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Mudança na lei de improbidade, que levou a queda nas ações contra agentes públicos, divide especialistas, diz O Globo

Alterada em 2021, lei que pune mau uso de recursos passou a exigir comprovação de ‘intenção’.

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Após a lei de improbidade administrativa passar por uma série de mudanças aprovadas pelo Congresso, o número de novas ações contra agentes públicos relacionadas ao tema despencaram 42% em 2023, na comparação com 2021, quando as alterações foram sancionadas pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). Os dados foram divulgados ontem pelo Anuário do Ministério Público, feito pelo portal Consultor Jurídico.

O total de processos passou de 22 mil, há quatro anos, para 12,8 mil, em 2023. O levantamento indica ainda que a tendência de queda se manteve ao longo de 2024, cujos dados foram analisados parcialmente — foram registradas 9.752 novas ações de janeiro a outubro do ano passado.

Além dos dados sobre os processos, o anuário traçou o perfil das condenações por improbidade administrativa entre 1995 e 2024, com base no banco de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No período, foram 28.216 condenações — a maioria relacionada a dano ao erário (36%) ou violação dos princípios administrativos (34%). Já os casos de enriquecimento ilícito representaram 10% do total de condenações.

Debate sobre efeitos

Para especialistas, a redução de ações por improbidade é explicada pela alteração na legislação criada em 1992 que prevê punição para mau uso de recursos públicos. A lei passou a exigir, entre outros pontos, a comprovação de dolo — ou seja, a intenção de cometer irregularidades — para que determinadas condutas fossem punidas. Os efeitos dessa mudança, porém, dividem juristas ouvidos pelo GLOBO. Enquanto defensores da reforma alegam que ela evita punições excessivas para erros administrativos sem intenção de lesar o patrimônio público, críticos alertam para o risco de impunidade em casos de má gestão.

— A alteração legislativa foi uma necessidade para reduzir exageros e excessos cometidos. A partir do momento que ela aconteceu, são evitadas ações sem fundamentos e o MP pode se concentrar em investigar casos com fatos e provas contundentes — avalia o advogado Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

O advogado Antonio Carlos de Freitas Jr, doutor em Direito Constitucional pela USP e professor da Fundação Santo André, concorda:

— A improbidade é como se fosse a morte de um político. Então, imagina aplicar uma pena tão grande como essa para qualquer caso. Por conta disso, existia um número altíssimo de ações absurdas e levianas, porque o MP assumia a responsabilidade sem se preocupar em explicar mais ou menos o caso.

O texto da nova redação da lei também restringiu os atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública. O projeto foi aprovado, na época, com o apoio de governistas e da oposição no Congresso, sob a justificativa de que era preciso atualizá-la para evitar o cometimento de “excessos” pelo MP.

Para os críticos do projeto, a mudança é uma forma deliberada de redução do alcance de punições em casos de má gestão pública, afirma Ronaldo Pinheiro de Queiroz, procurador-regional da República da 3ª Região e autor do livro Manual sobre Improbidade Administrativa.

— Com a mudança, reduziram o alcance da lei e colocaram dificuldades na investigação, na ação e no processo jurídico. Isso gerou, como sugerem os números, uma redução drástica do combate à imoralidade administrativa, a impunidade —analisa.

Políticos beneficiados

Na época da flexibilização da lei, a mudança beneficiou, por exemplo, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que acabou absolvido em uma ação que o responsabilizava pelo caos no sistema de saúde de Manaus durante a pandemia. Outro a usar a mudança em um processo foi o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). Após a sanção do texto, o deputado pediu o arquivamento de uma ação na qual já havia sido condenado em instâncias inferiores.

A aplicação da medida a casos passados, porém, é alvo de questionamento e deve se tornar objeto de análise daqui para frente, segundo o presidente da Comissão Especial de Direito de Infraestrutura do Conselho Federal da OAB, Marcos Meira:

— É uma reforma que requer um período de adaptação. Mas, entre os pontos que ainda merecem atenção, está a retroatividade da lei mais benéfica em processos de improbidade administrativa, no sentido de garantir os direitos dos administradores em acusações de improbidade.


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