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Brasil

Com segurança privada em alta, país já tem mais vigilantes do que policiais enquanto aguarda regulamentação do setor

Em apenas cinco meses, entre dezembro de 2024 e maio, houve um aumento de 10% no total de vigilantes empregados no país, segundo dados da Polícia Federal.

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Com o mercado em expansão após anos de retração, o Brasil já tem mais representantes da segurança privada do que a soma de policiais civis e militares. O fenômeno acontece em meio à queda dos principais índices de criminalidade — como roubos e furtos e homicídios —, que, no entanto, não impediu que o sentimento de insegurança crescesse entre a população, como apontam diferentes pesquisas.

Os serviços de vigilância particular vêm se espalhando por diversos tipos de comércios, empresas e até áreas residenciais, ao mesmo tempo em que o setor se adapta a uma nova legislação, ainda não regulamentada, que prevê regras mais rígidas de conduta tanto para as firmas quanto para os profissionais.

De acordo com reportagem do jornal O Globo, em apenas cinco meses, entre dezembro de 2024 e maio, houve um aumento de 10% no total de vigilantes empregados no país, segundo dados da Polícia Federal divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Eram 571 mil pessoas alocadas no setor, contra cerca de 404.871 PMs e 95.908 policiais civis na ativa.

Para especialistas e representantes do setor, o boom é explicado por vários fatores, como o momento econômico positivo no país. O aumento de eventos de grande porte é outro elemento que gera alta demanda.

Um levantamento do Ipespe entregue ao Ministério da Justiça no ano passado apontou que metade dos brasileiros não se sente seguro onde mora — número que chega a 61% nas periferias. Em abril, o Datafolha mostrou que 58% dos entrevistados acreditam que a violência aumentou na sua cidade nos 12 meses anteriores, enquanto só 15% acreditavam que os crimes caíram. Para 25%, o problema não aumentou nem diminuiu no período.

Para Caio Cardoso de Moraes, cientista político do Laboratório de Estudos Sobre Governança da Segurança da Universidade Estadual de Londrina (LEGS/UEL), a ampliação da segurança particular segue uma tendência global. Ele destaca que esse movimento está “mais associado ao crescimento das chamadas propriedades privadas de massa”, como shoppings e condomínios residenciais, “do que propriamente relacionado às taxas de criminalidade”:

— Certamente a sensação de insegurança pode ter algum efeito, mas as variáveis econômicas parecem explicar melhor essa transformação.

O aumento da vigilância privada não é contido nem pela popularização de recursos tecnológicos como os sistemas de monitoramento eletrônico, geralmente mais acessíveis.

— Eu acho que agora estamos no momento de somar. Não dá para ter só o homem, mas não dá pra ter só a tecnologia. Porque só com a tecnologia, você acaba sendo muito reativo, não é preventivo — opina Ricardo Tadeu, sócio da Lotus Centro de Formação de Profissionais em Segurança.

Em alguns casos, porém, é mesmo a violência que impacta o setor. No Morumbi, área nobre de São Paulo, a contratação de vigilantes sempre foi comum, mas tem dado um salto exponencial com a onda de assaltos e roubos a residências a condomínios na região. Moradores chegam a dividir custos de até R$ 30 mil por mês com os vigias, que trabalham tanto em portarias como circulando em carros pelas ruas. Um homem que vive no bairro, que prefere não se identificar, diz que esses serviços ajudam a dar “uma sensação de tranquilidade”, porque o policiamento seria ineficiente.

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Flávio Sandrini Baptista, presidente do Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e Cursos de Formação do Estado de São Paulo (Sesvesp) e CEO da Verzani & Sandrini, afirma que a segurança privada “complementa” a pública e pode ajudar em alguns casos:

— Na hora em que você tem uma segurança privada no estabelecimento comercial, em um parque, em um shopping, se há um vandalismo ou um assalto, por exemplo, a gente faz toda essa primeira parte (de abordagem) e aí aciona a segurança pública para fazer a apreensão. Isso já auxilia na proteção daquele limite ou patrimônio.

Estatuto sancionado

Em setembro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou o Estatuto da Segurança Privada, que fixa regras para as empresas e profissionais e coloca uma série de serviços nesse ecossistema, que engloba vigilância patrimonial, escolta armada, segurança em unidades de conservação, os guardas de rua que ficam em guaritas e o monitoramento eletrônico, entre outras. Antes, o setor era regulamentado no país por uma lei de 1983, considerada defasada e que deixava muitas lacunas no papel da segurança privada no Brasil.

— A segurança eletrônica, por exemplo, não tinha um amparo legal. Empresas de monitoramento eletrônico vinham sendo montadas sem obedecer a regras legais e começavam a oferecer o serviço. Agora, veio para o arcabouço da Polícia Federal (PF), e a empresa vai ser fiscalizada e monitorada — explica Jeferson Nazario, presidente da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist).

Para que a lei passe a valer de forma integral, contudo, ainda é necessária a regulamentação, sem prazo para ocorrer, que possibilitará o controle efetivo pela PF sobre a atuação de empresas de segurança, dos cursos de formação e dos condomínios que têm equipe própria, bem como o uso de carros blindados em escoltas, os planos de segurança de grandes eventos e o compartilhamento das informações sobre a vigilância privada com os órgãos de segurança pública. O Ministério da Justiça informou que a regulamentação “está em fase final de elaboração”.

Susana Durão, antropóloga da Unicamp que estuda o tema da segurança privada, diz que o estatuto levou duas décadas para ser aprovado e “já veio tarde”. Ainda assim, pontua, as novas regras têm “aspectos muito positivos”:

— Em vez de ser fator de resolução de crimes, a segurança privada pode facilmente se transformar em criação de mais crimes. Isso é muito complexo e deve ser regulado pelo estado. Tenho mostrado nos meus textos que a segurança privada é um imenso agregado de atores, processos e práticas que também contêm no seu interior grupos criminosos e grupos financeiros sem ética. Ela não pode se autorregular.

Um dos temas que será fiscalizado pela PF são as abordagens discriminatórias, já que a lei prevê multas para as empresas cujos seguranças ajam com preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. As multas variam de R$ 1 mil a R$ 30 mil, mas podem ser maiores a depender do capital social da empresa. Em caso de reincidência, poderá haver interdição e até mesmo o cancelamento da autorização de funcionamento.

Em 2020, João Alberto Silveira Freitas, um negro de 40 anos, foi brutalmente espancado até a morte por dois seguranças em um mercado da rede Carrefour em Porto Alegre (RS). O caso ganhou repercussão nacional e virou um marco na segurança privada. Tratava-se de um profissional contratado por uma empresa clandestina, mas o episódio fez com que cursos de formação passassem a abordar essas temáticas com mais atenção. Com a regulamentação, a PF também poderá punir com multas as empresas irregulares, bem como quem as contrata.

— Muitas vezes, o serviço de segurança privada é contratado por quem tem maior poder aquisitivo para proteção contra aqueles vistos como indesejados. Isso significa que certos grupos, historicamente estigmatizados, podem ser alvos mais frequentes de ações de controle social exercidas a mando de quem paga — alerta Caio Moraes, pesquisador da LEGS/UEL. — Essa dinâmica tende a aprofundar as desigualdades e a segregação.


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