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Amazonas

Aquecimento global pode ‘turbinar’ Aedes aegypti, transmissor de zika, dengue, e chikungunya, mostra experimento de cientistas de Manaus

Cientistas do Inpa criaram colônias da espécie submetendo-as a aumento de temperatura; insetos cresceram mais rápido e ficaram maiores.

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Com o aumento do calor projetado ao longo deste século nas cidades tropicais que já são muito quentes, o mosquito Aedes aegypti, transmissor de zika, dengue, e chikungunya, deve começar a ficar maior e chegar à idade adulta mais rápido, mostra um experimento realizado por cientistas brasileiros. As informações são do jornal O Globo.

O grupo de pesquisadores, baseado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, chegou a esta conclusão depois de simular como o desenvolvimento do inseto será alterado à medida que a crise do clima avança e vai aproximando a cidade das temperaturas que ela deve registrar em 2100.

Tomando como base os modelos de simulação chancelados pelo painel de cientistas do clima da ONU (IPCC), os pesquisadores amazônidas criaram colônias de mosquitos em quatro cenários diferentes de temperatura e concentração de CO2 para ver como eles reagiriam.

No cenário inicial, mantiveram o ambiente exatamente como está hoje da cidade de Manaus, reproduzindo em cativeiro a mesma oscilação de temperatura entre dia e noite que a cidade registra. Nos outros cenários, aumentaram gradativamente o calor. A colônia em condições mais extremas (acréscimo de 5°C) reproduziu o que deve acontecer se o aquecimento global seguir irrefreado neste século.

— A gente percebeu que há uma diferença, para mais, no peso das fêmeas e no peso dos machos. Então, eles respondem de forma positiva à alteração dos ambientes — afirma Joaquim Ferreira do Nascimento Neto, cientista do Inpa que lidera o experimento. — Além disso, eles crescem mais rápido.

Os cientistas ainda não sabem exatamente por que isso acontece. Talvez seja uma reação biológica do inseto a um aumento no gasto energético para se manter em temperaturas mais extremas.

Ferreira afirma que também não está claro ainda se essa mudança morfológica vai alterar a capacidade do Aedes aegypti de espalhar doenças.

Os insetos que cresceram sob maior calor, além de maturarem mais rápido, morrem um pouco mais cedo. Para saber se um aspecto compensa o outro, estão planejando agora novos estudos.

— O nosso próximo passo é fazer os estudos com infecções experimentais para entender essa dinâmica do processo infectivo do inseto vetor — diz —

Precisamos entender se a presença dos vírus restringe apenas ao intestino ou se chegam a ter sucesso a atingir as glândulas salivares do mosquito.

Ferreira apresentou alguns resultados de seu trabalho nesta semana no seminário Conexões Amazônicas, que governos francês e brasileiro promoveram no Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém. A reunião integra a Temporada França-Brasil 2025, série de eventos de comemoração marcando 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países.

O grupo do Inpa tem trabalhado desde 2020 com as colônias de mosquitos, e já publicou outros estudos sobre os insetos. Em um deles, avaliou o metabolismo dos animais com base em produção de proteínas no organismo. Em outro, avaliou a formação de ovos do animal. Esses dois trabalhos se alinham com os resultados que os cientistas preparam para publicar agora.

O trabalho do Inpa abre uma nova frente de preocupação dos países tropicais com o Aedes aegypti, que deve ser um dos vetores de doenças mais beneficiados pela crise do clima. A maior parte dos estudos sobre o tema
versa sobre a distribuição do mosquito. Com o aquecimento, cidades que hoje são frias demais para abrigar o inseto podem começar a recebê-lo.

A pesquisa de Ferreira, porém, toca um aspecto diferente do problema: pode ser que o Aedes se torne um vetor mais preocupante também nas cidades onde ele já está instalado.

Amazônia mais quente

Pesquisadores de outros centros de pesquisa têm manifestado preocupação especial com a Amazônia, porque a região que já é quente terá temperaturas do limiar de tolerância humana em muitos dias. Helen Gurgel, coordenadora do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde, da Universidade de Brasília (UnB), apresentou no seminário do Museu Goeldi dados sobre Belém e Manaus e mostrou que as duas cidades estão vivendo agora um cenário que para outras metrópoles deve chegar só num estágio avançado do aquecimento global.

— A gente fez um estudo analisando de 1970 até 2015 sobre a quantidade de eventos de ondas de calor por ano. Dá para perceber que, a partir dos anos 2005 para 2010, teve um aumento muito forte dos eventos de ondas de
calor, em especial na região norte — diz a cientista.

Segundo Ferreira, do Inpa, no caso dos mosquitos, há uma preocupação não apenas na capacidade de infecção que eles podem adquirir. Nos dias com temperaturas mais extremas, pode ser que o calor seja excessivo até
mesmo para o Aedes, e é possível que o mosquito saia do ambiente urbano e comece a fazer incursões na mata ao redor da cidade, que é um pouco mais fresca.

— Se o mosquito começa a frequentar ambientes que ele não frequentava antes, como essas regiões de bosque e semibosque, ele vai entrar em contato com outros organismos que podem ser receptáculos de outros vírus
— diz o cientista. — Durante esse contato pode ser que ele possa começar a veicular os outros patógenos que existem no ambiente rural.

A história de como um vírus selvagem pode causar epidemias severas quando deixa seu ambiente já é conhecida, com a Covid-19 sendo o maior exemplo disso hoje. Ferreira afirma que é importante pesquisas futuras
avaliarem o risco de isso occorrer.

Além de trabalhar com o Aedes, os pesquisadores do Inpa estão mantendo colônias de outro mosquito: o Anopheles darlingi, transmissor da malária nas Américas.

Diferentemente do mosquito da dengue, porém, o Anopheles é uma espécie mais adaptada a matas, e o tipo de perturbação sanitária que pode causar tem uma dinâmica diferente. A malária é uma doença grave endêmica na
região, e tradicionalmente eventos de desmatamento para avançar fazendas e cidades sobre a floresta estão associados a surtos.

Uma preocupação do grupo de Ferreira agora é com a piscicultura, uma atividade que cresce na Amazônia e usa tanques e reservatórios que podem servir de criadouro para o Anopheles.

— A gente acredita que, tentando obter essas respostas da biologia, estudando tanto comportamento quanto a genética no Aedes e no Anopheles, nós podemos pensar em estratégias públicas para tentar minimizar o problema — diz o pesquisador.


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