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Brasil

Facção Criminosa do Amazonas paga caro por ‘condomínio no crime’ no Rio e bandidos fazem ‘home office’, informa Estadão

Investimento inclui oferta de escolta armada para os traficantes, ao menos 9 mortos em megaoperação eram líderes da facção vindos de outros Estados.

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Integrantes da alta cúpula do fação criminosa Comando Vermelho (CV) com atuação na Amazônia pagam, cada um, ao menos R$ 50 mil mensais para traficantes do Rio de Janeiro para se abrigar em esconderijos do crime nos complexos da Penha e do Alemão, segundo informações de inteligência obtidas com exclusividade pelo Estadão.

Em alguns casos, os valores alcançam R$ 150 mil, em investimento que inclui uma espécie de escolta armada para blindar os criminosos da polícia.

A informação é de que criminosos de outros locais, como Pará e Ceará, também adotam estratégia parecida – parte deles comanda de lá os bandidos de seus Estados de origem, em uma espécie de “home office” do crime. Na fortaleza do CV, também funcionam treinamentos de tiros para integrantes da facção.

Na última semana, uma megaoperação teve 121 mortos, 113 suspeitos presos e 90 fuzis apreendidos por 2,5 mil policiais que avançaram nas comunidades do Alemão e da Penha.

A Polícia Civil afirma que ao menos 9 dos mortos na operação são chefes do tráfico em diversas regiões do
País. Mas o maior alvo da ofensiva – Edgar Alves de Andrade, o “Doca ou Urso”, líder – fugiu. Foi a ação mais
letal da história da polícia do Estado.

Especialistas contestam a efetividade de incursões em favelas no combate às organizações criminosas, além de
verem riscos aos civis e aos próprios policiais. O governo do Rio chamou de “sucesso” a operação, alvo de protesto de parte dos moradores.

“Chamamos lá (Penha e Alemão) até de ‘condomínio do crime’”, afirmou ao Estadão o secretário de Segurança do Amazonas, Marcus Vinícius Almeida. “O Comando Vermelho no Amazonas tem 13 líderes. A informação que temos é de que os 13 estão na Penha ou no Alemão.”

Entre eles, estão nomes como Silvio Andrade Costa, o “Barriga”, apontado como a principal liderança do Comando Vermelho no Amazonas, e Caio Cardoso dos Santos, o “Mano Caio”, também integrante da alta cúpula. As defesas não foram localizadas pela reportagem.

O governo do Rio afirma que 99 dos 117 mortos na megaoperação da última terça, 28, foram identificados.
Entre eles estão sete do Amazonas – nenhum deles seria integrante dos chefes do CV no Amazonas. Ainda assim, a lista inclui nomes de criminosos com papel relevante no tráfico de drogas em Manaus e região metropolitana, segundo o promotor de Justiça Leonardo Tupinambá, chefe do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público amazonense.

Com papel de liderança no tráfico em algumas regiões de Manaus, Douglas Conceição, vulgo ‘Chico Rato”, e Francisco Myller, o “Gringo”, estão entre os mortos na operação desta semana – as defesas também não foram encontradas.

Segundo o promotor, eram nomes que continuavam exercendo o controle à distância de regiões de Manaus, com medidas que incluíam a execução de inimigos. “Matam com uma facilidade impressionante, com requintes de crueldade”, afirma Tupinambá.

Os complexos da Penha e do Alemão eram vistos como “impenetráveis” pela polícia antes da operação desta semana. “Como quase todos eles já têm mandados de prisão em aberto, se refugiam lá”, diz.

O CV é hegemônico no Norte, com forte atuação no Amazonas e no Pará e controle da rota do Rio Solimões. Isso se intensificou principalmente a partir de 2016, quando o Primeiro Comando da Capital (PCC) fez ofensiva no limite entre Paraguai e Mato Grosso do Sul, considerada a principal rota de cocaína do País, após a morte do traficante Jorge Rafaat, o “Rei da Fronteira”.

Conforme relatório recente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o CV está em quase todos os Estados. A forma de organização da facção, menos hierárquica que o PCC, pode ter ajudado na ocupação territorial de regiões mais distantes dos grandes centros, como na tríplice fronteira de Brasil, Peru e Colômbia.

“A organização criminal adota estrutura relativamente autônoma nos Estados, onde cada facção fora do Rio que adere à sigla CV possui líderes locais e liberdade de atuação”, aponta o relatório da Abin.

O Gaeco estima que, no Amazonas, o CV controla cerca de 90% dos territórios, exceto poucas cidades, como Coari, alvo de disputa com o PCC no Médio Solimões. Seriam ao menos 10 mil soldados a serviço da facção no Estado, sem contar integrantes dos “consórcios”. “Muitos dos transportadores (de cocaína, skunk e outros ilícitos) não fazem mais parte efetivamente de uma facção, são terceirizados”, afirma Tupinambá.

“São intercâmbios criados para fins de funcionamento de determinados atividades criminais e proteção e troca entre pessoas na atividade criminosa”, diz Luiz Fábio Paiva, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC). “É algo que o Estado demorou muito para agir.”

O secretário Marcus Vinicius Almeida afirma que a migração de lideranças do CV para a capital fluminense se intensificou nos últimos dois anos, após a prisão de lideranças da facção em locais diversos – um exemplo foi a prisão no Paraguai, em 2023, de Ocimar Prado Junior, vulgo “Coquinho”.

“Depois que (os integrantes do CV do Amazonas) começaram a ser presos fora dessa região (da Penha e do Alemão), começaram a migrar para lá”, afirma. A situação, diz, se estende para outros Estados. “Os líderes do Pará todos estão no Rio de Janeiro.”

Aiala Colares Couto, pesquisador do Universidade do Estado do Pará (Uepa), afirma que criminosos de outros Estados se valem das próprias características geográficas das comunidades do Rio para fortalecer as redes de proteção por lá.

“Lideranças do Estado (do Pará) passam a ir para o Rio de Janeiro por conta da questão que envolve a dificuldade de entrar no morro e da facilidade de poder se esconder dentro das favelas”, diz. “Aqui em Belém não há a mesma
estrutura do Rio. Aqui a polícia entra na favela.”

Segundo ele, o Pará foi a porta de entrada do CV na Região Norte, há mais de uma década. A organização criminosa só teria passado a ter mais força no Amazonas de 2017 em diante, a partir de alianças formadas com a Família do
Norte (FDN).

O governo do Rio aponta que, entre os quase cem mortos já identificados em decorrência da Operação Contenção, 40 eram de outros Estados, incluindo Pará (13), Amazonas (7), Bahia (6) e Ceará (5).

Ao menos 32 alvos da incursão eram do Pará. A Polícia Civil do Estado participou da megaoperação por meio de troca de informações com autoridades fluminenses. “Os suspeitos são apontados por envolvimento em diversos crimes, como tráfico de drogas, organização criminosa, homicídios e roubos”, afirma.

Para Jacqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense (UFF), é “pontual” o prejuízo ao CV com a megaoperação. “É importante, mas não substitui nem paga as vidas perdidas”, afirma.

Para o Instituto Sou da Paz, o enfrentamento do crime organizado e do domínio territorial ilegal depende muito mais de investigações profundas e do planejamento de operações focadas do que em ofensivas violentas.


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