Conecte-se conosco

Brasil

Maioria das queimadas na Amazônia ocorreu em áreas recém-desmatadas e propriedades privadas, informa Inpe

O levantamento do órgão, que analisou o período de um ano, reforça a relação entre queimadas e desmatamento; 64,3% dos focos de incêndio aconteceu em locais com registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Estão proibidas queimadas controladas na Amazônia a partir desta segunda (28)

Quase metade (45,4%) das queimadas que ocorreram entre agosto de 2019 e setembro deste ano na Amazônia foram em áreas que tinham sido recentemente desmatadas. E 64% do total aconteceu em propriedades privadas com registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR). As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

O quadro, que reforça a relação entre queimadas e desmatamento, foi revelado nesta segunda-feira (16), pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O órgão, do Ministério da Ciência e Tecnologia, lançou uma nova plataforma de dados, que cruza informações sobre focos de calor, desmatamento e CAR, e terá atualização mensal.

A análise feita para um período de 14 meses faz uma espécie de separação das queimadas por idade do desmatamento. O dados que foram apresentados nesta segunda incluem três períodos que tiveram alto índice de queimadas – agosto de 2019 e agosto e setembro deste ano. Nesses três meses, imagens de fogo chamaram a atenção internacional e atraíram críticas à gestão Jair Bolsonaro.

Os resultados confirmam análises anteriores feitas pela Nasa, agência espacial americana, e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) sobre relação entre fogo e desmatamento e contradizem a posição do governo federal de que a maior parte das queimadas estaria ocorrendo em áreas já desmatadas há muito tempo, o que não colocaria em risco a floresta em pé.

Segundo o levantamento do Inpe, em agosto de 2019, por exemplo, quando o bioma registrou 30.900 focos, em meio a um retomada da devastação da floresta, 53,5% dos focos de fogo ocorreram em áreas recém-desmatadas e 7% em florestas primárias. Áreas com desmatamento consolidado, mais antigo, responderam por 35,6% dos focos.

O fogo, no primeiro cenário, vem para ajudar a “limpar” uma área que foi derrubada, de modo a facilitar sua ocupação, por exemplo, por pastagem. É a etapa final de um processo de avanço sobre a vegetação nativa.

Agosto deste ano, que teve 29.307 focos, teve uma proporção parecida: 56,3% das queimadas ocorreram em áreas desmatadas recentemente, 9,2% em florestas primárias e 31% em desmatamento consolidado. Setembro teve um desempenho ainda pior para a vegetação: 42% dos focos ocorreram em desmatamento recente, 12,9% foram sobre a floresta primária e 38,8% sobre desmatamento consolidado.

A plataforma do Inpe considera como desmatamento recente o que foi mapeado nos dois anos anteriores pelo sistema Prodes (que traz dados consolidados de corte raso para o intervalo de agosto de um ano a julho do ano seguinte) e também a perda de vegetação identificada nos alertas do sistema Deter. Os dados de queimadas deste ano, por exemplo, foram cruzados com os Prodes de 2018 e 2019 e o Deter dos meses seguintes.

As informações são semelhantes às levantadas pela Nasa, que neste ano passou a trabalhar com um novo sistema de monitoramento por satélites de queimadas na Amazônia. Em agosto, grupo de pesquisa liderado por Douglas Morton, apontou que 54% dos focos de incêndio ocorridos nos primeiros oitos meses do ano na região tinham ocorrido em locais recém-desmatados.

Com uma análise um pouco diferente, algumas semanas antes, o Ipam também havia divulgado uma nota técnica informando que 64% das queimadas do ano passado na região foram de incêndio florestal ou em locais com desmatamentos recentes.

“O objetivo é fornecer informações. Tirar a sociedade do achismo. Estamos oferecendo um retrato do que está acontecendo, com isso a sociedade pode entender, o governo pode entender e priorizar ações para evitar o problema. Isso é o mais importante da plataforma. Levar o conhecimento para todo mundo”, disse ao Estadão Claudio Almeida, coordenador do Programa de Monitoramento do Inpe.

Propriedades privadas

O cruzamento dos focos com o mapeamento do Cadastro Ambiental Rural também indica onde as queimadas aconteceram. Entre agosto do ano passado e setembro deste ano, 64,3% dos focos ocorreram em áreas com CAR, ou seja, em propriedades privadas devidamente registradas, o permite saber quem é o dono e punir os responsáveis caso tenha ocorrido um crime ambiental.

Entre os imóveis com CAR, a maior parte que teve registro de fogo nesses 14 meses foram propriedades pequenas – 35,8%. Elas empatam com áreas sem CAR que foram queimadas no período – 35,7% do total (o que inclui invasões em áreas públicas, como terras sem destinação e também áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas).

Os resultados se contrapõem a um outro trabalho, divulgado no fim de julho pela Embrapa, e que passou a ser bastante difundido pelo governo. A análise indicou que 90% dos focos de incêndio ocorridos na área da Floresta Amazônia em 2019 se deram em áreas desmatadas “há anos, dezenas de anos e até há séculos”.

A Embrapa também colocou a responsabilidade pelas queimadas em pequenos produtores rurais já estabelecidos na região, que não contariam com tecnologias mais modernas para o preparo de terrenos que já são utilizados em pastagens e lavouras. Segundo seus analistas, são locais que já desenvolvem atividades agropecuárias “há anos, dezenas de anos e até há séculos”.

Para o pesquisador Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais, que participou de um estudo com a equipe do Inpe, publicado na revista Science, que precedeu a elaboração da plataforma, os cruzamentos com imagens de satélite e com o registro do CAR contam uma história diferente.

“A relação entre desmatamento e fogo é bem conhecida da literatura já há muitos anos e sabe-se que é uma das etapas de limpeza de área para implementação de agropecuária, principalmente pastagem. Existem alguns usos tradicionais para fins agrícolas em áreas já consolidadas, mas sempre se soube que o grosso das queimadas esteve ligado ao desmatamento”, explicou o pesquisador ao Estadão.

“Nesse estudo buscamos compreender qual é o local e o histórico de cada foco de calor ocorrendo na Amazônia. A minoria de fato é área de floresta hoje, porque a vegetação úmida limita o fogo, mas ela também queima nas áreas de fronteira. A maioria é de áreas que até recentemente eram floresta. É a queima que vem como processo de consolidação da área. E finalmente tem o fogo nas áreas mais consolidadas, que há mais anos têm uso agrícola”, resume.

Segundo ele, porém, o dado que mais chama a atenção não é o dado do acumulado para os 14 meses, mas o referente aos meses de maior seca e queima. “Nesses temos a maior parte dos focos relacionados a áreas de desmatamento recente”, explica.


Clique para comentar

Faça um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

cinco × dois =