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Amazonas

Amazônia sem cor: com desmatamento, borboletas coloridas dão lugar às pardas e cinzentas

Cientistas descobrem que, nas áreas devastadas da floresta, insetos estão menos coloridos. É uma marca clássica de mudança ambiental, detectada já no século XIX após a poluição causada pela Revolução Industrial

A ‘Prepona narcissus’: espécie rara em área de pesquisas no Amazonas. (Foto: Ricardo Luís Spaniol)

O desmatamento rouba as cores da Amazônia. Cientistas brasileiros e britânicos descobriram que, nas áreas devastadas da floresta, borboletas e mariposas estão menos coloridas. Espécies de asas iridescentes, vermelhas, alaranjadas e turquesas desaparecem e, na terra arrasada por queimadas, correntões e motosserras, predominam as pardacentas, dos tons da mata derrubada.

A mudança nas cores dos lepidópteros — classificação que abrange borboletas e mariposas — é um dos sinais de mudança ambiental mais icônicos, símbolo da poluição causada pela Revolução Industrial, no século XIX. Os insetos de asas escuras tiveram vantagem sobre os de asas claras por se camuflarem melhor na fuligem, num exemplo clássico da Teoria da Evolução, de Darwin.

Dois séculos depois, num momento em que o mundo sofre com as mudanças climáticas causadas pela industrialização e a queima de combustíveis fósseis, as borboletas voltam a alertar para um desequilíbrio ambiental: a destruição da maior floresta tropical da Terra.

— Mostramos pela primeira vez que a Amazônia está ficando menos colorida e perdendo os mais vistosos de seus habitantes devido ao desmatamento — afirma o biólogo Ricardo Spaniol, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Spaniol é o principal autor do estudo “Discolouring the Amazon Rainforest”, sobre como o desmatamento afeta a coloração das borboletas amazônicas, publicado na revista Biodiversity & Conservation, uma das mais conceituadas da área ambiental.

O trabalho é uma parceria com o Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, da Universidade Federal de Pelotas; e do Centro para a Ecologia e Conservação da Universidade de Exeter, no Reino Unido.

Descoloração das espécies

“Um infinito número de espécies raras e curiosas (…) Algumas são amarelas, outras vermelho vivo, verde, roxas e azuis. Podem ter linhas metálicas e manchas prateadas e douradas. Asas transparentes como vidro (…) ou na forma de pétalas de flores”, escreveu em 1863 o britânico Henry Bates, na obra “Um naturalista no Rio Amazonas”. Especialista em borboletas, Bates foi parceiro de Alfred Russel Wallace, um dos pais do estudo da evolução e da seleção natural — e que detectou a perda de cores entre lepidópteros da Europa recém-industrial. Agora, o fenômeno se repete: os cientistas chamam o processo que deixaria Bates desolado de “descoloração da Amazônia”.

O estudo foi realizado na área do Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais pertencente ao Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa). É uma área de 1.000 km, 90 quilômetros ao norte de Manaus (AM), perfeita para o estudo por apresentar de áreas devastadas a florestas originais.

O projeto é o mais antigo do mundo sobre desmatamento, em curso há 40 anos.

— Temos dados sólidos da região e começamos a observar que havia mudança no padrão de cores de borboletas. Resolvemos então investigar e quantificar — explica Spaniol.

Os cientistas transformaram os gradientes de cor, brilho e transparência das asas de 60 espécies de borboletas e mariposas em números para medir a perturbação causada pela ação humana. Enquanto as áreas de floresta primária são coloridas pelas espécies mais exuberantes, nas recém-desmatadas reinam quase absolutas as pardacentas.

Isso acontece porque a floresta original, com a vegetação íntegra, oferece maior diversidade de plantas das quais esses insetos se alimentam. A paleta exuberante é resultado de diferenças e adaptações que caracterizam a riqueza natural que chamamos de biodiversidade. É um espetáculo construído durante milhões de anos de história evolutiva.

O desmatamento apaga a história e nas áreas desmatadas, abertas, existe uma limitação para as espécies coloridas porque ali não existem mais as milhares de espécies de plantas das quais esses insetos precisam para viver ou se proteger de predadores, tanto na fase de lagarta quando na adulta. Desaparecem as espécies que vivem na copa das árvores e na serrapilheiras, a cobertura de folhas que forra o chão da floresta, porque esses ambientes são arruinados.

Somem as espécies do gênero Morpho, de gigantes asas azuis, que habitam a copa da floresta. Também já não há mais chance para as borboletas-de-asas-de-vidro, que passam a vida em meio às folhas de secas da serrapilheira. Outras vítimas são as integrantes amazônicas do gênero Prepona: avistá-las é considerado um prêmio, concretizado em asas vermelhas, negras e azuis sobre um corpo laranja.

Nas áreas desmatadas predominam marrom ou pardo porque espécies dessas cores são como guerreiras, sobreviventes que conseguem se disfarçar muito bem em meio à desolação que toma o lugar da mata.

Os cientistas enxergam esperança em projetos de restauração. Pois, em áreas de pastagens e plantações abandonadas há 30 anos, há espécies coloridas voltando.

— Existe chance de trazer de volta parte da biodiversidade e resgatar um patrimônio destruído. Mas é preciso investir em restauração e regeneração da Amazônia — salienta o cientista.


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