Brasil
Alta de casos de dengue reacende teorias conspiratórias no debate político das redes sociais, aponta pesquisa
A repercussão da dengue nas redes sociais, mostrando que a doença reacendeu as teorias conspiratórias antivacina e tem sido usada para atacar o ministério da Saúde e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Passada a euforia carnavalesca, a vida real vai nos impondo a realidade dos nossos problemas, entre eles a epidemia de dengue cujo número de casos prováveis chegou a 408 mil até sexta-feira passada, quando o número de vítimas confirmadas da doença atingiu 62, enquanto outras 279 mortes suspeitas estão sendo investigadas.
Nesse cenário, ganha relevância a Pesquisa do Instituto Democracia em Xeque sobre a repercussão da dengue nas redes sociais, mostrando que a doença reacendeu as teorias conspiratórias antivacina e tem sido usada para atacar o ministério da Saúde e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O instituto, que faz o acompanhamento do debate público digital das campanhas de desinformação e de violação dos direitos humanos, constatou que grupos de extrema direita e de oposição têm agido de forma muito semelhante àquela usada durante a pandemia da Covid, quando bolsonaristas e seus apoiadores espalhavam desinformação e medo sobre a doença e a imunização.
“As mensagens seguem a lógica da pandemia numa divulgação massiva feita de forma muito coesa, organizada e coordenada por esses grupos”, explica Andressa Costa, pesquisadora do Instituto Democracia em Xeque e do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAAP) da Universidade de Lisboa. Nesse cenário, as hashtags mais associadas às buscas tem sido #Lulagenocida, #EsquerdaCriminosa, #EsquerdaGenocida, e #ForaLula. “Podemos perceber que são praticamente as mesmas mensagens que eram usadas contra o então presidente Jair Bolsonaro pela esquerda e que agora servem aos grupos de direita”, diz a pesquisadora.
Os movimentos organizados utilizam as hashtags de oposição associando o governo federal com a alta nos casos de dengue por todo o Brasil e mencionando um recorde de mortes pela contaminação que não corresponde à realidade. As mortes, cujos números superestimados só existem nas fake news, servem para criar um movimento também semelhante ao que aconteceu com a covid. Acusa-se o governo de não comprar ou produzir – o Instituto Butantã – vacinas suficientes para atender a população.
Alguns exemplos destacados pela pesquisadora, principalmente no Telegram, mostram o tipo de mensagem que vem ganhando espaço nas redes sobre a vacinação contra a dengue. Uma dessas mensagens, do senador Marcos Pontes (PL-SP), diz: “Você sabia que o Brasil já poderia estar protegido contra a dengue? Alertei em 19 de abril de 2023, quando enfrentamos um surto da doença, que o Brasil já estava apto para adquirir a vacina de um laboratório japonês”, diz um desses posts do senador que foi ministro da Ciência e Tecnologia no governo de Bolsonaro.
Outras mensagens dizem que “o governo genocida e negacionista, só comprou vacina para 1,1% da população”. Mas, segundo o Ministério da Saúde, a distribuição das vacinas iniciou-se na quinta-feira passada. O lote inicial será destinado à imunização de crianças de 10 a 11 anos e a previsão é que os 521 municípios, selecionados para começar a imunização, recebam as doses para vacinar essa faixa etária até a primeira quinzena de março. Segundo o ministério, a vacinação irá avançar para outras idades assim que forem sendo entregues novas doses pelo fabricante da Qdenga, até alcançar todo o público-alvo de 10 a 14 anos.
Com os imunizantes já começando a ser distribuídos, as fake news voltaram a apelar para um discurso muito frequente e também similar ao usado durante a covid em que se alegava que não era seguro tomar a vacina e dezenas de posts relatavam casos não verdadeiros de pessoas que teriam tido problemas, contraído a doença ou até mesmo morrido após a imunização.
A pesquisa mostra que, em momentos como este, tão importante quanto conter a transmissão da doença e a epidemia, é preciso usar de todos os recursos disponíveis para combater a desinformação. Dela, resultam o descaso e a falta de cuidados que aumentam o número de casos e o risco de mortes, saturam os serviços de saúde e põem em risco a população.
De acordo com a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz),o mosquito transmissor da dengue é originário do Egito, na África, e vem se espalhando pelas regiões tropicais e subtropicais do planeta desde o século 16, período das Grandes Navegações. Admite-se que o vetor foi introduzido no Novo Mundo, no período colonial, por meio de navios que traficavam escravos. Ele foi descrito cientificamente pela primeira vez em 1762, quando foi denominado Culex aegypti. O nome definitivo – Aedes aegypti – foi estabelecido em 1818, após a descrição do gênero Aedes. Relatos da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) mostram que a primeira epidemia de dengue no continente americano ocorreu no Peru, no início do século 19, com surtos no Caribe, Estados Unidos, Colômbia e Venezuela.
No Brasil, os primeiros relatos de dengue datam do final do século XIX, em Curitiba (PR), e do início do século XX, em Niterói (RJ).
No início do século XX, o mosquito já era um problema, mas não por conta da dengue — na época, a principal preocupação era a transmissão da febre amarela. Em 1955, o Brasil erradicou o Aedes aegypti como resultado de medidas para controle da febre amarela. No final da década de 1960, o relaxamento das medidas adotadas levou à reintrodução do vetor em território nacional. Hoje, o mosquito é encontrado em todos os Estados brasileiros.
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