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Brasil

STF reconhece repercussão geral de recurso do MPF contra distinção regional de trabalho escravo

Decisão atende pedido do PGR, em recurso contra absolvição com base na diferenciação da degradância quando se trata do interior do país, inclusive na região Norte.

Ação cita o trabalho escravo como aquele exercido em condições degradantes. (Foto: Funtrab/MS)

O artigo 149 do Código Penal estabelece que é crime reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador. Considerando essa definição legal – e os objetivos constitucionais de erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais, e a preservação da dignidade humana – a Procuradoria-Geral da República (PGR) requereu e o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral de um recurso do MPF sobre o tema. A decisão se deu no Recurso Extraordinário (RE) 1.323.708/PA, em votação por maioria, finalizada no último dia 7, no Plenário Virtual da Corte.

O RE tem como pano de fundo um acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), envolvendo três réus acusados de aliciar trabalhadores e reduzi-los à condição de escravo. Apenas um deles foi condenado na primeira instância, mas a decisão foi reformada pelo tribunal, que decidiu pela absolvição. Na ocasião, o TRF1 considerou que condições como alojamentos precários, situações adversas de moradia, falta de instalações sanitárias e de água potável, consumo e uso de água de rio, ausência de proteção pessoal e endividamento dos trabalhadores não seriam degradantes o suficiente para comprovar o crime de redução à condição análoga à de escravo, e sim situações típicas da realidade brasileira no interior do Norte do país.

Ao deliberar pelo reconhecimento da repercussão geral, o STF acatou o argumento levantado pelo MPF de que é preciso à Suprema Corte se pronunciar sobre os parâmetros constitucionais de interpretação do artigo 149 do Código Penal, a fim de alcançar-se a efetiva proteção dos direitos fundamentais e humanos atingidos pelo trabalho escravo.

Em memorial aos ministros, o procurador-geral da República, Augusto Aras, alertou sobre o risco de se ampliar a tolerância para situações de degradância, o que poderia resultar numa proteção deficiente do direito fundamental ao trabalho livre e digno, retirando a eficácia de uma norma que já estabelece a proteção de um mínimo essencial de dignidade humana no aspecto trabalhista. Além disso, uma eventual diferenciação dos requisitos à caracterização do que é trabalho escravo, a depender da região, poderia representar violação aos compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais. O Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e, por essa razão, deve incrementar o combate à escravidão contemporânea.

“As condições de afronta à dignidade em que muitas vezes são encontrados os trabalhadores rurais vão além de uma ‘mera realidade local’. São caracterizadoras do tipo, que expressamente reconhece como trabalho escravo aquele exercido em condições degradantes, com o fim de elevar o patamar de proteção de direitos ao mínimo compatível com o reconhecimento como pessoa”, manifestou-se.

O memorial cita ainda dados levantados pela Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostrando que, entre 2008 e 2019, foram denunciados 2.625 réus pelo crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal), mas apenas 111 foram condenados em definitivo pela Justiça. O número corresponde a apenas 4,2% de todos os acusados. Desse total, somente 27 condenados não poderiam substituir as penas por sanções restritivas de direitos; “ou seja, apenas 1% dos réus estariam sujeitos a ser presos, se não alcançados pela prescrição da pretensão executória, que é a hipótese mais comum”, afirma o PGR.


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