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Calor de 2024 supera 1,5°C pela primeira vez na História e transforma vida real em tragédias climáticas, mostra pesquisa

Ano foi marcado por megaincêndios florestais na América do Sul, Canadá e Europa, seca na Amazônia e no Pantanal, inundação no Saara e furacões devastadores nos EUA.

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Megaincêndios florestais em Los Angeles . (Fto:Reprodução)

O calor de 2024 superou as previsões e não apenas o ano foi o mais quente da História quanto o primeiro a romper a marca de 1,5°C de aumento na temperatura média da Terra em relação aos níveis pré-industriais, informou o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), a agência europeia do clima, de acordo com reportagem do jornal O Globo. O 1,6°C a mais aferido se materializou em tragédias e fez de 2024 um filme-catástrofe da vida real.

Megaincêndios florestais como o que agora deixa Hollywood em chamas calcinaram partes da América do Sul, do Canadá e da Europa. A Amazônia e o Pantanal secaram. O Saara inundou. Dilúvios em Brasil e Espanha submergiram cidades. Furacões chegaram à força inédita nos EUA. Ondas de calor alcançaram todo o globo. Pessoas e bichos pereceram aos milhares.

Em 2024, pela primeira vez, foi superado o limite de 1,5°C grau acima da média do período pré-industrial, estabelecido no Acordo de Paris como máximo tolerável. A média de dois anos para 2023-2024 também excedeu esse limite, chegou a 1,54°C.

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Embora isso não signifique que tenhamos ultrapassado o limite estabelecido pelo Acordo de Paris — que se refere a anomalias de temperatura médias em ao menos 20 anos — “mostra que as temperaturas globais estão aumentando além do que os humanos modernos já experimentaram”, diz o Copernicus.

— Sabíamos que haveria recorde, mas é pior do que o previsto. Mesmo que a La Niña deste início de ano deixe o verão sem novos recordes, será um alívio temporário. O aquecimento está piorando mais depressa do que se imaginava e ameaça deixar partes do planeta inabitáveis — afirma o coordenador de operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Marcelo Seluchi.

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Ao ultrapassar 2023, o recordista anterior, 2024 marcou também um inédito período de quase dois anos de aquecimento praticamente sem trégua, com consequências para cada aspecto da vida na Terra, seja na saúde, na economia ou no meio ambiente.

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Todos os continentes bateram recordes. Mas dados exclusivos revelados pelo climatologista José Marengo, pesquisador do Cemaden, a América Latina e o Caribe estão entre as regiões que mais esquentaram.

— O centro da América do Sul e o México ferveram como nunca — afirma Marengo, que prepara o capítulo sobre a América Latina para o relatório de 2024 da Organização Mundial de Meteorologia (OMM).

calor-de-2024-supera-15c-pela-Extremos no Brasil

Enquanto a média de aquecimento do planeta em 2024 foi de 0,72°C em relação ao período de 1991-2020 (usado como referência pela OMM e o IPCC), na América Latina chegou a 0,95°C. É 0,23°C de diferença e não parece muito. Mas se materializaram em extremos como a catástrofe das chuvas do Rio Grande do Sul, na mais extensa seca da História do Brasil, no nível mais baixo dos rios do Pantanal e da Amazônia. O México passou de 45°C em mais de uma ocasião, o suficiente para fazer macacos caírem mortos dos galhos. Diferentemente da Europa, o continente ainda subnotifica mortes humanas por calor, destaca Marengo.

Como 1,6°C acima, a temperatura média global chegou a 15,10°C e superou 2023 em 0,12°C. Desde julho de 2023, exceto em julho de 2024, todos os meses excederam o limite de 1,5°C.

—Pense na Terra como uma pessoa. Nosso corpo está bem quando nossa temperatura é 37°C. Mas, se sobe para 38,6°C temos febre, nos sentimos mal, com dores. A febre do planeta se manifesta em extremos — afirmou a líder de estudos climáticos do Centro Europeu de Previsão do Tempo, Samantha Burguess.

Segundo o Copernicus, os últimos 10 anos (2015-2024) foram os 10 mais quentes já registrados. A tragédia climática de 2023-2024 é resultado da combinação das mudanças climáticas associadas à ação humana com um El Niño de forte a moderado. Mas Burguess enfatiza que a tendência de aquecimento devido à concentração na atmosfera de gases-estufa emitidos por atividades humanas superou os efeitos do El Niño.

Marengo observa que 1998 e 2016 tiveram El Niños mais poderosos e nem por isso esquentaram tanto. Em 2024, as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono e metano continuaram a aumentar e atingiram níveis anuais recordes em 2024: 422 partes por milhão (ppm) e 1.897 partes por bilhão (ppb), respectivamente. As concentrações de dióxido de carbono em 2024 foram 2,9 ppm mais altas do que em 2023, e as de metano, 3 ppb mais elevadas. Assim, o termômetro seguiu subindo mesmo após o fim do El Niño, que em maio já esmorecera.

Outras possíveis causas naturais de aquecimento, como a menor cobertura de nuvens, a redução de aerossóis e o aumento da atividade solar representaram só centésimos de grau de elevação, acrescenta Burguess. E a erupção do vulcão submarino Hunga Tonga-Hunga Ha’apai, no Pacífico Sul, em 2022, ainda causou algum esfriamento.

Os mares também bateram recorde de temperatura e tiveram grande peso no calor global, frisa o diretor do Copernicus, Carlo Buontempo. Em 2024, a temperatura média anual da superfície do mar atingiu um recorde de 20,87°C, 0,51°C acima da média de 1991-2020.

O Atlântico e o Índico já estavam mais quentes que a média antes do El Niño e seguiram assim depois que ele terminou. Em vez de absorver o excesso, eles estão lançando mais calor em forma de vapor na atmosfera.

Segundo os dados do Copernicus, a quantidade total de vapor d’água na atmosfera atingiu um valor recorde em 2024: 5% acima da média de 1991-2020 e 1% acima de 2016 e 2023, os anos com os valores anteriores mais altos.

— Todo esse calor e umidade são a receita para o desastre, como as chuvas torrenciais que tivemos. Há muita discussão sobre por que os mares estão tão quentes, mas o ponto é que o calor no mar se tornou uma fonte de problemas — explica Regina Rodrigues, professora de Oceanografia e Clima da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenadora do grupo que estuda o Atlântico e suas ondas de calor da OMM.

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As temperaturas extremas e a alta umidade contribuem também para o aumento dos níveis de estresse térmico, quando o calor ultrapassa a capacidade de regulação do corpo. Em 2024, a área do planeta afetada pelo calor extremo atingiu um recorde em 10 de julho, quando cerca de 44% da Terra esteve sob “estresse térmico forte” a “extremo”.

2025 seguirá quente

O ano de 2025, dizem climatologistas, deve seguir muito quente. Porém, menos que 2024. A La Niña fraca que dá os primeiros sinais de vida no Pacífico equatorial deve ajudar a baixar os termômetros, ainda que temporariamente. Marengo observa que é cedo para saber se ela poderá se prolongar após o fim do verão. Ele diz que o aquecimento ligado à ação humana tem prevalecido sobre fenômenos naturais como El Niño e La Niña. Os climatologistas são unânimes em repetir que a única solução para impedir que o aquecimento se agrave é cortar as emissões de gases-estufa.

— A Humanidade está no controle de seu próprio destino, mas nossa resposta ao desafio climático deve ser baseada em evidências. O futuro está em nossas mãos. Uma ação rápida e decisiva ainda pode alterar a trajetória do clima — declarou Buontempo.


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