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Em aliança inédita, ONGs e agronegócio enviam propostas para governo de Bolsonaro frear destruição na Amazônia

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, formada por 230 organizações e empresas ligadas às áreas do meio ambiente e do agronegócio, propôs seis medidas para reduzir os índices alarmantes de desmatamento.

Uma coalizão formada por 230 organizações e empresas ligadas às áreas do meio ambiente e do agronegócio enviou, nesta terça-feira (15), ao governo federal um conjunto de seis propostas para deter o desmatamento que destrói a Amazônia. O documento, ao qual o jornal O Estado de S.Paulo teve acesso exclusivo, foi encaminhado ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e ao vice-presidente Hamilton Mourão, além dos ministérios da Agricultura, Meio Ambiente, Economia e Ciência e Tecnologia.

As propostas chegaram ainda às mãos de líderes e parlamentares da Câmara e do Senado, ao parlamento europeu e embaixadas de países europeus. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura reúne nomes da área ambiental como WWF Brasil, WRI Brasil, TNC, Imazon e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Do lado empresarial do agronegócio e da indústria estão companhias como JBS, Klabin, Marfrig, Amaggi, Basf, Danone, Natura e Unilever. Como define a própria coalizão, o grupo é “um dos raros foros de diálogo entre o agronegócio e ambientalistas”.

A primeira das seis ações propostas para reduzir o desmatamento de forma permanente pede a retomada e intensificação da fiscalização, com punição pelos crimes ambientais identificados. “Para retomar e intensificar ações de fiscalização é necessário apoiar e ampliar o uso de inteligência e expertise do Ibama, Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e Funai, com responsabilização pelos ilícitos ambientais por meio da punição ágil, ampla e eficiente dos infratores. Nesse sentido, é importante o pleno cumprimento da lei vigente, incluindo a destruição no campo de equipamentos utilizados por criminosos ambientais”, afirma o documento.

Segundo as empresas e organizações, notificações e embargos de áreas podem ser realizados de forma simples e quase automaticamente, cruzando os dados de desmatamento com as informações de bancos de dados oficiais, como Sistema do Cadastro Ambiental Rural (Sicar) ou registros de Posse de Terras (que permitem a identificação do detentor da terra) e Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV). “Já existem mais de 70 mil laudos disponíveis que aplicam essa metodologia no sistema do MapBiomas Alerta, que foi desenvolvido em cooperação com o Ibama. A retomada da Operação Controle Remoto do Ibama, implementada com sucesso em 2016 e 2017, deve ser fortemente considerada”, declaram as instituições.

Uma segunda medida cobra a suspensão dos registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que incidem sobre florestas públicas e responsabilização por eventuais desmatamentos ilegais. Há mais de 11 milhões de hectares no sistema declarados sobre florestas públicas que acabam sendo utilizados para legitimar processos de grilagem. “Classificar esses registros do CAR, sobre florestas públicas, como ‘suspensos’ permitirá que todos os atores do setor público e privado façam clara distinção destes registros daqueles classificados como ‘pendentes’, que seriam passíveis de aprovação ou confirmação pelo sistema”.

A terceira ação prevista cobra a destinação de 10 milhões de hectares à proteção e uso sustentável, com a meta de selecionar, num prazo de 90 dias, a partir do Cadastro Nacional de Florestas Públicas, a terra que possa ser designada como área protegida de uso restrito e de uso sustentável em regiões sob forte pressão de desmatamento. Esse foi o caso, por exemplo, da criação de 24 milhões de hectares de áreas sob proteção na região da Terra do Meio, no Pará.

Uma quarta proposta prevê que a oferta de financiamentos passe a adotar critérios socioambientais. A ideia é que, quando observados os cadastros ambientais rurais com desmatamento posterior a julho de 2008, essas operações de crédito sejam bloqueadas até que o responsável apresente à instituição financeira a autorização de supressão emitida pelo órgão responsável para o local desmatado.

Em uma quinta ação, as empresas e associações pedem total transparência e eficiência às autorizações de supressão da vegetação. Elas pedem que os órgãos estaduais de meio ambiente tornem públicos os dados referentes às autorizações de cortes que emitem, por meio do sistema Sinaflor, do Ibama.

A sexta e última proposta requer a suspensão de todos os processos de regularização fundiária de imóveis com desmatamento após julho de 2008, até que as áreas estejam plenamente recuperadas. “Quem desmata em área não regularizada comete crimes ambientais e não deve ser beneficiado com a regularização fundiária”, afirmam as companhias e organizações.

Segundo o diretor executivo do Ipam, André Guimarães, representante da Coalizão Brasil, são medidas que atacam as causas do desmatamento e que podem ser implantadas imediatamente, com resultados permanentes.

“O desmatamento descontrolado é um mau negócio para o País como um todo. Cria instabilidade ao País, ao clima, ao meio ambiente, aos empresários. Quem ganha com isso é quem opera na ilegalidade”, diz Guimarães. “O que nós precisamos hoje no Brasil é de mais vozes sensatas e equilibradas, para uma sociedade que construa respostas e mude posturas do próprio setor privado. Estamos construindo consensos.”

Para Marcelo Brito, diretor da Associação Brasileira de Agronegócio (Abag), que também compõe a Coalizão Brasil, o desmatamento descontrolado da Amazônia se confirma como um dos maiores riscos à economia brasileira, porque o agronegócio responsável corre o risco de ser prejudicado em suas exportações se o País não combater os crimes ambientais na Amazônia. Além disso, segundo Brito, pode ser extremamente prejudicado em sua produção, porque é altamente dependente do regime de chuvas que a floresta proporciona.

“O trabalho da coalizão reforça as diversas iniciativas que estão em andamento. Essas medidas não reinventam a roda, elas apenas cobram que sejam colocadas em prática ações já possíveis”, comenta Brito. “Não procuramos confronto ou contraponto com o governo. Buscamos uma mensagem concreta. Claramente temos um efeito de mudanças climáticas no mundo. É o agronegócio sério, com todas essas empresas, que pede uma ação”.

Investidores

O desmatamento deixou de ser uma preocupação de parte da sociedade ou de organizações ambientais, para entrar no rol de prioridades dos investidores. A preservação da Amazônia está na pauta dos principais bancos privados brasileiros, como Bradesco e Itaú, que têm alertado para as consequências dos impactos econômicos causados pela destruição da floresta.

Desde o ano passado, quando o Brasil atingiu volumes recordes de desmatamento, o governo passou a ser fortemente pressionado, inclusive pelo agronegócio, para tomar medidas efetivas de combate aos crimes ambientais. A resposta oficial, porém, se baseou em reiteradas rejeições de dados científicos apurados por órgãos do próprio governo, ataques diretos às ONGs do setor, esvaziamento de programas e parcerias de proteção ao meio ambiente e discurso conspiratório de supostos interesses estrangeiros em prejudicar a imagem nacional.

Sem conseguir dar uma resposta efetiva às demandas por preservação da natureza, o governo Bolsonaro é agora pressionado a dar uma resposta aos índices alarmantes de destruição das florestas.


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