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Economia

Um ano depois, lei do juro no rotativo do cartão encerrou ‘bola de neve’

Desde janeiro de 2024, o máximo de juros e encargos que os bancos podem cobrar sobre faturas atrasadas equivale ao valor inicial da dívida.

Um ano após entrar em vigor, a lei que limita os juros cobrados no rotativo do cartão de crédito tem um efeito claro: o fim da “bola de neve” das faturas.

No fim do ano passado, o crédito acumulado nessa modalidade no país chegou ao menor nível histórico: 10% —ou R$ 61,4 bilhões— em relação ao total do cartão de crédito.

Desde janeiro de 2024, o máximo de juros e encargos que os bancos podem cobrar sobre faturas atrasadas equivale ao valor inicial da dívida.

Ou seja, a dívida só pode dobrar –e isso vale para o rotativo e para o parcelamento do saldo não pago.

O dispositivo, incluído na lei do programa Desenrola Brasil, colocou um freio no efeito de juros sobre juros, que elevava exponencialmente as cobranças.

Apesar desse alívio, a inadimplência voltou a subir desde outubro de 2024, segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e o Serviço de Proteção ao Crédito.

8 em cada 10 consumidores voltaram ao vermelho um ano após saírem das dívidas.

Antes da mudança do Desenrola, um cliente que dividisse uma fatura em 24 meses pagaria quase três vezes a dívida inicial, considerando a taxa média de 196,9% ao ano válida em dezembro de 2023.

Ao fixar limite de 100%, a lei dos juros do rotativo e do parcelado facilitou o cálculo da dívida, ajudando o cliente que precisa contestar uma cobrança.

Outro ganho importante para o consumidor: a segurança jurídica.

“Se um juiz decidir sobre juros do rotativo, a existência do limite na lei vira uma baliza que reforça a decisão, reiterando uma norma regulatória editada pelo Banco Central que trata do mesmo tema”, afirma Fabio Braga, sócio da área de direito bancário e financeiro do escritório de advocacia Demarest.

Histórico do rotativo

O rotativo foi criado em 1958 pelo Bank of America, nos Estados Unidos. Importado em 1968 pelo Bradesco, logo se disseminou no Brasil pela facilidade de utilização.

Se o cliente não tiver dinheiro para quitar toda a fatura no vencimento, pode pagar um valor mínimo e jogar o restante para o mês seguinte —a um custo.

Desde o início, a parcela de usuários que conseguia liquidar rapidamente o restante da dívida era pequena. Isso gerou muitos calotes e juros estratosféricos para cobrir perdas de bancos com inadimplentes.

No mês de dezembro anterior ao início da nova lei, a taxa média estava em 442,1% ao ano.

Em janeiro de 2017, a resolução 4.549 do Banco Central começou a brecar a progressão “infinita” de dívidas -mas apenas no rotativo.

O Banco Central determinou que, se o cliente não quitar em 60 dias o saldo jogado para a frente, o banco é obrigado a oferecer parcelamento “em condições mais vantajosas do que as do rotativo”.

Alguns bancos, no entanto, ofereciam parcelamento com juros somente um ou dois pontos percentuais abaixo dos praticados no rotativo.

A solução viria com o Desenrola Brasil, que instituiu um plano de renegociação de dívidas para inadimplentes e impôs limites tanto ao juro do rotativo quanto ao do parcelado.

Divulgação dos juros

Manter os juros elevados no parcelamento também ajudava na estratégia de cobrança dos bancos.

Ao receber a fatura com números astronômicos, o cliente ficava mais inclinado a aceitar um acordo para trocar o parcelamento do cartão por um crédito pessoal ou um consignado.

São alternativas mais baratas e menos arriscadas para a instituição financeira.

“No passado, como não havia limite para a taxa de juros, os bancos ligavam depois de um, dois anos, dizendo: ‘Sua dívida de R$ 10 mil agora é de R$ 200 mil. Mas te dou desconto de 90% para pagar R$ 20 mil’. Só que esses R$ 20 mil ainda são o dobro da dívida inicial”, diz Fabrício Winter, sócio da consultoria RD Inteligência em Serviços Financeiros, especializada em cartões.

A armadilha evidencia a importância de o cidadão entender melhor como funciona o cartão de crédito, as faturas e todos os números envolvidos.

Essa meta ganharia impulso se o BC alterasse a forma como publica dados sobre os juros do cartão, avaliam associações que reúnem as maiores instituições financeiras e empresas de pagamento eletrônico.

O site do Banco Central, por exemplo, informa que o juro médio no rotativo do cartão de crédito ficou em 450,5% ao ano em dezembro. O do parcelado estava em 171,2% ao ano, ignorando que o cliente não paga mais essa taxa.

Não significa que existe um teto para os juros em si: cada banco cobra quanto quiser.

Entretanto, no momento em que os encargos da dívida chegam a 100% do montante inicial, eles não podem aumentar mais.

O que a lei limita, portanto, é a quantidade de tempo em que o banco poderá cobrar juros do cliente. No caso do parcelamento, a tendência é haver um número menor de prestações disponíveis.

Por isso, é irreal o BC dizer que o juro médio seja de 450,5% ao ano, mesmo que essa taxa inclua operações fechadas antes de a lei começar a valer e que ainda não foram totalmente quitadas.

Se, na prática, as dívidas no rotativo e no parcelado dobram –e, assim, param de crescer– muito antes de fazerem aniversário de um ano, o texto do BC dá a impressão de que os encargos que os clientes dos cartões pagam são maiores do que na realidade.

O mais correto, na opinião das associações, seria divulgar a taxa mensal, e não anual. Para dezembro passado, seria de 15,27%.

O BC diz que usa a taxa anual para deixar claro que não existe um limite para os juros em si. Defende que o mercado é livre para cobrar quanto quiser e que a forma de apresentação das estatísticas é uma questão matemática.

O valor anual é o padrão internacional para dados de juros e permite a comparação com outros países e com séries históricas do Brasil.

Pedido de mudança

Existe ainda no banco a avaliação de que, se uma nova divulgação for lançada, outros segmentos do mercado também demandarão ajustes.

Por mais que os juros altos sejam úteis, em determinadas situações, para pressionar o cliente a pagar, ninguém quer ser apontado o tempo todo como o vilão da economia.

Uma eventual mudança que contemplasse todos os segmentos, no entanto, complicaria e encareceria o trabalho do BC de coletar e organizar os dados.

No final do ano passado, cinco entidades do setor de meios de pagamento –Abecs, Abipag, Abranet, Febraban e Zetta– levaram ao BC um pedido formal de mudança nas estatísticas do rotativo.

Segundo membros das associações, a autoridade monetária recebeu com muitas ressalvas a sugestão. Mesmo assim, as entidades esperam ter alguma resposta oficial do BC sobre o assunto no primeiro trimestre deste ano.

“Toda medida do BC para melhorar a inclusão financeira a partir de melhores informações e também do incentivo à competição são benéficas para a população como um todo”, diz Alexandre Albuquerque, analista de bancos da agência de classificação de risco Moody’s Ratings.


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