Brasil
INSS vai retomar a perícia presencial para alguns tipos de auxílio-doença após alta de concessões
Presidente do órgão diz que ‘abrir a porteira’ com sistema digital Atestmed era mais barato, mas agora sistema precisa de correções.
O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) vai voltar a exigir a perícia presencial em pedidos de auxílio-doença para alguns tipos de invalidez e para duas categorias de segurados.
A mudança ocorre após o governo identificar um aumento significativo nos pedidos e nas concessões de benefício para esses grupos via Atestmed , sistema online que dispensa a perícia presencial .
“A gente começa a ver comportamentos que merecem atenção. É como uma luz amarela”, antecipa o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.
Segundo ele, seguros que precisam recorrer ao auxílio por doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (como dores nas costas e lesões nas articulações) passarão a ser encaminhados automaticamente à perícia presencial.
Desempregados que ainda estão no chamado período de graça (em que se mantém o direito a benefícios mesmo sem contribuição ao INSS) ou segurados facultativos, que contribuem por vontade própria, também precisarão passar pela perícia médica antes de ter o auxílio deferido.
Stefanutto negou que a decisão seja um reconhecimento tácito da administração pública de que o Atestmed não deu certo. O sistema é uma das principais apostas do governo para poupar recursos na Previdência, cuja tendência de aumento de despesas é uma preocupação central para a equipe econômica.
Segundo ele, no momento em que a fila de espera para perícias presenciais durava meses e gerava elevados pagamentos retroativos (o valor é calculado a partir dos dados do requerimento inicial), a adoção do sistema foi um “risco calculado”.
“Naquele estado de guerra, Atestmed é tipo ‘abre a porta porque é mais barato’. Quando começa a arrumar e ter melhorado na perícia em número de dias, melhora na concessão, mais dados, nós temos a obrigação de aperfeiçoar o sistema, seja para conceder melhor, seja para gastar o que é necessário, não gastar mais”, afirma.
Os requisitos continuarão a ser aceitos pela Atestmed, mas haverá ajustes no sistema para direcionar esses seguros ao agendamento presencial. Não há necessidade de nenhuma norma, diz o presidente, apenas mudanças operacionais.
A ideia é que a medida seja renovada ainda neste mês de outubro, mas detalhes finais ainda estão em discussão. Uma possibilidade é que apenas algumas doenças osteomusculares sejam encaminhadas para perícia presencial, focando naqueles com comportamento atípico — como parece ser o caso das dorsais nas costas.
Dados do MPS (Ministério da Previdência Social) enviados à Folha mostram que as dorsalgias foram a condição campeã de concessões de auxílio-doença entre outubro de 2023 e setembro de 2024. Foram 185,8 mil pedidos deferidos para essa enfermidade, o que representa 62 % dos requisitos feitos no período.
Os números de 2023 também já mostraram um aumento nas concessões de benefício por incapacidade para o grupo total de doenças osteomusculares.
Levantamento feito pelo pesquisador Rogério Nagamine, ex-secretário do RGPS (Regime Geral de Previdência Social ), a partir de informações do MPS mostra que o INSS concedeu 452,5 mil benefícios por invalidez em 2023 para casos em que o código CID (classificação internacional de doenças) tinha relação com essa categoria. O número é 43,5% maior do que o distribuído em 2022.
O crescimento ficou acima do ritmo geral de expansão do benefício, que registrou no ano passado 2,2 milhões de pedidos de pedidos, alta de 26,6% em relação a 2022.
Apenas as dorsalgias tiveram um aumento ainda mais expressivo, de 50,8% no período. As concessões passaram de 66,1 mil em 2022 para 99,7 mil benefícios no ano passado. A média mensal, que ficou na faixa de 5.000 mil deferimentos, chegou a 12 mil em dezembro de 2023.
A percepção no governo é que há um aumento crescente de exigências de auxílio-doença por dorsalgia. Ao levar este caso para a perícia presencial, a ideia é testar se esse comportamento foi provocado pela introdução da análise documental via Atestmed. A expectativa é poder tirar as primeiras conclusões em até 12 meses a partir da mudança.
Uma análise preliminar feita pelo INSS em abril também indicou que a duração do benefício para o CID de doenças osteomusculares era de 93,4 dias para concessões via Atestmed, acima dos 82,77 dias apresentados a partir das perícias presenciais. Ou seja, o segurado acaba de receber os valores do governo por mais tempo. Na maioria dos outros códigos, o quadro foi o inverso.
Naquele estado de guerra, Atestmed é tipo ‘abre a porta porque é mais barato’. Quando começa a arrumar e ter melhora na perícia em número de dias, melhora na concessão, mais dados, temos a obrigação de aperfeiçoar o sistema.
Stefanutto afirma que o comportamento das concessões para desempregados e seguros facultativos também começou a ser observado historicamente na avaliação presencial. Por isso, também serão redirecionados à perícia.
“Os segurados que estão desempregados e os contribuintes facultativos, não é um preconceito, mas a própria circunstância pode induzir a ter um comportamento de maior abuso do uso da ferramenta. [Está] Atrás de uma renda, é natural. A gente tem que pegar esse mundo concreto e trazer [para as decisões do órgão]”, diz.
Outras categorias de segurados, como trabalhadores com vínculo formal, continuarão tendo os auxílios detalhados via Atestmed, desde que a doença não esteja entre as que exigiram perícia presencial. Segundo Stefanutto, nesses grupos não houve diferença significativa no comportamento dos benefícios.
Ele ressalta ainda que a retomada parcial da exigência de perícia presencial só é possível porque o tempo médio de espera caiu para menos de um mês —o prazo pode ser maior em algumas regiões, como no Nordeste, mas valerá para todo o Brasil.
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