Amazonas
Colombianos que abrigaram Beira-Mar se aliam a PCC e CV em rota amazônica que passa por Manaus, informa site
Um dos trechos do documento aponta que o Comando Vermelho tem a função de “recuperar rotas no Amazonas”. O PCC (Primeiro Comando da Capital), disputa território com o CV, cita o documento.
Ex-membros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) estão na mira das autoridades colombianas, brasileiras e norte-americanas por suspeita de dominar uma das rotas do tráfico internacional na Amazônia e negociar cocaína com as duas principais facções criminosas do Brasil. De acordo com as informações publicadas no do site UOL, a rota do tráfico utiliza Manaus, capital do Amazonas, como ponto de distribuição da droga.
Os primeiros relatos da relação entre criminosos dos dois países surgiram quando os então guerrilheiros abrigaram Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. Líder do CV (Comando Vermelho), ele foi preso em uma caçada do Exército colombiano em abril de 2001, quando era apontado como o traficante mais procurado do Brasil.
Mais de 20 anos depois, a facção criminosa do Rio de Janeiro chefiada por Beira-Mar é citada em documentos do setor de inteligência do Exército da Colômbia repassados ao Ministério Público do país vizinho aos quais o UOL e a revista piauí tiveram acesso.
Os dados, que fazem parte de uma investigação do governo dos EUA, revelam que as facções brasileiras receberam carregamentos de drogas em São Gabriel da Cachoeira (AM), através de um rio na Amazônia que liga Colômbia e Brasil, indicando a existência de uma aliança no transporte de drogas por meios fluviais com o mesmo grupo de ex-guerrilheiros que abrigou Beira-Mar.
Um dos trechos do documento aponta que o CV tem a função de “recuperar rotas no Amazonas”. O PCC (Primeiro Comando da Capital), grupo criminoso de São Paulo, é citado como aliado de narcotraficantes no sul da Colômbia e disputa território com o CV, cita o documento.
Procurada pelo UOL, a advogada Paloma Gurgel, que representa Beira-Mar, se limitou a dizer que ele não responde criminalmente por fatos ocorridos em território colombiano.
Rota e avanço para o eixo Rio-SP
O trajeto começa em território colombiano pelo rio Vaupés, onde 17 etnias indígenas convivem com traficantes de cocaína, principalmente ex-guerrilheiros das Farc. A rota em território amazônico deságua no rio Negro após cruzar a fronteira com o Brasil, passando por São Gabriel da Cachoeira até chegar em Manaus, capital amazonense, para abastecer países europeus com o auxílio de aeronaves.
Aiala Couto, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que conduz um estudo sobre o tráfico na fronteira, diz que há evidências indicando a presença de ex-guerrilheiros das Farc no Brasil há mais de 15 anos.
O contato com o Beira-Mar é importante para entender essa aproximação. Mas o crescimento da importância do Brasil no tráfico internacional impulsiona a presença desses ex-guerrilheiros no país. Há um avanço de ex-guerrilheiros da Colômbia em direção à Amazônia, que se conectam com outras organizações na fronteira.Aiala Couto
Aiala diz que o próximo passo desses grupos é fazer com que a droga chegue ao Sudeste do país. “O objetivo deles agora é fazer com que a cocaína produzida na Colômbia chegue em larga escala no Rio de Janeiro e em São Paulo”.
‘Contato direto do cartel brasileiro PCC’
Um documento de inteligência do Ministério Nacional da Colômbia de março de 2022, que faz parte vazamento de emails do Ministério Público da Colômbia (leia mais abaixo), cita a relação entre o colombiano Nelson Jaramillo Quiceno, 51, com a facção criminosa paulista.
Conhecido como Calidad, ele é descrito como “contato direto do cartel brasileiro PCC e responsável por movimentos fluviais” para transportar cocaína de barco do rio Vaupés, desaguando no rio Negro até São Gabriel da Cachoeira. E, de lá, a droga então era levada para Manaus.
Em 2020, a Polícia Federal e o Exército colombiano repassaram dados para o DEA (o departamento norte-americano de combate às drogas) sobre a movimentação de cocaína na fronteira. Foi quando Calidad começou a ser investigado por suspeita de fazer a ligação entre ex-guerrilheiros das Farc e membros do PCC no Amazonas.
Ele morou em São Gabriel da Cachoeira por ao menos três anos. Em maio de 2019, firmou documento de compra e venda no cartório do 1º Ofício de Registro e Notas da cidade. Mas o assunto foi parar no Juizado Especial Cível da Comarca de Manaus.
O colombiano pagou uma entrada de R$ 25 mil firmada em termo de contrato por uma estrutura comercial e arrendamento de um hotel, mas não quitou as parcelas que totalizavam outros R$ 55 mil pelo negócio. A reportagem enviou questionamentos por WhatsApp a Calidad, mas não houve resposta.
Preso pelo Exército em barco na fronteira
Em 2009, Calidad foi preso pelo Exército brasileiro em um barco na fronteira enquanto tentava levar quatro toneladas de cimento para o seu país de origem, já que a venda é controlada e ele não tinha autorização da Polícia Federal para exportação. Mas acabou sendo solto oito semanas depois. O produto costuma ser usado na transformação de folhas de coca em pasta-base.
