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Maioria dos ministros do STF defende obrigatoriedade da vacinação pelo Estado

O Supremo ainda não definiu uma data para discutir a questão que ganhou repercussão com a briga entre o governador de São Paulo e o presidente da República sobre obrigar a aplicação da vacina contra a Covid-19.

O STF (Supremo Tribunal Federal) deve decidir antes de a vacina da Covid-19 ficar pronta se o Estado pode obrigar a população a se imunizar. A maioria dos magistrados defende reservadamente que é possível, sim, impor a obrigatoriedade. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.

O presidente do Supremo, Luiz Fux, porém, ainda não definiu o melhor momento para discutir o tema e avalia se é adequado entrar na disputa entre o governador João Doria (SP) e o presidente Jair Bolsonaro sobre a compra das vacinas do novo coronavírus.

Ao menos sete ministros já sinalizaram nos bastidores que são a favor de o Estado poder impor a vacinação obrigatória. Até o momento, nenhum integrante da corte saiu em defesa da tese contrária publicamente ou em conversas reservadas.

Nesta segunda-feira (26), Bolsonaro disse que um juiz não pode querer decidir sobre a obrigatoriedade da imunização contra a Covid-19. No STF, porém, é dado como certo que a corte terá de enfrentar a questão.

Em setembro, os ministros decidiram aplicar repercussão geral (que vincula toda a Justiça a uma decisão a ser tomada) ao julgamento sobre a possibilidade de pais serem obrigados a vacinar seus filhos menores de idade.

Uma ala da corte defende que o STF aproveite esse processo em curso para fixar uma tese genérica que determine ser indispensável a vacinação.

O ministro Luís Roberto Barroso é o relator desse caso. O magistrado costuma fazer uma defesa enfática da ciência em seus votos e se posicionou contra a postura do governo federal durante a pandemia em diversos momentos.

A discussão voltou a ganhar força na semana passada depois de o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciar acordo para aquisição das vacina produzidas pela farmacêutica chinesa Sinovac em convênio com o Instituto Butantan, ligado ao governo paulista.

No dia seguinte, porém, Bolsonaro descartou a compra pelo governo federal até que haja comprovação de eficácia, uma declaração redundante, já que a vacina não pode ser produzida para aplicação na população sem que haja comprovação de eficácia e segurança.

Além do processo com repercussão geral, está em curso no Supremo uma ação protocolada pelo PDT na semana passada para assegurar a competência de estados e municípios em determinar a vacinação obrigatória. Outros sete partidos também acionaram a corte sobre o tema.

O responsável pelos casos é o ministro Ricardo Lewandowski, que também se opôs às medidas adotadas pelo Executivo para conter o coronavírus quando foram analisadas pelo STF. Na última sexta-feira (23), ele decidiu adotar o rito abreviado nos processos, o que indica a intenção de acelerar a discussão.

Com o despacho, o julgamento do caso no plenário poderá ser feito diretamente no mérito, sem análise prévia de pedido de liminar. Além disso, Lewandowski requereu a manifestação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), da AGU (Advocacia-Geral da União) e da PGR (Procuradoria-Geral da República) a respeito.

O PTB foi a única sigla que fez um pedido ao STF contra a obrigatoriedade da vacinação. A sigla requer a anulação de trecho da lei federal 13.979/2020 que prevê a compulsoriedade da vacinação e a adoção outras medidas profiláticas no combate à epidemia.

A norma foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro, quando a discussão sobre a obrigatoriedade da vacinação ainda não estava no radar do chefe do Executivo e de outros políticos.

O entendimento que a maioria dos ministros já expôs de forma reservada sobre o tema é que o direito coletivo de proteção à saúde, nesses casos, se sobrepõe às garantias individuais de cada cidadão. Ou seja, um cenário em que o Estado investe recursos para compra de vacinas enquanto parte da população não se imuniza e a sociedade segue em risco violaria o princípio da eficiência.

Apesar da convicção sobre o assunto, dois dos ministros ouvidos pela Folha acreditam que o Supremo não precisa entrar na briga neste momento porque a vacina com eficácia comprovada nem existe ainda.

Ao participar de uma videoconferência na última sexta-feira (23), o presidente do STF afirmou que vê com bons olhos a Justiça entrar na discussão. “Podem escrever, haverá uma judicialização, que eu acho que é necessária, que é essa questão da vacinação. Não só a liberdade individual, como também os pré-requisitos para se adotar uma vacina”, disse o ministro.

Fux frisou que não estava adiantando o seu ponto de vista, mas “apenas dizendo que essa judicialização será importante”.

O ministro disse que o melhor é que a discussão ocorra direto no STF, em vez de iniciar em instâncias inferiores, porque a jurisprudência definida pelo Supremo é “um dos grandes instrumentos da segurança jurídica”.

Há outro processo no STF, protocolado pelo partido Rede Sustentabilidade na quarta-feira (21), que trata do tema. A legenda quer que a corte obrigue Bolsonaro a apresentar, em 48 horas, um plano de aquisição de vacinas que contemple todas as alternativas viáveis.

Segundo a Constituição, em seu artigo 196, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

O artigo 198, por sua vez, prevê priorização das atividades preventivas (como vacinação), além de colocar como uma das diretrizes a “descentralização, com direção única em cada esfera de governo” — o que respaldaria a competência dos governos estaduais a respeito da obrigatoriedade.

Além disso, o artigo 3º da Lei 13.979, assinada pelo próprio presidente Bolsonaro em fevereiro, diz que “para enfrentamento da emergência de saúde pública (…), as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, a determinação de realização compulsória de vacinação ou outras medidas profiláticas”.

Por fim, o parágrafo primeiro do artigo 14 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) diz que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.

O processo com repercussão geral chegou ao STF em maio deste ano. Em setembro, os ministros decidiram por unanimidade que o julgamento deverá valer para todos os casos similares do país.

O caso concreto trata de uma ação do Ministério Público de São Paulo contra os pais de uma criança, atualmente com cinco anos, a fim de obrigá-los a regularizar a vacinação do seu filho. Os pais alegaram serem contrários a intervenções médicas invasivas e deixaram de cumprir o calendário de vacinação determinado pelas autoridades sanitárias.

Agora, o Supremo definirá se eles têm esse direito e se as convicções filosóficas de religiosas podem justificar a não aplicação da vacina em crianças.

O professor em direito constitucional Ademar Borges acredita que é possível que o STF aproveite o recurso em que foi aplicada repercussão geral “para decidir a questão de forma mais abrangente e até mesmo para fazer frente à necessidade de superar qualquer dúvida sobre a legitimidade da imposição da obrigação de vacinação”.

“É muito provável que, num futuro próximo, o STF afirme a compreensão de que o Estado pode tornar obrigatória a vacinação nas hipóteses em que a não submissão a certo programa de imunização possa fazer da pessoa que resiste à vacina um vetor de risco para proliferação da doença para a sociedade”, diz.

Em relação às ações de partidos políticos sobre a disputa entre Bolsonaro e Doria, o constitucionalista acredita que o cenário ainda não tem a clareza necessária para que o STF tome uma decisão a respeito.

“Apenas depois que houver segurança sobre a existência de vacina passível de aprovação pelos órgãos competentes e de uma postura mais clara do governo quanto ao tema será possível discutir no STF se a política pública violará algum preceito constitucional.”


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