Brasil
Governo federal divulga informação falsa ao afirmar que área queimada no Brasil é menor em 18 anos
A Secom (Secretaria de Comunicação) comparou dados de oito meses de 2020 com dados fechados de 12 meses dos anos anteriores para se esquivar de críticas sobre aumento nos crimes ambientais na Amazônia e Pantanal.
Na tentativa de se esquivar das críticas à política ambiental diante dos focos de incêndio na Amazônia e no Pantanal, o governo de Jair Bolsonaro publicou neste sábado (26) uma comparação incabível e fez uma afirmação falsa, de que a área queimada no País é a menor dos últimos 18 anos. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.
“Mesmo com os focos de incêndio que acometem o Pantanal e outros biomas brasileiros, a área queimada em todo o território nacional é a menor dos últimos 18 anos. Dados do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] revelam que 2007 foi o ano em que o Brasil mais sofreu com as queimadas”, publicou a Secom.
Antes vinculada à Presidência da República, mas agora sob guarda-chuva do Ministério das Comunicações, a Secom (Secretaria de Comunicação) comparou dados de oito meses deste ano com dados fechados de 12 meses dos anos anteriores.
A postagem feita no sábado foi reproduzida por autoridades como os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e das Comunicações, Fábio Faria, e pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho de Jair Bolsonaro (sem partido). O presidente não havia compartilhado a publicação até o início da tarde deste domingo (27).
Os mesmos dados já haviam sido publicados na quinta-feira (24) por Fábio Faria. “Nada mais didático para que tenhamos um retrato claro dos últimos anos. Os números do Inpe estão aí para que todos possam ver a verdade”, escreveu o ministro acrescentando a hashtag #AcreditenoBrasil.
Faria também publicou uma imagem com o total, por ano, de focos de incêndio. Nesta publicação, não há menção a 2020. Procurada pela Folha, a Secom disse que “expôs os dados que estão à disposição, sem ocultar nada” e que “o que passa disso é ilação falaciosa do jornal”.
Os dados do Inpe são públicos, estão na internet, são gratuitos e de fácil compreensão. De janeiro a agosto de 2020, houve registro de 121.318 km² em todo o Brasil. Este dado é utilizado na publicação da Secom. No entanto, para o 2019, a Secretaria de Comunicação usa como dado os 318.389 km² que queimaram durante todos os 12 meses do ano passado.
Se utilizasse o mesmo período de tempo que é possível para 2020 —de janeiro a agosto—, a área queimada, ainda assim, seria maior em 2019, primeiro ano da gestão de Bolsonaro, 131.327 km². Porém, fazendo a comparação entre os mesmos períodos de 2003 a 2020, o governo teria que informar que 2020 teve mais área queimada que os anos de 2008, 2009, 2011, 2013, 2014, 2015, 2017 e 2018.
A Folha contestou a resposta inicial da Secom com estes dados, mas não houve manifestação até a publicação desta reportagem. Se for feito um recorte dos dois biomas que mais têm sofrido com queimadas no momento, Pantanal e Amazônia, 2020 é um ano ainda mais complicado.
Até agosto, já foram queimados 18.646 km² no Pantanal este ano. Número que perde apenas para 2005, quando 20.219 km² foram queimados.
Na Amazônia, o Inpe registara 34.373 km² de área queimada entre janeiro e agosto deste ano. É menos que os 43.573 km² queimados no mesmo período de 2019, também no governo Bolsonaro. Mas é mais do que ficou em chamas nos anos de 2008, 2009, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2017 e 2018.
“Se a metade da energia que o governo gasta tentando criar uma realidade paralela fosse empregada no combate ao crime ambiental, o problema do desmatamento e das queimadas já estaria resolvido”, disse, por meio de sua assessoria, o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.
Para Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha da Amazônia do Greenpeace, ao fazer comparação entre dados de anos fechados com apenas oito meses de 2020, o governo demonstra querer fazer uma guerra de narrativas em vez de enfrentar a gravidade das queimadas no País.
“Da Amazônia ao Pantanal, o patrimônio dos brasileiros segue sendo consumido rapidamente pelo fogo. É desonesto minimizar tamanha crise ambiental que resulta em impactos econômicos, sociais e ambientais”, afirmou Mazzetti.
O site do Inpe também permite fazer a comparação do total de focos ativos de queimadas detectados pelo satélite de referência em cada mês, no período de 1998 até 26/09/2020.
De janeiro até este sábado, eram 151.779 focos em todo o País, mais que os 143.734 registrados entre janeiro e setembro do ano passado. Até sábado, o Pantanal já registrava um total de 16.667 focos ativos de queimadas, mais do que a soma dos 12 meses de 2019 (10.025).
Setembro de 2020, mesmo ainda não completo, também já tem o maior registro de queimadas na história do Pantanal, 6.514 focos de incêndio até o dia 26. O recorde total anterior era de agosto de 2005, com 5.993 focos de calor.
Há meses a situação já se mostrava crítica. O período mais úmido do Pantanal teve pouca chuva e 2020 teve o primeiro semestre com maior número de queimadas no bioma. Julho também teve o maior registro de fogo e agosto manteve elevado número de focos de calor, próximo ao recorde.
Na Amazônia, até sábado eram 73.459 focos de incêndio, ante 66.749 entre janeiro e setembro de 2019, ano que fechou com 89.176 focos de queimada registrados.
O bioma perdeu uma área equivalente a 270 mil km² entre os anos 2000 e 2018. No período, a maior floresta tropical do planeta viu desaparecer 8% de sua cobertura, substituída, principalmente, por áreas de pastagem, segundo números das Contas de Ecossistemas: Uso da Terra nos Biomas Brasileiros (2000-2018), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgados na quinta-feira.
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