Ex-integrante de um grupo de paramilitares nos anos 2000, Calidad também chegou a ser denunciado pelo Ministério Público Federal por contrabando, mas ainda não houve sentença sobre o caso.
Armas de guerra da Colômbia para o Brasil
A atuação de ex-membros das Farc e narcos colombianos não se restringe somente à região da fronteira, por onde entram grandes carregamentos de drogas. Nos últimos três meses, as forças de segurança apreenderam mais de duas toneladas de drogas e armas de guerra com colombianos em ações nos estados de Roraima e Pará.
Em agosto, a Polícia Federal encontrou mais de uma tonelada de drogas e armas de guerra em Rorainópolis, município com pouco mais de 200 mil habitantes dominado pelo CV. Os agentes apreenderam dois fuzis AK-47, duas espingardas e um rifle com três colombianos e dois brasileiros, em mais um indício da ligação entre o narcotráfico da Colômbia com o do Brasil.
Segundo as investigações, o carregamento estava sendo transportado por rios desde o estado do Amazonas, na rota do tráfico da Colômbia para o Brasil.
Após esse volume de apreensão, fica claro que Roraima está em uma rota com drogas distribuídas para outros estados ou até países, já que o estado tem apenas 800 mil habitantes.Carlos Alberto Melotto, da Promotoria de Tráfico de Drogas, Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro
O Ministério Público afirma que o PCC tem o domínio territorial do tráfico em Roraima, concentrando as suas ações na capital Boa Vista, onde costuma recrutar e “batizar” venezuelanos para a organização criminosa. Mas o CV atua em municípios do interior, em rotas que ligam a droga colombiana com o Brasil.
Rodrigo Chagas, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, vê sinais dessa rota deixada em pichações com a sigla da facção criminosa carioca nas placas ao longo das estradas em um trecho de 84 km entre a capital Boa Vista e Alto Alegre, pela RR-205.
Há uma possível rota de atacado com dominação territorial do CV, que usa as rodovias para chegar a pistas de pouso onde há garimpo ilegal.Rodrigo Chagas
Carga da Colômbia de mais de R$ 50 milhões
No dia 4 de setembro deste ano, outros dois colombianos foram presos por suspeita de transportar uma tonelada de skunk, como é chamada a “supermaconha”. A droga estava em uma embarcação no rio Aturiá, no Estreito de Breves, no arquipélago do Marajó, no estado do Pará.
A carga, avaliada em mais de R$ 50 milhões, estava sendo transportada da Colômbia para Belém, capital do Pará, de acordo com as autoridades. Mais de seis toneladas de drogas foram apreendidas em território paraense só neste ano, ainda segundo as forças de segurança.
A chegada da droga no Pará é estratégica para os traficantes colombianos, indicam investigações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público. A droga em embarcações na região amazônica precisa chegar ao Porto de Barcarena. E, de lá, é exportada para países da Europa, segundo a Promotoria.
“A chegada ao Pará viabiliza a exportação da droga. Mas essa cocaína também abastece um mercado consumidor importante, de norte a sul do país. A presença de organizações criminosas estrangeiras tem se expandido no país”, diz a promotora Ana Maria Magalhães de Carvalho, coordenadora do Gaeco do Pará
O pesquisador Aiala Couto diz que esses grupos fazem voos rasantes para atravessar a fronteira sem que possam ser captados pelos satélites da Aeronáutica. “A fronteira da Amazônia é vulnerável pela vasta extensão territorial, onde há predomínio de comunidades ribeirinhas e pouca presença do Estado. Essa dinâmica facilita o avanço de grupos colombianos que têm atravessado a fronteira.”
No dia 27 de outubro deste ano, o colombiano Duque foi preso em Nariño, no departamento de Antioquia, Colômbia. Procurado pela Interpol por ligação com o narcotráfico, ele era apontado como o responsável pela verificação de procedência da cocaína colombiana que chegava em São Paulo e Salvador para ser enviada a países da Europa.
Ligação entre colombianos e Beira-Mar
Os ex-guerrilheiros colombianos citados no vazamento pertencem ao mesmo grupo que abrigou Fernandinho Beira-Mar. Na época, as Farc era chefiada por Tomás Medina Caracas, conhecido como Negro Acacio, morto em uma operação do Exército colombiano em setembro de 2007.
Ele foi o mentor da Frente Acacio Medina, grupo de ex-guerrilheiros que hoje atua em território brasileiro e é chefiado por Géner Garcia Molina, conhecido como Jhon 40, segundo os documentos do MP colombiano.
*Esta reportagem faz parte do #NarcoFiles: A Nova Ordem do Crime, uma investigação jornalística transfronteiriça sobre o crime organizado global, suas inovações, suas ramificações e aqueles que o combatem. O projeto, liderado pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) em parceria com o Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), começou com o vazamento de e-mails do Ministério Público da Colômbia que foram compartilhados com o UOL e outros veículos de mídia ao redor do mundo. Jornalistas examinaram e corroboraram os materiais juntamente com centenas de outros documentos, bancos de dados e entrevistas.
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