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Mais de 440 kg de ouro ilegal são apreendidos no Brasil em 2025; Roraima lidera operações, diz PF

Entre janeiro e o início de dezembro, a quantidade de ouro apreendida pela Polícia Federal chegou a 447,09 kg. Roraima responde por mais de 47% do total no país, e a Amazônia Legal lidera as apreensões.

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O Brasil apreendeu 447,09 kg de ouro ilegal em 2025 — extraído sem autorização, em áreas proibidas ou com documentação falsa, segundo dados da Polícia Federal. Roraima concentra quase metade desse total, com 213,69 kg apreendidos no estado entre janeiro e o início de dezembro.

Para se ter ideia, a maior apreensão do país em 2025 — e da história da Polícia Rodoviária Federal (PRF) — ocorreu em Roraima: 103 kg de ouro foram interceptados em agosto, em Boa Vista. Avaliado em R$ 61 milhões, o minério estava com o empresário Bruno Mendes de Jesus, condenado a 8 anos e 11 meses de prisão.

Além de Roraima, completam o ranking com as maiores apreensões no país: Amazonas (73,71 kg), São Paulo (46,74 kg), Pará (40,28 kg) e Rondônia (6,95 kg). No geral, a maioria das apreensões de ouro se concentra na Amazônia Legal, com mais de 345 kg:

Roraima – 213,69 kg
Amazonas – 73,70 kg
Pará – 40,28 kg
Rondônia – 6,95 kg
Mato Grosso – 6,45 kg
Amapá – 4,11 kg

O volume de ouro apreendido este ano é quase quatro vezes (344%) maior que todo 2024, quando foram apreendidos 100,7 kg de ouro ilegal no país.

O que explica o avanço? A PF afirma que o volume das apreensões de ouro está ligado ao reforço na fiscalização e à suspeita de que Roraima virou rota para escoar minério ilegal vindo de outras áreas da Amazônia. O fim da presunção de boa-fé nas operações também ajudou a ampliar os números. (Entenda mais abaixo)

A PRF foi responsável pela maior parte das apreensões de ouro no estado neste ano. Quando se trata de ouro, tudo apreendido pelas forças de segurança — PRF, Polícia Militar e Polícia Civil — é encaminhado à PF, que centraliza a custódia e conduz as investigações.

Casos recentes ajudam a dimensionar esse cenário na região. No fim de outubro, a PM apreendeu 72,6 kg de ouro no Amazonas, em uma ação que resultou na prisão de seis pessoas, entre elas dois policiais militares e um policial civil.

Dias antes, em Altamira (PA), a PRF apreendeu 40 kg de ouro em barras, avaliados em R$ 20 milhões, que eram transportados em um carro de luxo pela BR-230, a Transamazônica. Essa apreensão ocorreu menos de dois dias após a apreensão recorde em Roraima.

Escoamento do ouro por Roraima

Em entrevista ao site g1, o delegado da PF em Roraima, Caio Luchini, explicou que criminosos aproveitam a localização de Roraima, na fronteira com a Venezuela e a Guiana, para escoar o ouro extraído ilegalmente em outras regiões do país, especialmente da Amazônia.

“Acreditamos que grande parte do ouro apreendido aqui não tem origem em Roraima. Muitos vêm de outros estados e são trazidos para cá por causa da fronteira com a Venezuela e a Guiana, onde a comercialização desse minério é permitida. E por lá mesmo, o ouro é vendido”, afirmou o delegado.

Ainda de acordo com Luchini, criminosos usam essas rotas para transportar o material e fugir das operações mais rigorosas nas áreas de garimpo.

“O padrão que identificamos até agora é o uso das mesmas rodovias. E o transporte é feito por pessoas que, muitas vezes, simulam viagens em família para tentar burlar as fiscalizações”, revelou Luchini.

As investigações indicam o uso de rotas terrestres específicas, como as rodovias BR-401, que leva a Bonfim, na fronteira com a Guiana, e a BR-174, que liga Roraima à Venezuela.

