa de pegar o sufixo ‘ismo’, usado para doenças, para dar uma conotação negativa à defesa da inclusão, como se fosse uma ideologia, quando na verdade defender a inclusão é defender o que determina a lei brasileira e os tratados internacionais que o país assinou”, diz Werner.

A política defendida por Ribeiro está no decreto editado pelo governo federal em outubro do ano passado e que instituiu a Política Nacional de Educação Especial.

Ela determina que a União, os Estados e os municípios ofereçam “instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos”.

Na prática, segundo especialistas, isso é reverte o rumo das políticas públicas de educação, que vinham até então favorecendo a inclusão de alunos com deficiência em turmas regulares — 86,5% dos 1,3 milhões de alunos da rede pública hoje estudam em turmas regulares, segundo o censo escolar — para incentivar espaços de ensino especiais para essas crianças e adolescentes.

O PSB entrou com uma ação no STF alegando a inconstitucionalidade do decreto, o que culminou na sua suspensão. A ação ainda será julgada pelo plenário em data ainda a ser definida.

Andréa Werner acredita que o decreto tem como objetivo retomar uma política pública superada ao apresentá-la em um “pacote bonito” que destaca o direito de escolha dos pais de eleger a instituição de ensino que considerem mais adequada para seus filhos.

Mas, segundo a ativista, essa escolha quase nunca de fato cabe às famílias. Ela conta ter ouvido relatos de pais que receberam o decreto de diretores de escola, enviado, por WhatsApp no dia seguinte à promulgação.

“O decreto dá a desculpa perfeita para as escolas regulares recusarem alunos com deficiência sob a alegação de que há escolas especiais para eles”, diz ela.

“O ministro diz que os professores não estão preparados para lidar com estes alunos, mas aí eu pergunto: a função do ministério é tirar os alunos das escolas ou capacitar os professores para ensinar esses alunos? Pra mim, a resposta é óbvia.”

Werner diz que sua história de vida é a prova de que a educação especializada não é a solução para crianças com deficiência como o governo de Jair Bolsonaro vem defendendo.

Seu filho Theo tem autismo com um comprometimento de grau dois (em uma escala que vai até três). “Ele não fala, se comunica através de um aplicativo, mas entende tudo que a gente fala, é muito esperto e inteligente, mas tem muita dificuldade de concentração e está sempre buscando sensações”, diz Andréa.

O menino foi diagnosticado quando tinha quase 2 anos, e Andréa tentou então matriculá-lo em uma escola normal. Mas ela conta que bastou mencionar o autismo para que a vaga “sumisse”. “Fiquei chocada, mas aquela foi só a primeira de muitas portas que bateram na minha cara”, diz.

Resignada, Andréa decidiu que Theo estudaria em uma escola especializada — e foi assim até o ano passado, quando ela e o marido perceberam que seu filho, hoje com 13 anos, não estava evoluindo. Theo ainda não era alfabetizado nem havia aprendido o básico de matemática.

“A grande defesa que fazem hoje da educação especializada é que os alunos com deficiência grave não estão aprendendo na escola regular. Ora, meu filho também não estava e ele estudava em uma escola especializada — e uma que era bem cara, ainda por cima”, diz Andréa.

No ano passado, os pais de Theo decidiram tirá-lo daquela escola e se mudaram para Vinhedo, no interior de São Paulo, onde ele foi matriculado na rede municipal.

Agora, ele está passando um período de adaptação na nova escola e tem aulas em uma sala especial, mas já começa a interagir com os outros alunos no recreio. Depois, terá aulas em uma turma regular.

“Se eu soubesse o que sei hoje, não teria colocado ele no ensino especializado. Teria optado pelo regular e batalhado pelos nossos direitos. A gente não pode ficar refém das escolas especializadas. Temos que preparar as escolas regulares para receber todos os tipos de alunos.”

A informação é da BBC Brasil.


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