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Fundo Amazônia congela 40 projetos e deixa de aplicar R$ 1,4 bilhão em doações

Os recursos provenientes da Noruega e Alemanha serviriam para equipar órgãos de fiscalização, como o Ibama, que, sem dinheiro, mandou recolher do campo brigadistas que atuam no combate às queimadas, e também as ONGs.

Sem aprovar nenhum novo apoio desde 2018, o Fundo Amazônia, formado com doações bilionárias da Noruega e da Alemanha, tem 40 projetos com o processos de análise congelados, num total de R$ 1,409 bilhão. Os recursos iriam para equipar órgãos de fiscalização, como o Ibama, que, sem dinheiro, mandou recolher do campo brigadistas que atuam no combate às queimadas. Também serviriam para organizações não governamentais (ONGs) – alvos frequentes de críticas do presidente Jair Bolsonaro – tocarem ações de desenvolvimento sustentável. O caso retomará evidência nesta sexta-feira (23), quando ocorrerá a primeira de duas audiências públicas de uma ação judicial que questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) a paralisia do mecanismo. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

A audiência é mais um capítulo na disputa entre o governo Bolsonaro e os países doadores em torno do uso dos recursos repassados. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) levanta suspeitas de irregularidades na aplicação dos recursos. Afirma que seriam pouco eficazes para reduzir o desmate. Bolsonaro já atacou os doadores.

Com base nas suspeitas que levantou, o governo federal extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), principal órgão de governança do fundo, alegando que pretende reformular a gestão. Descontentes com as mudanças, as nações patrocinadoras suspenderam os repasses de novas parcelas de doação.

Criado em 2008 durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, com R$ 3,2 bilhões da Noruega e R$ 200 milhões da Alemanha, o Fundo Amazônia é uma iniciativa pioneira de REDD+. O instrumento foi desenvolvido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), com objetivo de recompensar financeiramente países em desenvolvimento pela redução de emissões de gases do efeito-estufa associados ao desflorestamento.

Até 2018, 103 projetos, com valor total de R$ 1,860 bilhão, foram aprovados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), gestor do fundo. Diante do impasse com os países doadores, o banco de fomento suspendeu a análise e contração de novos projetos.

A suspensão tem duas consequências principais. Primeiro, atinge ações de fiscalização contra o desmatamento ilegal e combate a queimadas, a cargo dos governos locais. O fundo financiou equipamentos para Ibama e Corpos de Bombeiros estaduais, assim como iniciativas de cadastramento de propriedades rurais pelos Estados. Segundo o site do Fundo Amazônia, 1.236 missões de fiscalização foram financiadas desde a criação do instrumento.

A outra consequência do congelamento do Fundo Amazônia é a inviabilização de projetos de fomento a práticas econômicas sustentáveis. São iniciativas que, além de contribuir para a diminuição da derrubada da floresta, poderiam impulsionar a economia de baixo carbono na Região Amazônica. Essas ações ficam, geralmente, a cargo de organizações não governamentais. O site do Fundo Amazônia informa que 338 instituições foram apoiadas, diretamente ou por meio de organizações parceiras, em ações que atingiram 193 mil pessoas.

Essa parte da aplicação dos recursos foi o principal alvo das suspeitas levantadas pelo MMA. Por ordem do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general da reserva Augusto Heleno, ONGs chegaram a ser monitoradas por espiões da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na última Conferência do Clima das Nações Unidas, no ano passado, em Madri. Com frequência, Bolsonaro e auxiliares, geralmente da área militar, levantam suspeitas contra essas organizações. Seu objetivo seria internacionalizar a Amazônia, acusam, sem apresentar provas.

Ouvidos pelo Estadão, representantes de entidades com trabalho socioambiental relataram impactos positivos do Fundo Amazônia na redução do desmate. Também criticaram a política ambiental do governo federal. As instituições consultadas têm projetos apoiados pelo fundo, mas análises independentes também concluíram pela eficácia do mecanismo.

Pesquisa acadêmica liderada por Gabriela Simonet, do Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola da França (INRA, na sigla em francês), analisou um projeto específico – Assentamentos Sustentáveis na Amazônia (PAS), do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Concluiu que houve redução no desmatamento. Outro estudo, apresentado no encontro científico de 2016 da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec), concluiu que o Fundo Amazônia contribuiu para reduzir o desmatamento nos municípios onde projetos foram apoiados.

Um relatório de avaliação independente coordenado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (Cepal), publicado em dezembro, também analisou o mecanismo. Apontou que “o Fundo Amazônia não alterou as tendências do desmatamento dos últimos anos, mas sem a sua implementação o desmatamento poderia ter sido maior”.

Os projetos das ONGs, geralmente, são voltados para capacitação técnica de pequenos produtores locais. Focam comunidades ribeirinhas e indígenas, alguns ficam em assentamentos de reforma agrária. Desenvolvem atividades econômicas alternativas, evitando plantios predatórios ou mesmo o arrendamento de terras para grandes produtores e madeireiros. Pelas regras do fundo, os recursos são aplicados como doação, a fundo perdido – não são empréstimos. Os projetos mais caros custam algumas dezenas de milhões de reais, ao longo de anos.

No rol de pedidos congelados, está um projeto do Ipam com foco em assentamentos. Previa o fortalecimento de cadeias produtivas de açaí e de cacau. A entidade pediu R$ 30 milhões, para investir em capacitação e na compra de insumos para melhorar práticas de manejo e beneficiamento. A estimativa era atingir 4,5 mil pessoas no Pará e no Amapá. “Parte dos assentados não detém capacidade técnica. O projeto envolve assistências técnicas diferenciadas e planejadas”, diz Eugênio Pantoja, diretor de políticas públicas e desenvolvimento territorial do Ipam.

O Instituto Socioambiental (ISA) também tem suspenso um pedido, para o desenvolvimento de cadeias produtivas do extrativismo, como a coleta de castanhas e a produção de óleos. O projeto de R$ 30 milhões previa atividades em Roraima, Amazonas, Pará e Mato Grosso, com potencial de atingir 3,8 mil famílias, quase 20 mil pessoas. Segundo Adriana Ramos, assessora do ISA, o Fundo Amazônia é uma das poucas fontes de financiamento para esse tipo de iniciativa, ainda considerada alternativa. “Tudo o que se fez na Amazônia no sentido de fortalecer a floresta em pé, historicamente, foi feito com recursos de cooperação a fundo perdido”, disse.

A Fundação Amazonas Sustentável (FAS) também deixou de levar adiante um projeto de R$ 60 milhões para desenvolver atividades baseadas na bioeconomia de recursos nativos. Com repasses para outras 17 instituições menores, a ideia era atingir em torno de mil comunidades ribeirinhas e indígenas, em todos os Estados da região, conforme Virgilio Viana, superintendente-geral da FAS. Para ele, “não é por burrice ou ignorância” que o Fundo Amazônia foi descontinuado. “Há interesses e objetivos que são contrariados com as ações de redução do desmatamento”, disse.


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