Mundo
Droga fentanil já é principal causa de morte entre menores de 50 nos EUA
Efeitos do produto são 50 vezes mais potentes que os da heroína. Overdoses acidentais ocorrem quando os consumidores usam drogas que foram contaminadas com fentanil.
Os Estados Unidos lembram nesta terça-feira, 9 de maio, o Dia Nacional de Consciencialização sobre o Fentanil, uma droga sintética altamente viciante que já é a principal causa de morte entre menores de 50 anos.
Os efeitos do produto, 50 vezes mais potentes que os da heroína, são visíveis nas ruas de duas das cidades mais ricas do país, Los Angeles e São Francisco, onde alguns bairros estão transformados em zonas de consumo a céu aberto.
“A maioria do que era o negócio da heroína é agora de fentanil”, disse Dean Shold, cofundador da organização sem fins lucrativos FentCheck. “Tornou-se mais econômico para os cartéis, porque conseguem produzir fentanil mais facilmente que a heroína”.
A FentCheck opera sobretudo em São Francisco e Oakland, na parte norte da Califórnia, para prevenir overdoses acidentais. A organização distribui gratuitamente testes para despistar a contaminação de drogas recreativas com o poderoso opiáceo (substâncias derivadas do ópio), disponibilizando-os em bares, restaurantes e até livrarias e bibliotecas.
“O fentanil é muito potente. Dois miligramas podem matar uma pessoa”, afirmou Shold. A FentCheck criou o programa à imagem do que foi feito nos anos 80 durante a epidemia de HIV, em que se multiplicaram os recipientes com preservativos em bares e restaurantes. Desta vez, os recipientes contêm testes gratuitos, que dão resultados em dois minutos.
“Isso é focado nas pessoas que podem usar cocaína ou MDMA (ecstasy) numa festa, que experimentam drogas a que não estão habituadas, de fornecedores a quem não normalmente não compram”, explicou. “São os utilizadores mais vulneráveis porque não têm tolerância aos opiáceos”.
Essas overdoses acidentais ocorrem quando os consumidores usam drogas que foram contaminadas com fentanil, agora conhecido como a “heroína sintética”, que entra nos Estados Unidos sobretudo a partir da fronteira com o México.
O alvo prioritário é a faixa etária entre os 30 e os 34 anos, onde se têm registrado mais overdoses. Shold explica que há um risco crescente entre adolescentes, que usam a rede social preferida da Geração Z, TikTok, para encontrar traficantes de várias substâncias ilícitas.
“Estamos vendo adolescentes recebendo comprimidos encomendados no TikTok. Isso é algo muito assustador”, disse Dean Shold. Os testes oferecidos pela FentCheck servem para testar se essas e outras substâncias ilícitas estão contaminadas, sem um elemento recriminatório.
“Não queremos julgar. Muitos pais dizem para, simplesmente, não usarem drogas, e isso não funciona”, afirmou o responsável. “Não acreditamos que a única resposta é a abstinência”.
Shold indicou que evidência disso é a falha das últimas décadas, em que todas as estratégias para combater o consumo de drogas fracassaram.
Mas o uso de testes tem efeito preventivo comprovado, que a organização contabilizou comparando os números de overdoses em suas áreas de atuação, publicados pelo Departamento de Saúde Pública da Califórnia.
“Temos de fornecer esses recursos porque dizer apenas `não usem drogas` não tem funcionado”, disse Shold, considerando óbvio que “foi perdida a guerra contra as drogas”.
Segundo a Drug Enforcement Administration (DEA), o fentanil é agora a causa número um de morte entre americanos com menos de 50 anos. Em 2021, 106 mil pessoas morreram de overdoses e dessas, mais de 70 mil foram vítimas do produto.
Com milhares de viciados, overdoses acidentais e cada vez mais adolescentes em risco, o combate a essa crise passou para a linha da frente das prioridades em vários estados. Em março, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, anunciou um “plano estratégico” com US$ 96,5 milhões destinados a combater o problema.
“Mais de 150 pessoas morrem por dia no país de overdoses e envenenamentos relacionados com opiáceos sintéticos como o fentanil”, disse Newsom, na apresentação do plano.
“A nossa abordagem vai expandir os esforços de fiscalização para repelir as organizações criminais transnacionais que traficam esse veneno nas comunidades”, continuou, “ao mesmo tempo que damos prioridade a estratégias de redução de danos para reduzir as overdoses e ajudar aqueles que lutam contra o vício”.
A FentCheck é uma das várias organizações não governamentais e sem fins lucrativos que trabalham na contenção de danos na área.
Só em 2022, distribuiu 50 mil testes e tem feito um trabalho de aproximação com consumidores e funcionários dos estabelecimentos, além de treinar o uso de Narcan, um antídoto que reverte a overdose.
“Estamos sempre a reabastecer os recipientes com testes e isso nos dá a oportunidade de falar com os empregados de bar, com os clientes, e por vezes direcioná-los a programas de MAT [medication-assisted treatment]”, explicou Shold.
A organização vai começar a distribuir testes em Nova York e pretende expandir, de forma dramática, sua cobertura em Los Angeles, onde agora está limitada a West Hollywood.
Los Angeles tem assistido a um agravamento da situação, com as mortes por fentanil no condado a aumentarem 14 vezes nos últimos cinco anos.
Na Universidade do Sul da Califórnia (USC) a organização sem fins lucrativos TACO (Team Awareness Combatting Operation) ensina os estudantes a usar o antídoto Narcan, a testar as drogas e a perceber os potenciais efeitos.
A consciencialização dos riscos tornou-se mais urgente quando, em setembro passado, uma adolescente de 15 anos foi encontrada morta na escola secundária Bernstein, em Hollywood, depois de consumir percocet (uma combinação de oxycodone e acetaminophen) contaminado com fentanil.
Mesmo quando o desfecho não é trágico, a pessoa pode ficar viciada, explicou Dean Shold.
“Qualquer opiáceo pode viciar em cerca de três dias”, frisou. “Consideramos que, ao encorajar o teste de drogas e o não consumo de produto que tiver fentanil, evitamos que mais pessoas fiquem viciadas em opiáceos”.
Ele está otimista quanto ao avanço de algumas medidas, como a disseminação dos testes e a despenalização de algumas drogas, mas admite a gravidade da situação.
“Metemo-nos num beco de onde é difícil sair”.
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