O procurador da República André Porreca, do 2º Ofício da Amazônia Ocidental, destaca que, apesar das investigações indicarem que as apreensões recentes não são de ouro extraído em Roraima, ainda há garimpos ativos na região. Ele alerta que o estado também tem histórico de enviar ouro a outras partes do país.

“Garimpo em Roraima não acabou. Há uma articulação que não havia antes, e que não há em outros estados, com ações planejadas, houve um aprimoramento dos órgãos públicos. Mas, ainda existem garimpos na Terra Yanomami e muitos garimpeiros migraram para outras regiões do estado”, explicou.

O que explica o aumento de apreensões?

Em abril de 2023, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a aplicação da chamada “presunção da boa-fé” no comércio de ouro, ou seja, utilizando exclusivamente informações prestadas pelos vendedores — e deu 90 dias para o governo criar regras mais rígidas.

O governo editou uma medida provisória com efeito imediato, extinguindo a presunção da boa-fé e exigindo emissão de nota fiscal eletrônica.

Paralelamente, enviou ao Congresso um projeto de lei para estabelecer um marco regulatório permanente.
O projeto continua em análise nas comissões da Câmara dos Deputados.

Luchini afirma que as apreensões cresceram também após a intensificação das operações de fiscalização nas rotas que levam ouro para a Venezuela e a Guiana (países com maior facilidade para vender ouro ilegal). A medida foi tomada depois do avanço no combate ao garimpo ilegal em terras indígenas, coordenada pela Casa Governo, órgão do governo federal em Roraima.

“Num primeiro momento, o foco era retirar garimpeiros das terras indígenas, e isso tem sido feito com sucesso. Reduzimos significativamente os alertas de novas áreas de garimpo. Depois, intensificamos a fiscalização nas rotas terrestres”, explicou o delegado.

Cinco apreensões seguidas em Roraima

Além da emblemática apreensão de 103 kg de ouro em agosto em Roraima, o estado registrou outras quatro apreensões em quase quatro meses. Em três delas, a PF identificou o mesmo padrão: barras escondidas em compartimentos dos veículos.

O que é feito com o ouro apreendido?

Todo o ouro apreendido é enviado ao Instituto Nacional de Criminalística da PF, em Brasília, onde passa por perícia no projeto Ouro Alvo — iniciativa que busca identificar o “DNA do ouro”, ou seja, rastrear a região exata de onde foi extraído.

“Com essa análise, conseguimos descobrir se o ouro veio de áreas de garimpo ilegal, inclusive dentro de terras indígenas. É um trabalho técnico, demorado, mas essencial para combater a origem do crime”, destacou o Luchini.

Problema crônico

O sociólogo Rodrigo Chagas, doutor pela Universidade de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, explica que essa rota do ouro ilegal não é uma novidade em Roraima. Ela contextualiza que essa posição, na verdade, é resultado de um processo histórico e econômico que envolve estruturas ilegais consolidadas na Amazônia.

Chagas explica que, há décadas, o estado abriga redes conhecidas como “patrões de garimpo”, responsáveis por organizar a extração, logística e comércio ilegal de ouro — uma atividade que combina transporte aéreo, fluvial e terrestre.

“Roraima é historicamente uma área de mineração ilegal. Esses grupos articulam tanto a entrada de insumos e pessoas nas áreas de garimpo quanto a saída do ouro. São redes que controlam a logística e o comércio, muitas vezes atravessando fronteiras”, analisa Chagas.

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Segundo o pesquisador, o fato de Roraima fazer fronteira com dois países mineradores — Venezuela e Guiana — amplia o papel na circulação do ouro extraído na Amazônia.

“O ouro que antes era ‘esquentado’ em cidades do Pará e do Amazonas agora tende a ser levado para os países vizinhos, onde se mistura ao ouro legal e entra no mercado internacional”, explica.


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