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MPF aponta violações e retrocessos na política indigenista do governo federal

A nota aponta que uma série de medidas, atos normativos e a não adoção de políticas públicas pelo governo federal, em tempos de pandemia, compõem um quadro de violações sem precedentes na atual ordem constitucional.

Nota pública é resultado de evento realizado pelo MPF. (Foto:Ilustração/PGR)

A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) divulgou nesta segunda-feira, 19/4, nota pública em que alerta para o atual cenário de retrocessos na política indigenista do Estado brasileiro e reafirma o compromisso institucional do órgão, que integra a estrutura da Procuradoria-Geral da República (PGR), com a defesa dos direitos dos povos indígenas. De acordo com o documento, “a omissão na concretização da demarcação de terras indígenas, a desestruturação da Fundação Nacional do Índio e a não adoção de políticas públicas em tempos de pandemia compõem um quadro de violações sem precedentes na atual ordem constitucional”.

A nota pública aponta uma série de medidas e atos normativos implementados pelo governo federal que acarretam a redução da força de trabalho da Funai, além de desvirtuar a autarquia da sua missão institucional – voltada à proteção dos povos originários. Inicialmente, relembra a edição da Medida Provisória 870/2019, no primeiro dia do governo, que “procurava esvaziar as atribuições do órgão indigenista e submeter a temática a outros interesses, notadamente os da pasta da agricultura”. Em seguida, afirma que a rejeição da proposta pelo Congresso Nacional “não impediu o enfraquecimento da autarquia e de suas atribuições, o que se dá de forma cotidiana e mediante alguns sucessivos atos”, como evidenciam diversos episódios ocorridos no último ano.

Entre eles, está a edição, em abril de 2020, da Instrução Normativa 09 da Funai, que determina a exclusão da base de dados do Sistema de Gestão Fundiária nacional de todas as terras indígenas não regularizadas. Na prática, a instrução permite o reconhecimento de propriedades privadas em áreas reivindicadas por indígenas ou em processo de demarcação. Contra essa medida, o MPF propôs 26 ações judiciais em diversas localidades, com 19 decisões favoráveis até o momento.

Outro exemplo de retrocesso, segundo o MPF, é a Resolução 04/21, publicada pela Funai em janeiro deste ano. A norma restringe a autodeclaração e estabelece novos critérios para a heteroidentificação de indígenas, limitando o acesso a políticas públicas específicas para esses povos, inclusive na área de saúde. Mais recentemente, em fevereiro, a autarquia indígena e o Ibama editaram a Instrução Normativa Conjunta 01/21. Sob o pretexto de regulamentar o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades realizadas no interior de terras indígenas, “o ato busca institucionalizar o arrendamento rural nos territórios indígenas”, alerta a nota.

Pandemia – O MPF destaca o veto do presidente a dispositivos do Projeto de Lei 1.142/2020, que estabeleceu o Plano Emergencial para Enfrentamento à covid-19 nos territórios indígenas. O governo barrou trechos que previam o acesso das aldeias a água potável, materiais de higiene, leitos hospitalares e respiradores mecânicos. Por outro lado, manteve o item que autoriza a permanência de missões religiosas nos territórios indígenas, inclusive naqueles em que há presença ou registro de povos de recente contato ou em isolamento voluntário.

A nota menciona a resistência do Executivo federal em implementar atendimento e vacinação prioritária aos indígenas que vivem em contexto urbano ou em territórios não formalmente demarcados. Frisa, ainda, que “neste Abril de 2021 completa-se um ciclo que já dura três anos sem que nenhuma terra indígena tenha sido delimitada, demarcada ou homologada no país, aprofundando o déficit demarcatório e agravando o quadro de invasões e explorações ilegais desses territórios”.

Balanço – Em contraponto aos retrocessos apontados, o MPF cita, ao final da nota pública, atuações do Congresso Nacional e do Poder Judiciário “para evitar o agravamento do quadro de disruptura institucional da política indigenista”. Menciona, como exemplos, a derrubada do veto presidencial parcial ao Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas e a não conversão em lei da Medida Provisória no 910/2019, que se propunha a anistiar a ocupação e o desmatamento de vastas extensões de terras públicas, inclusive em territórios indígenas não definitivamente demarcados.

No âmbito da Justiça, o documento lista decisões importantes do Supremo Tribunal Federal no último ano, como a paralisação dos processos que pleiteiam reintegração de posse em áreas indígenas; a determinação ao governo federal para adoção de medidas urgentes para conter a covid-19 em territórios indígenas; a suspensão dos efeitos da Resolução 04/21 da Funai; e a admissão da ação rescisória que busca anular a decisão que não reconheceu o direito territorial do povo Guarani Kaiowá à TI Guyraroká, com base na tese do marco temporal.

Íntegra da Nota Pública

Evento – Em homenagem ao Dia do Índio e contra os retrocessos na política indigenista brasileira, o Ministério Público Federal (MPF) promove na próxima segunda-feira, 19 de abril, às 10h, o webinário Riscos da Mineração em Terras Indígenas. O evento virtual reunirá procuradores da República, lideranças indígenas e especialistas para debater o Projeto de Lei 191/2020, que pretende regulamentar a exploração da atividade econômica em terras indígenas. O webinário será transmitido ao vivo pelo Canal do MPF no Youtube.

O evento é organizado pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR). Entre os debatedores estarão lideranças indígenas como Sônia Guajajara e Davi Kopenawa; o filósofo e sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli; o pesquisador e médico neurocirurgião Erik Jennings; e o procurador da República Luís de Camões Lima Boaventura.


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